O púlpito para Rio, Mortágua a ver pela tv e o erro de raccord do Governo. Os bastidores da guerra do IVA – Observador

11-02-2020
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Houve telefonemas discretos, contas a cada ponto de cada proposta, muito xadrez e bluff para tentar fazer passar a redução do IVA da luz. Todos querem, mas ninguém aprova. Saíram como entraram.

06 Fev 2020, 03:12

A meio do terceiro dia de votações na especialidade, Rui Rio apresentou uma nova proposta para reduzir o IVA na luz. Seduziu o Bloco, mas não o PCP.

Foi um longo dia quase resumido a duas palavras: “IVA” e “luz”. Há uma maioria no Parlamento que diz querer reduzir a fatura do IVA para as famílias, mas nas votações ninguém se entende e nada acontece. O Governo colocou uma decisão nas mãos de Bruxelas, a meio do processo orçamental, e os partidos tentaram propostas de alteração com calibres diferentes. A meio do ano, no fim do ano, para consumidores domésticos, para todos. Há de tudo. E, no fim, não houve nada. Mas isso deu trabalho.

A votação repete-se esta quinta-feira de manhã, agora com todos os deputados na sala, no plenário. Para chegar aqui houve muita marcação partido-a-partido, telefonemas, entra e sai de gabinetes, declarações cruzadas, dramatizações e muito jogo político. O Observador mostra-lhe como os partidos e o Governo se articularam (ou deixaram de se articular) neste dia de loucos em que uma proposta dominou o debate na especialidade.

show more

12h05

Por esta altura, o debate na especialidade decorria com a deputada bloquista Mariana Mortágua a dizer que o Bloco não iria viabilizar a proposta inicial do PSD para a redução do IVA da eletricidade porque a medida prevê “cortes cegos nos consumos intermédios”, ou seja, nos serviços públicos. “Nada de novo, nada na manga”, atirou Mortágua para encerrar aqui a conversa.

12h10

Duarte Pacheco, do PSD, levanta-se no plenário para garantir a quem o ouvia que o partido estava afinal disponível para substituir a proposta apresentada para a redução do IVA da eletricidade (redução do IVA na eletricidade de 23% para 6% com contrapartidas: cortes em gabinetes ministeriais e em consumos intermédios). Mantinham-se as contrapartidas, mas noutros moldes. A porta começava a abrir-se ao Bloco de Esquerda. A resposta surgia depois de uma pergunta pragmática de Cecília Meireles, do CDS-PP: afinal o que acontece à proposta dos sociais-democratas se as suas contrapartidas forem chumbadas? Duarte Pacheco respondia que a proposta do PSD “assenta na responsabilidade”, pelo que se as contrapartidas caírem, a proposta é retirada. Eis uma tirada que nem o PS nem o PCP desconsideraram, o que haveria de ficar claro horas depois.

12h22

A assessora parlamentar do PSD avisa os jornalistas de que Rui Rio faria uma declaração fora do hemiciclo, nos Passos Perdidos, sobre o IVA da eletricidade. Aí estava a disponibilidade do PSD para mudar a proposta inicial a ganhar corpo, cedendo ao Bloco de Esquerda.

Mariana Mortágua viu Rio pela TV

12h35

Rui Rio pede que seja colocado um púlpito junto ao microfone dos Passos Perdidos, trazia umas notas escritas e queria poisá-las, mas só olhou para elas quando precisou de debitar as contas do PSD para o impacto das suas medidas e as contrapartidas que calculara. Começa por fazer o histórico da posição do partido nesta matéria nas últimas semanas para explicar que chegou à conclusão que a sua proposta “dificilmente passava, porque o BE não aceita os consumos intermédios. E penso que o PCP também não”, sistematiza.

“Há que encontrar equilíbrio para consensualizar a proposta”. E qual foi o equilíbrio que Rio propôs? A redução da taxa de 23% para 6% apenas a partir de outubro, em vez de julho. E as compensações da medida, na ordem dos 94 milhões de euros, chegariam pelos cortes nos gastos dos gabinetes ministeriais (8,5 milhões) e no “ajustamento” do excedente — e isto porque Rio diz que o verdadeiro excedente não é de 0,2%, mas sim de 0,25%. Bastaria cortar nessas cinco centésimas e lá estaria mais uma compensação de 12 milhões. São as contas de Rui Rio.

“Com isto, o Orçamento está equilibrado e há consenso para todos”. Rui Rio frisava, porém, que não tinha garantias de nenhum partido de que a medida seria aprovada. A conferência de imprensa foi longa e, no hemiciclo, continuava o debate na especialidade.

12h50

Rio ainda dominava os diretos televisivos e lá dentro, no plenário, Mariana Mortágua já reagia à nova proposta do PSD, adiantando que, uma vez abandonada a contrapartida sobre os consumos intermédios, Rui Rio ia “ao encontro” do que defende o Bloco de Esquerda. A articulação foi tão rápida que no Governo desconfiou-se que os dois partidos tivessem conversado antes. O Bloco garante que isso nunca aconteceu e Mariana Mortágua só entrou no plenário em cima daquela intervenção, precisamente porque tinha estado no gabinete, com Catarina Martins, a seguir a conferência de imprensa de Rio pela TV. Entrou no plenário quando o social-democrata ainda não tinha acabado e já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais falava da nova proposta do PSD.

Um erro de raccord na fita do Governo, que na verdade até foi o primeiro a falar da proposta no plenário, depois de informado do que Rui Rio estava a anunciar. António Mendonça Mendes fez logo a síntese do que disse tratar-se de “jogos partidários”. E Mariana Mortágua só falou depois, para dizer que o Bloco “teve conhecimento da proposta do PSD e das suas principais características e considera que vai ao encontro da posição” do partido. “Há um caminho para a sua viabilização”. Assim, de cruz. O PCP, sabe o Observador, soube antecipadamente que o PSD ia apresentar uma alteração à proposta inicial, mas não conhecia o seu conteúdo.

E o debate subiu de tom em atropelos até à dramatização total

13h32

João Leão, secretário de Estado do Orçamento, reage à proposta do PSD, acusando-a de ser “de uma irresponsabilidade tremenda”. Faltavam-lhe as palavras para criticar a proposta, mas adiantou logo que a medida custaria 200 milhões de euros por trimestre (e não 94 milhões como contabilizava Rui Rio) e 800 milhões por ano. “Preocupa-me que o PDS faça esta proposta e nem saiba o impacto”, notou.

13h40

Entra em campo a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, para subir, definitivamente, o tom da discussão. Os socialistas canalizavam tudo para a indignação com o PSD e Ana Catarina Mendes repetia a expressão da “tremenda irresponsabilidade”, acusando Rio de ter “lançado uma bomba com esta gravidade que compromete 800 milhões de euros no Orçamento para 2021”. E no PSD Duarte Pacheco atacava a “credibilidade” do PS em contas: “Depende dos dias”.

13h50

Foram dez minutos intensos e Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, pediu a palavra para dizer que “é falso que [a redução do IVA da luz] ponha em causa qualquer serviço público”. Isso “é uma chantagem que é artificial”, argumenta o deputado virando-se para a bancada do PS. O Governo interrompia o atropelo de intervenções para assegurar que se o PSD visse aprovada a sua proposta também ela teria de ir à autorização do comité do IVA.

A bomba fora da sala, o drama dentro e o Governo a “ganhar tempo”

14h05

Luís Testa, deputado do PS, é o responsável por se falar ali pela primeira vez em consequências políticas. “O que se passou no dia de hoje foi a proposta de desvirtuar o Orçamento proposto pelo Governo no sentido de impedir que o país possa ser governado conforme a vontade popular expressa na urna de votos, apresentando às claras uma proposta que visa impedir a governação do país”. A ingovernabilidade ali exposta em todo o seu esplendor e agarrada poucos minutos depois pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: “Os senhores têm de assumir as consequências das decisões que vão tomar, e têm de as assumir por inteiro, inclusivamente se criam ou não condições para governar o país. E estas coisas são ditas nestes termos e não há outros”.

14h30

O debate na especialidade termina e André Silva ainda fala aos jornalistas para revelar não ver condições para aprovar a proposta do PSD. Menos quatro votos a favor. Mas há muitas mais contas para fazer. Com os 79 deputados do PSD e os 19 do BE (todos juntos 98 deputados) alinhados numa frente contra o Governo, a chave da questão podia estar no PCP e nos seus dez deputados.

Corrupio nos corredores e telefones. E a demissão na equação

16h00

Começa o debate e logo com um pedido de adiamento. É que no topo da lista do guião de votações estavam as propostas do IVA e entre elas da famosa redução da taxa do IVA da luz, proposta pelo PSD, BE , PCP e Chega. O PS pede que o IVA seja apenas votado no final do dia de votações. Porquê? “Temos de ganhar tempo”, comentou um membro do Governo com o Observador.

No Governo, nesta altura não havia “qualquer informação que permitisse tirar conclusões” sobre como acabaria este capítulo, conforme apurou o Observador. No PCP não havia decisão, mas havia um entra e sai no gabinete, sobretudo dos principais negociadores com o Governo desde o tempo da “geringonça”: João Oliveira e Jorge Cordeiro. Pelos corredores andavam também os secretários de Estado do Orçamento e dos Assuntos Fiscais, respetivamente João Leão e António Mendonça Mendes.

16h30

Em cima da mesa do Executivo estava a carta da ingovernabilidade. A situação é “dramática”, dizia um membro do Governo ao Observador nesta altura, pelo “precedente aberto pelo PSD” ao aprovar uma proposta com um impacto orçamental tão significativo. A mesma fonte não desmentia que estivesse a decorrer contactos com o PCP. Eles aconteceram, mas terão sido feitos sobretudo por telefone, segundo apurou o Observador.

Durante o processo, António Costa estava em Bruxelas e a ser informado do que se passava em Lisboa, na Assembleia da República. Os jornalistas confrontam-no com a situação do IVA da luz e se o cenário de demissão estava em cima da mesa: “Não me vou pôr a fazer, neste momento, especulações, a não ser ter a esperança de que toda a gente tenha o bom senso para não pôr em causa o orçamento, para não adotar uma medida que é socialmente injusta e irresponsável e financeiramente insustentável”.

18h18

Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, atravessa o corredor dos gabinetes parlamentares e entra no do grupo do PS, onde está a líder parlamentar Ana Catarina Mendes.

18h30

Entretanto, nos corredores, o PSD distribuiu uma folha aos jornalistas com as suas contas sobre o impacto orçamental da proposta. Uma tentativa de spin para contrapor ao spin que vinha do Governo com a conta de 800 milhões de euros de impacto. Apoiado em números do Pordata, o partido estimou que o impacto será afinal de 376 milhões de euros de perda de receita fiscal, calculados a partir do consumo médio por cliente dos cerca de 5,6 milhões de consumidores domésticos de eletricidade.

18h45

Duarte Cordeiro sai do gabinete do PS e volta ao plenário, contacta o deputado socialista João Paulo Rebelo pelo telefone interno do plenário. Nessa mesma altura, a assessoria do PCP entra na bancada dos jornalistas e anuncia. João Oliveira, líder da bancada comunista, vai fazer uma conferência de imprensa às 19h30. Há uma interrupção dos trabalhos e João Paulo Correia aparece distendido junto à bancada dos jornalistas. Ninguém arrisca como vai acabar. Mas parece haver algum alívio.

19h07

Carlos César, o presidente do PS, avisava, em declarações ao Público, que se a solução fosse “aprovada, o Orçamento do Estado ficará desvirtuado e muito dificilmente exequível para manter o equilíbrio inicialmente proposto, pelo que será necessário ponderar seriamente o que fazer”. A mesma voz socialista que, em maio de 2019, tinha admitido a demissão do Governo caso fosse aprovado o descongelamento total da carreira dos professores — aliás, António Costa ameaçou publicamente com isso e a direita recuou.

O alívio dado pelo PCP e a votação em xadrez

19h30

João Oliveira faz uma conferência de imprensa para explicar que o PCP iria abster-se na votação das contrapartidas colocadas em cima da mesa pelo PSD. A proposta do PSD de redução do IVA da luz seria votada em três parte e o PCP não aprovaria as compensações: nem a entrada em vigor apenas em outubro, nem os cortes nos gabinetes ministeriais. Só aceitava a redução. Quem quer reduzir não coloca condições, era a argumentação dos comunistas. Nos corredores, a preocupação comunista era que esta decisão não colocasse o ónus da manutenção do IVA da eletricidade nos 23% no PCP, mas sim no PSD.

23h51

Começa a votação das propostas do IVA que tinha sido adiadas para o final da votação. Duarte Pacheco, do PSD pede a palavra para que a proposta do PSD fosse votada por partes, começando pelas compensações. Começa o xadrez. Em menos de nada estas contrapartidas são chumbadas. PSD, Bloco, IL, Chega votam a favor. CDS e PCP abstém-se, PAN e PS votam contra. Proposta dos cortes dos gabinetes foi recusada. E na votação da entrada em vigor em outubro, o PCP muda o voto e vota contra, ao lado do PS e PAN.

A proposta do PCP é chumbada e a do BE também. A autorização legislativa que o Governo inclui na sua proposta foi a única aprovada. A proposta passou com o voto a favor do PS, a abstenção de todos os outros partidos à exceção do Iniciativa Liberal, que votou contra. À falta de outra solução, fica inscrita, pelo menos por agora, uma abertura para que o Governo possa mexer na taxa do IVA da eletricidade assim que chegar uma resposta de Bruxelas ao pedido de Portugal para fazer variar a taxa em função do consumo.

Sair sem luz ao fundo do túnel

00h02

O PSD retira a primeira parte da sua proposta da votação. Sem compensações já não queria descer o IVA da luz no consumo doméstico. PCP pede a palavra para frisar que, no dia seguinte, quinta-feira, se a proposta do PSD era retirada já não podia ser chamada para ser votada em plenário. E aqui Duarte Pacheco ri-se e diz que sim, é verdade. Mas “há outras propostas para votar e chamar a plenário no dia seguinte. Avocar ou chamar a plenário não é mais do que submeter o que foi votado em comissão a uma votação no plenário, com todos os deputados e partidos presentes (o PEV e Joacine Katar Moreira, por exemplo, não estão representados na comissão). Serve para quê? Para afirmação política ou então para trocas de votações que podem mudar o que já se pensava arrumado no dia anterior.

00h10

João Oliveira diz que “tem pena” de não poder votar a proposta do PSD para a descida do IVA. Um tom irónico que tinha uma intenção: atirar o ónus para o lado de lá. Foi o PSD que desistiu. Mas Duarte Pacheco insistia que não era uma desistência, levaria as compensações do PSD a votos novamente, mas em plenário, e deixava cair o limite de ter uma descida da taxa apenas para o consumo doméstico. Já tinha cedido ao BE nos consumos intermédios, agora flexibilizava a posição para convencer o PCP. “Já votámos e iremos votar outras propostas, estamos fortemente empenhados na descida do IVA”, prometia.

00h36

Muitas contas no plenário, mas sai toda a gente sem certezas sobre o que pode acontecer no plenário logo pela manhã. Cá fora, alguns deputados ainda fazem cenários sobre o dia seguinte e chamam a atenção par alguns pormenores das votações. Como por exemplo a abstenção do PSD anos pontos que propunham a baixa do IVA da eletricidade das propostas do PCP e BE: no caso dos comunistas, para 6% e no caso do BE para 13% a partir de julho. Saíram todos como entraram; sem certezas de ver luz ao fundo do túnel.

Houve telefonemas discretos, contas a cada ponto de cada proposta, muito xadrez e bluff para tentar fazer passar a redução do IVA da luz. Todos querem, mas ninguém aprova. Saíram como entraram.

06 Fev 2020, 03:12

A meio do terceiro dia de votações na especialidade, Rui Rio apresentou uma nova proposta para reduzir o IVA na luz. Seduziu o Bloco, mas não o PCP.

Foi um longo dia quase resumido a duas palavras: “IVA” e “luz”. Há uma maioria no Parlamento que diz querer reduzir a fatura do IVA para as famílias, mas nas votações ninguém se entende e nada acontece. O Governo colocou uma decisão nas mãos de Bruxelas, a meio do processo orçamental, e os partidos tentaram propostas de alteração com calibres diferentes. A meio do ano, no fim do ano, para consumidores domésticos, para todos. Há de tudo. E, no fim, não houve nada. Mas isso deu trabalho.

A votação repete-se esta quinta-feira de manhã, agora com todos os deputados na sala, no plenário. Para chegar aqui houve muita marcação partido-a-partido, telefonemas, entra e sai de gabinetes, declarações cruzadas, dramatizações e muito jogo político. O Observador mostra-lhe como os partidos e o Governo se articularam (ou deixaram de se articular) neste dia de loucos em que uma proposta dominou o debate na especialidade.

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12h05

Por esta altura, o debate na especialidade decorria com a deputada bloquista Mariana Mortágua a dizer que o Bloco não iria viabilizar a proposta inicial do PSD para a redução do IVA da eletricidade porque a medida prevê “cortes cegos nos consumos intermédios”, ou seja, nos serviços públicos. “Nada de novo, nada na manga”, atirou Mortágua para encerrar aqui a conversa.

12h10

Duarte Pacheco, do PSD, levanta-se no plenário para garantir a quem o ouvia que o partido estava afinal disponível para substituir a proposta apresentada para a redução do IVA da eletricidade (redução do IVA na eletricidade de 23% para 6% com contrapartidas: cortes em gabinetes ministeriais e em consumos intermédios). Mantinham-se as contrapartidas, mas noutros moldes. A porta começava a abrir-se ao Bloco de Esquerda. A resposta surgia depois de uma pergunta pragmática de Cecília Meireles, do CDS-PP: afinal o que acontece à proposta dos sociais-democratas se as suas contrapartidas forem chumbadas? Duarte Pacheco respondia que a proposta do PSD “assenta na responsabilidade”, pelo que se as contrapartidas caírem, a proposta é retirada. Eis uma tirada que nem o PS nem o PCP desconsideraram, o que haveria de ficar claro horas depois.

12h22

A assessora parlamentar do PSD avisa os jornalistas de que Rui Rio faria uma declaração fora do hemiciclo, nos Passos Perdidos, sobre o IVA da eletricidade. Aí estava a disponibilidade do PSD para mudar a proposta inicial a ganhar corpo, cedendo ao Bloco de Esquerda.

Mariana Mortágua viu Rio pela TV

12h35

Rui Rio pede que seja colocado um púlpito junto ao microfone dos Passos Perdidos, trazia umas notas escritas e queria poisá-las, mas só olhou para elas quando precisou de debitar as contas do PSD para o impacto das suas medidas e as contrapartidas que calculara. Começa por fazer o histórico da posição do partido nesta matéria nas últimas semanas para explicar que chegou à conclusão que a sua proposta “dificilmente passava, porque o BE não aceita os consumos intermédios. E penso que o PCP também não”, sistematiza.

“Há que encontrar equilíbrio para consensualizar a proposta”. E qual foi o equilíbrio que Rio propôs? A redução da taxa de 23% para 6% apenas a partir de outubro, em vez de julho. E as compensações da medida, na ordem dos 94 milhões de euros, chegariam pelos cortes nos gastos dos gabinetes ministeriais (8,5 milhões) e no “ajustamento” do excedente — e isto porque Rio diz que o verdadeiro excedente não é de 0,2%, mas sim de 0,25%. Bastaria cortar nessas cinco centésimas e lá estaria mais uma compensação de 12 milhões. São as contas de Rui Rio.

“Com isto, o Orçamento está equilibrado e há consenso para todos”. Rui Rio frisava, porém, que não tinha garantias de nenhum partido de que a medida seria aprovada. A conferência de imprensa foi longa e, no hemiciclo, continuava o debate na especialidade.

12h50

Rio ainda dominava os diretos televisivos e lá dentro, no plenário, Mariana Mortágua já reagia à nova proposta do PSD, adiantando que, uma vez abandonada a contrapartida sobre os consumos intermédios, Rui Rio ia “ao encontro” do que defende o Bloco de Esquerda. A articulação foi tão rápida que no Governo desconfiou-se que os dois partidos tivessem conversado antes. O Bloco garante que isso nunca aconteceu e Mariana Mortágua só entrou no plenário em cima daquela intervenção, precisamente porque tinha estado no gabinete, com Catarina Martins, a seguir a conferência de imprensa de Rio pela TV. Entrou no plenário quando o social-democrata ainda não tinha acabado e já o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais falava da nova proposta do PSD.

Um erro de raccord na fita do Governo, que na verdade até foi o primeiro a falar da proposta no plenário, depois de informado do que Rui Rio estava a anunciar. António Mendonça Mendes fez logo a síntese do que disse tratar-se de “jogos partidários”. E Mariana Mortágua só falou depois, para dizer que o Bloco “teve conhecimento da proposta do PSD e das suas principais características e considera que vai ao encontro da posição” do partido. “Há um caminho para a sua viabilização”. Assim, de cruz. O PCP, sabe o Observador, soube antecipadamente que o PSD ia apresentar uma alteração à proposta inicial, mas não conhecia o seu conteúdo.

E o debate subiu de tom em atropelos até à dramatização total

13h32

João Leão, secretário de Estado do Orçamento, reage à proposta do PSD, acusando-a de ser “de uma irresponsabilidade tremenda”. Faltavam-lhe as palavras para criticar a proposta, mas adiantou logo que a medida custaria 200 milhões de euros por trimestre (e não 94 milhões como contabilizava Rui Rio) e 800 milhões por ano. “Preocupa-me que o PDS faça esta proposta e nem saiba o impacto”, notou.

13h40

Entra em campo a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, para subir, definitivamente, o tom da discussão. Os socialistas canalizavam tudo para a indignação com o PSD e Ana Catarina Mendes repetia a expressão da “tremenda irresponsabilidade”, acusando Rio de ter “lançado uma bomba com esta gravidade que compromete 800 milhões de euros no Orçamento para 2021”. E no PSD Duarte Pacheco atacava a “credibilidade” do PS em contas: “Depende dos dias”.

13h50

Foram dez minutos intensos e Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, pediu a palavra para dizer que “é falso que [a redução do IVA da luz] ponha em causa qualquer serviço público”. Isso “é uma chantagem que é artificial”, argumenta o deputado virando-se para a bancada do PS. O Governo interrompia o atropelo de intervenções para assegurar que se o PSD visse aprovada a sua proposta também ela teria de ir à autorização do comité do IVA.

A bomba fora da sala, o drama dentro e o Governo a “ganhar tempo”

14h05

Luís Testa, deputado do PS, é o responsável por se falar ali pela primeira vez em consequências políticas. “O que se passou no dia de hoje foi a proposta de desvirtuar o Orçamento proposto pelo Governo no sentido de impedir que o país possa ser governado conforme a vontade popular expressa na urna de votos, apresentando às claras uma proposta que visa impedir a governação do país”. A ingovernabilidade ali exposta em todo o seu esplendor e agarrada poucos minutos depois pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: “Os senhores têm de assumir as consequências das decisões que vão tomar, e têm de as assumir por inteiro, inclusivamente se criam ou não condições para governar o país. E estas coisas são ditas nestes termos e não há outros”.

14h30

O debate na especialidade termina e André Silva ainda fala aos jornalistas para revelar não ver condições para aprovar a proposta do PSD. Menos quatro votos a favor. Mas há muitas mais contas para fazer. Com os 79 deputados do PSD e os 19 do BE (todos juntos 98 deputados) alinhados numa frente contra o Governo, a chave da questão podia estar no PCP e nos seus dez deputados.

Corrupio nos corredores e telefones. E a demissão na equação

16h00

Começa o debate e logo com um pedido de adiamento. É que no topo da lista do guião de votações estavam as propostas do IVA e entre elas da famosa redução da taxa do IVA da luz, proposta pelo PSD, BE , PCP e Chega. O PS pede que o IVA seja apenas votado no final do dia de votações. Porquê? “Temos de ganhar tempo”, comentou um membro do Governo com o Observador.

No Governo, nesta altura não havia “qualquer informação que permitisse tirar conclusões” sobre como acabaria este capítulo, conforme apurou o Observador. No PCP não havia decisão, mas havia um entra e sai no gabinete, sobretudo dos principais negociadores com o Governo desde o tempo da “geringonça”: João Oliveira e Jorge Cordeiro. Pelos corredores andavam também os secretários de Estado do Orçamento e dos Assuntos Fiscais, respetivamente João Leão e António Mendonça Mendes.

16h30

Em cima da mesa do Executivo estava a carta da ingovernabilidade. A situação é “dramática”, dizia um membro do Governo ao Observador nesta altura, pelo “precedente aberto pelo PSD” ao aprovar uma proposta com um impacto orçamental tão significativo. A mesma fonte não desmentia que estivesse a decorrer contactos com o PCP. Eles aconteceram, mas terão sido feitos sobretudo por telefone, segundo apurou o Observador.

Durante o processo, António Costa estava em Bruxelas e a ser informado do que se passava em Lisboa, na Assembleia da República. Os jornalistas confrontam-no com a situação do IVA da luz e se o cenário de demissão estava em cima da mesa: “Não me vou pôr a fazer, neste momento, especulações, a não ser ter a esperança de que toda a gente tenha o bom senso para não pôr em causa o orçamento, para não adotar uma medida que é socialmente injusta e irresponsável e financeiramente insustentável”.

18h18

Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, atravessa o corredor dos gabinetes parlamentares e entra no do grupo do PS, onde está a líder parlamentar Ana Catarina Mendes.

18h30

Entretanto, nos corredores, o PSD distribuiu uma folha aos jornalistas com as suas contas sobre o impacto orçamental da proposta. Uma tentativa de spin para contrapor ao spin que vinha do Governo com a conta de 800 milhões de euros de impacto. Apoiado em números do Pordata, o partido estimou que o impacto será afinal de 376 milhões de euros de perda de receita fiscal, calculados a partir do consumo médio por cliente dos cerca de 5,6 milhões de consumidores domésticos de eletricidade.

18h45

Duarte Cordeiro sai do gabinete do PS e volta ao plenário, contacta o deputado socialista João Paulo Rebelo pelo telefone interno do plenário. Nessa mesma altura, a assessoria do PCP entra na bancada dos jornalistas e anuncia. João Oliveira, líder da bancada comunista, vai fazer uma conferência de imprensa às 19h30. Há uma interrupção dos trabalhos e João Paulo Correia aparece distendido junto à bancada dos jornalistas. Ninguém arrisca como vai acabar. Mas parece haver algum alívio.

19h07

Carlos César, o presidente do PS, avisava, em declarações ao Público, que se a solução fosse “aprovada, o Orçamento do Estado ficará desvirtuado e muito dificilmente exequível para manter o equilíbrio inicialmente proposto, pelo que será necessário ponderar seriamente o que fazer”. A mesma voz socialista que, em maio de 2019, tinha admitido a demissão do Governo caso fosse aprovado o descongelamento total da carreira dos professores — aliás, António Costa ameaçou publicamente com isso e a direita recuou.

O alívio dado pelo PCP e a votação em xadrez

19h30

João Oliveira faz uma conferência de imprensa para explicar que o PCP iria abster-se na votação das contrapartidas colocadas em cima da mesa pelo PSD. A proposta do PSD de redução do IVA da luz seria votada em três parte e o PCP não aprovaria as compensações: nem a entrada em vigor apenas em outubro, nem os cortes nos gabinetes ministeriais. Só aceitava a redução. Quem quer reduzir não coloca condições, era a argumentação dos comunistas. Nos corredores, a preocupação comunista era que esta decisão não colocasse o ónus da manutenção do IVA da eletricidade nos 23% no PCP, mas sim no PSD.

23h51

Começa a votação das propostas do IVA que tinha sido adiadas para o final da votação. Duarte Pacheco, do PSD pede a palavra para que a proposta do PSD fosse votada por partes, começando pelas compensações. Começa o xadrez. Em menos de nada estas contrapartidas são chumbadas. PSD, Bloco, IL, Chega votam a favor. CDS e PCP abstém-se, PAN e PS votam contra. Proposta dos cortes dos gabinetes foi recusada. E na votação da entrada em vigor em outubro, o PCP muda o voto e vota contra, ao lado do PS e PAN.

A proposta do PCP é chumbada e a do BE também. A autorização legislativa que o Governo inclui na sua proposta foi a única aprovada. A proposta passou com o voto a favor do PS, a abstenção de todos os outros partidos à exceção do Iniciativa Liberal, que votou contra. À falta de outra solução, fica inscrita, pelo menos por agora, uma abertura para que o Governo possa mexer na taxa do IVA da eletricidade assim que chegar uma resposta de Bruxelas ao pedido de Portugal para fazer variar a taxa em função do consumo.

Sair sem luz ao fundo do túnel

00h02

O PSD retira a primeira parte da sua proposta da votação. Sem compensações já não queria descer o IVA da luz no consumo doméstico. PCP pede a palavra para frisar que, no dia seguinte, quinta-feira, se a proposta do PSD era retirada já não podia ser chamada para ser votada em plenário. E aqui Duarte Pacheco ri-se e diz que sim, é verdade. Mas “há outras propostas para votar e chamar a plenário no dia seguinte. Avocar ou chamar a plenário não é mais do que submeter o que foi votado em comissão a uma votação no plenário, com todos os deputados e partidos presentes (o PEV e Joacine Katar Moreira, por exemplo, não estão representados na comissão). Serve para quê? Para afirmação política ou então para trocas de votações que podem mudar o que já se pensava arrumado no dia anterior.

00h10

João Oliveira diz que “tem pena” de não poder votar a proposta do PSD para a descida do IVA. Um tom irónico que tinha uma intenção: atirar o ónus para o lado de lá. Foi o PSD que desistiu. Mas Duarte Pacheco insistia que não era uma desistência, levaria as compensações do PSD a votos novamente, mas em plenário, e deixava cair o limite de ter uma descida da taxa apenas para o consumo doméstico. Já tinha cedido ao BE nos consumos intermédios, agora flexibilizava a posição para convencer o PCP. “Já votámos e iremos votar outras propostas, estamos fortemente empenhados na descida do IVA”, prometia.

00h36

Muitas contas no plenário, mas sai toda a gente sem certezas sobre o que pode acontecer no plenário logo pela manhã. Cá fora, alguns deputados ainda fazem cenários sobre o dia seguinte e chamam a atenção par alguns pormenores das votações. Como por exemplo a abstenção do PSD anos pontos que propunham a baixa do IVA da eletricidade das propostas do PCP e BE: no caso dos comunistas, para 6% e no caso do BE para 13% a partir de julho. Saíram todos como entraram; sem certezas de ver luz ao fundo do túnel.

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