Mas afinal quem é que criou a Taxa Municipal de Proteção Civil?

06-07-2019
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José Sócrates e Ascenso Simões, Secretário de Estado da Administração Interna (2005-2007) e da Proteção Civil (2007-2008)

A discussão sobre a inconstitucionalidade da Taxa Municipal de Proteção Civil tem sido feita nas redes sociais cá da terra da forma como, quase sempre, são feitas as discussões nas redes sociais, ou seja, com muita ignorância e ainda mais má-fé à mistura. Um dos argumentos (acusações) recorrentes aponta para que a decisão de criar a taxa tenha resultado apenas de uma ação da autarquia, esquecendo todo o contexto, político e legislativo, que motivou tal decisão. Na verdade, a disposição legal que possibilita a criação da taxa foi incluída no Regime Geral de Taxas das Autarquias Locais, aprovado em 2006 pela Lei 53 E, de 29 de dezembro, depois de, por muitos anos, os municípios detentores de corpos de bombeiros (profissionais) sapadores e municipais reclamarem do Estado a devida compensação pela prestação de serviços que nem todas as autarquias prestavam e de exigirem do Poder Central a criação de mecanismos que permitissem que as autarquias tivessem fontes de financiamento para apoiar as associações de bombeiros voluntários. E o que consagrava nesse quadro legal, proposto por um secretário de Estado da Proteção Civil de um governo de José Sócrates? Pura e simplesmente que as autarquias poderiam cobrar taxas “pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil“.

Se há responsáveis da situação complexa a que se chegou eles só podem ser José Sócrates e Ascenso Simões, ou, para ser mais rigoroso, o principal responsável de toda esta monumental confusão político-jurídica é, sem qualquer dúvida, o Partido Socialista

Uma das notícias que se encontra ainda disponível sobre este assunto data de 21 de novembro 2005 e foi publicada no Correio da Manhã. Será, porventura, a primeira notícia sobre a matéria, embora depois disso pouco mais se encontre. Nela, refere-se que Ascenso Simões, secretário de Estado da Proteção Civil do governo PS, tinha anunciado no congresso da Liga dos Bombeiros Portugueses, realizado em Viseu, que o “Governo [iria] criar [em 2006] uma taxa de Socorro cujas receitas serão destinadas ao financiamento das associações de bombeiros“. E foi o que aconteceu. Depois disso, foram várias as autarquias que criaram esta taxa, fazendo-a incidir sobre distintos universos de contribuintes. Se, em alguns concelhos, os alvos da taxa foram os consumidores de água, obrigados a pagá-la com valor fixo na conta dos Serviços Municipalizados, noutros concelhos os alvos foram os proprietários de imóveis, a quem a taxa foi aplicada com base no Valor Patrimonial Tributário. Ainda que a partir de 2007 a taxa pudesse ser aplicada pelas câmaras municipais, em Setúbal a autarquia optou por a aprovar apenas em 6 de julho de 2011, mas com diferenças assinaláveis em relação às taxas de proteção civil cobradas no resto do país. Aqui, a taxa seria apenas aplicada a indústria e comércio, escalonada de acordo com o risco de cada indústria ou estabelecimento comercial, livrando-se os restantes cidadãos de ter de a pagar. A deliberação camarária determinava que estes valores apenas seriam cobrados enquanto o governo não “ressarcisse” a autarquia dos valores gastos na Companhia de Bombeiros Sapadores, o que resulta da ideia base de ser o Estado (central e não local) o responsável pela prestação de socorro aos cidadãos.

Na prática, o que aconteceu, uma vez mais, foi que o Estado — neste caso, o Governo Sócrates — empurrou para as autarquias o ónus de ter de cobrar uma taxa para financiar a prestação de socorro aos seus cidadãos, livrando-se, assim, de mais responsabilidades no financiamento, em particular, dos corpos de bombeiros detidos por autarquias. Uma solução cómoda, portanto… para o Governo da altura.

Com o arranque da cobrança da taxa em Setúbal, logo surgiram os protestos públicos das grandes empresas, precisamente as que mais precisam de bombeiros e proteção civil, precisamente aquelas onde estas operações têm maiores (enormes) custos. Nada de admirar, ou não se soubesse que é assim que funcionam as grandes empresas, onde é sempre bem-vindo quem pague por elas os riscos que comportam.

Alguns “especialistas em generalidades” que pululam nas redes sociais locais garantem ter sido a autarquia a única responsável pela aplicação da taxa. Não foi. Eles que procurem (alguns deles) lá no seu partido os responsáveis que os vão encontrar. Nem é muito difícil…

Depois dos protestos, foi o tempo da ação judicial, com os competentes recursos para os tribunais, acabando no Tribunal Constitucional, que viria a declarar a inconstitucionalidade da taxa aplicada em Lisboa e em Gaia (municípios detentores de corpos de bombeiros profissionais e liderados pelo PS e PSD). Em Setúbal, apenas em 2018 o TC declararia a inconstitucionalidade de várias normas do regulamento municipal da taxa de proteção civil “aplicada a uma sociedade exploradora de postos de abastecimento”. Ou seja, não foi decretada a inconstitucionalidade geral da taxa, uma vez que, para tal acontecer, as normas do regulamento de Setúbal teriam de ter sido julgadas inconstitucionais em três casos suscitados em processos concretos (fiscalização concreta). Para o caso, este aspeto deixou de ser relevante, uma vez que a autarquia decidiu anular a taxa, não tendo, assim, havido declaração geral de inconstitucionalidade nem sequer mais recursos para o TC.

A Câmara Municipal tem, entretanto, vindo a desenvolver os procedimentos para devolver a taxa, tendo-o feito já em vários casos.

A declaração de inconstitucionalidade criou, naturalmente, a todas as autarquias que a tiveram de a devolver, problemas complexos, quer financeiros, quer administrativos. Criou, porém, um problema ainda mais complexo, que reside em saber como se vai financiar o socorro e a proteção civil num contexto de recursos escassos. Contudo, importa fazer uma leitura política deste caso extraordinário. Se há responsáveis da situação complexa a que se chegou eles só podem ser José Sócrates e Ascenso Simões, ou, para ser mais rigoroso, o principal responsável de toda esta monumental confusão político-jurídica é, sem qualquer dúvida, o Partido Socialista, que, para calar as autarquias na questão do financiamento dos corpos de bombeiros, martelou a lei para acomodar uma taxa que, muito provavelmente, os autores da legislação já sabiam que poderia ser declarada ilegal. Mas, afinal, o que interessava isso ao PS, useiro e vezeiro neste tipo de soluções? Nada, rigorosamente nada. Quem viesse atrás que fechasse a porta. E isto reconduz-nos à discussão travada por alguns “especialistas em generalidades” que pululam nas redes sociais locais e que, praticando a descontextualização, garantem ter sido a autarquia a única responsável pela aplicação da taxa. Não foi. Eles que procurem (alguns deles) lá no seu partido os responsáveis que os vão encontrar. Nem é muito difícil…

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José Sócrates e Ascenso Simões, Secretário de Estado da Administração Interna (2005-2007) e da Proteção Civil (2007-2008)

A discussão sobre a inconstitucionalidade da Taxa Municipal de Proteção Civil tem sido feita nas redes sociais cá da terra da forma como, quase sempre, são feitas as discussões nas redes sociais, ou seja, com muita ignorância e ainda mais má-fé à mistura. Um dos argumentos (acusações) recorrentes aponta para que a decisão de criar a taxa tenha resultado apenas de uma ação da autarquia, esquecendo todo o contexto, político e legislativo, que motivou tal decisão. Na verdade, a disposição legal que possibilita a criação da taxa foi incluída no Regime Geral de Taxas das Autarquias Locais, aprovado em 2006 pela Lei 53 E, de 29 de dezembro, depois de, por muitos anos, os municípios detentores de corpos de bombeiros (profissionais) sapadores e municipais reclamarem do Estado a devida compensação pela prestação de serviços que nem todas as autarquias prestavam e de exigirem do Poder Central a criação de mecanismos que permitissem que as autarquias tivessem fontes de financiamento para apoiar as associações de bombeiros voluntários. E o que consagrava nesse quadro legal, proposto por um secretário de Estado da Proteção Civil de um governo de José Sócrates? Pura e simplesmente que as autarquias poderiam cobrar taxas “pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil“.

Se há responsáveis da situação complexa a que se chegou eles só podem ser José Sócrates e Ascenso Simões, ou, para ser mais rigoroso, o principal responsável de toda esta monumental confusão político-jurídica é, sem qualquer dúvida, o Partido Socialista

Uma das notícias que se encontra ainda disponível sobre este assunto data de 21 de novembro 2005 e foi publicada no Correio da Manhã. Será, porventura, a primeira notícia sobre a matéria, embora depois disso pouco mais se encontre. Nela, refere-se que Ascenso Simões, secretário de Estado da Proteção Civil do governo PS, tinha anunciado no congresso da Liga dos Bombeiros Portugueses, realizado em Viseu, que o “Governo [iria] criar [em 2006] uma taxa de Socorro cujas receitas serão destinadas ao financiamento das associações de bombeiros“. E foi o que aconteceu. Depois disso, foram várias as autarquias que criaram esta taxa, fazendo-a incidir sobre distintos universos de contribuintes. Se, em alguns concelhos, os alvos da taxa foram os consumidores de água, obrigados a pagá-la com valor fixo na conta dos Serviços Municipalizados, noutros concelhos os alvos foram os proprietários de imóveis, a quem a taxa foi aplicada com base no Valor Patrimonial Tributário. Ainda que a partir de 2007 a taxa pudesse ser aplicada pelas câmaras municipais, em Setúbal a autarquia optou por a aprovar apenas em 6 de julho de 2011, mas com diferenças assinaláveis em relação às taxas de proteção civil cobradas no resto do país. Aqui, a taxa seria apenas aplicada a indústria e comércio, escalonada de acordo com o risco de cada indústria ou estabelecimento comercial, livrando-se os restantes cidadãos de ter de a pagar. A deliberação camarária determinava que estes valores apenas seriam cobrados enquanto o governo não “ressarcisse” a autarquia dos valores gastos na Companhia de Bombeiros Sapadores, o que resulta da ideia base de ser o Estado (central e não local) o responsável pela prestação de socorro aos cidadãos.

Na prática, o que aconteceu, uma vez mais, foi que o Estado — neste caso, o Governo Sócrates — empurrou para as autarquias o ónus de ter de cobrar uma taxa para financiar a prestação de socorro aos seus cidadãos, livrando-se, assim, de mais responsabilidades no financiamento, em particular, dos corpos de bombeiros detidos por autarquias. Uma solução cómoda, portanto… para o Governo da altura.

Com o arranque da cobrança da taxa em Setúbal, logo surgiram os protestos públicos das grandes empresas, precisamente as que mais precisam de bombeiros e proteção civil, precisamente aquelas onde estas operações têm maiores (enormes) custos. Nada de admirar, ou não se soubesse que é assim que funcionam as grandes empresas, onde é sempre bem-vindo quem pague por elas os riscos que comportam.

Alguns “especialistas em generalidades” que pululam nas redes sociais locais garantem ter sido a autarquia a única responsável pela aplicação da taxa. Não foi. Eles que procurem (alguns deles) lá no seu partido os responsáveis que os vão encontrar. Nem é muito difícil…

Depois dos protestos, foi o tempo da ação judicial, com os competentes recursos para os tribunais, acabando no Tribunal Constitucional, que viria a declarar a inconstitucionalidade da taxa aplicada em Lisboa e em Gaia (municípios detentores de corpos de bombeiros profissionais e liderados pelo PS e PSD). Em Setúbal, apenas em 2018 o TC declararia a inconstitucionalidade de várias normas do regulamento municipal da taxa de proteção civil “aplicada a uma sociedade exploradora de postos de abastecimento”. Ou seja, não foi decretada a inconstitucionalidade geral da taxa, uma vez que, para tal acontecer, as normas do regulamento de Setúbal teriam de ter sido julgadas inconstitucionais em três casos suscitados em processos concretos (fiscalização concreta). Para o caso, este aspeto deixou de ser relevante, uma vez que a autarquia decidiu anular a taxa, não tendo, assim, havido declaração geral de inconstitucionalidade nem sequer mais recursos para o TC.

A Câmara Municipal tem, entretanto, vindo a desenvolver os procedimentos para devolver a taxa, tendo-o feito já em vários casos.

A declaração de inconstitucionalidade criou, naturalmente, a todas as autarquias que a tiveram de a devolver, problemas complexos, quer financeiros, quer administrativos. Criou, porém, um problema ainda mais complexo, que reside em saber como se vai financiar o socorro e a proteção civil num contexto de recursos escassos. Contudo, importa fazer uma leitura política deste caso extraordinário. Se há responsáveis da situação complexa a que se chegou eles só podem ser José Sócrates e Ascenso Simões, ou, para ser mais rigoroso, o principal responsável de toda esta monumental confusão político-jurídica é, sem qualquer dúvida, o Partido Socialista, que, para calar as autarquias na questão do financiamento dos corpos de bombeiros, martelou a lei para acomodar uma taxa que, muito provavelmente, os autores da legislação já sabiam que poderia ser declarada ilegal. Mas, afinal, o que interessava isso ao PS, useiro e vezeiro neste tipo de soluções? Nada, rigorosamente nada. Quem viesse atrás que fechasse a porta. E isto reconduz-nos à discussão travada por alguns “especialistas em generalidades” que pululam nas redes sociais locais e que, praticando a descontextualização, garantem ter sido a autarquia a única responsável pela aplicação da taxa. Não foi. Eles que procurem (alguns deles) lá no seu partido os responsáveis que os vão encontrar. Nem é muito difícil…

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