O Governo hermafrodita
Patinha Antão
«Pina Moura, que está sem folga orçamental para realizar a reforma fiscal como deve ser, encenou um conflito com Bruxelas, para ganhar tempo e sobreviver. Consciente da confusão em que lançou toda a actividade. Tal como Arcanjo que, para esconder o pânico de ver as dívidas do SNS a crescer, se declarou em conflito contra tudo e todos. Guterres que os carregue até 2003, pois como lembrou Mota Amaral, no seu esplendoroso discurso parlamentar, a estabilidade governativa também é, desde 1987, uma conquista irreversível do 25 de Abril.»
E AO SEXTO ano de vida o guterrismo decidiu passar à auto-oposição.
A nova estratégia de comunicação é fazer o dois em um - anunciar que agora é que vai começar a governar; e ultrapassar a oposição na crítica a si próprio.
Mas fosse por erro de «casting» ou de guião, a mensagem, em vez de passar subliminarmente, surgiu com o rabinho de fora.
O suficiente para o EXPRESSO, na semana passada, expor, à luz do dia o seu narcisismo. Na ironia, lapidar, de José António Saraiva «o PS é, ao mesmo tempo, Governo, Oposição e oposição à Oposição».
Saiu-nos pois na rifa, em vez de um apaixonado governo Casanova, um narcísico governo hermafrodita. Importa, porém, olhá-lo mais de perto, para lhe surpreender as incongruências.
Desde logo salta à vista o carácter efémero da nova estratégia - não é possível, a um qualquer Governo, fazer oposição a si próprio, durante muito tempo.
Foi-se mau, mas ainda se pode ser bom, «se começarmos a governar alguma coisa» - eis a receita de Coelho, com Guterres já a fazer de lebre, para reinverter o desencanto.
Ambos sabem, porém, que isso já não é possível e, desde logo, porque o passado, muitas vezes, já pesa demasiado; e porque há ministros com roteiro para xeque-mate com seguros de vida que os tornam não remodeláveis.
Pode-se imaginar o que Guterres nunca fará, olhando para o que propõe Carrilho - uma remodelação profunda do Governo, com as saídas de Pina Moura e Manuela Arcanjo à cabeça.
É, talvez, nas Finanças, que o peso do passado mais pesa. Bem pode Pina queixar-se que o despesismo galopante da despesa corrente foi a herança envenenada que lhe deixou Sousa Franco. Ou lamuriar-se (como diria Jorge Sampaio) que só comanda 4% da despesa pública.
O pecado original é o mesmo - ambos aceitaram perder o comando sobre a política de salários e emprego na função pública (como salientou, em tempo, quem melhor do que ninguém conhece o tema, Cavaco Silva).
E assim, o guterrismo fê-los engolir, a ambos, os «boys» e os 100 mil funcionários admitidos a partir de 1996, a bem da conquista da maioria absoluta em 1999 que falhou.
É, por isso, quase obsceno que Pina afirme agora que «a administração pública gasta muito e faz pouco», e que prometa, para o futuro, o que devia ter sido feito nos últimos seis anos - uma política de admissões na função pública em ritmo bem inferior ao do número de activos que vão saindo para a reforma.
Mas Pina soube comprar um seguro de vida a Guterres, propondo-lhe executar uma pseudo reforma fiscal, em três fases, até ao final da legislatura.
Guterres, por certo, já percebeu o logro em que caiu, perante as calamitosas consequências das alterações feitas no IRS e IRC.
Mas já é tarde para deixar cair «o coveiro da Nova Maioria», como diz Carrilho, sobretudo agora que Pina avançou para a segunda fase, semeando a confusão e a incerteza quanto à substituição da sisa pelo IVA na venda dos prédios.
Qualquer fiscalista sabe - que esta substituição da Sisa pelo IVA se tem que fazer, em simultâneo, com a reforma da CA (Contribuição Autárquica) e a liberalização do regime das rendas antigas; e que, para que tudo seja feito com equidade, o Estado terá que perder consideráveis receitas, no chamado período de transição.
É óbvio que só se pode avançar, em equidade, para a eliminação do congelamento das rendas antigas, subsidiando inquilinos e senhorios pobres; e que só se pode minorar esta despesa fiscal, libertando o valor potencial que subjaz nesses prédios antigos (apresentei, há dois anos, uma proposta neste sentido) .
É também óbvio que só se pode eliminar a regressividade escandalosa que existe na CA, reajustando rápida e gradualmente o valor matricial dos prédios antigos e reduzindo a taxa da CA, para benefício das famílias que vêem agora terminar o período da respectiva isenção.
E é ainda óbvio que é indispensável esta substituição da Sisa pelo IVA, para esmagar a economia paralela que grassa no sector, dada a impossibilidade de dedução do IVA suportado nos terrenos e materiais de construção.
Mas, para que também aqui haja equidade, é necessário compensar a regressividade que lhe é intrínseca - nas simulações vindas a público, com a taxa do IVA em 12%, o comprador de uma casa de 30 m.c. pouparia cerca de 800 c e o comprador de uma casa de 20 m.c. pagaria mais 120 c; se a taxa fosse de 5%, ambos pagariam menos e a regressividade seria menor e, se a taxa fosse de 17%, sucederia o contrário.
Pina, que está encurralado, e sem folga orçamental para realizar esta reforma como deve ser, encenou um conflito com Bruxelas, para ganhar tempo e sobreviver. Consciente da confusão em que lançou toda a actividade. Tal como Arcanjo que, para esconder o pânico de ver as dívidas do SNS a crescer, se declarou em conflito contra tudo e todos. Guterres que os carregue até 2003, pois como lembrou Mota Amaral, no seu esplendoroso discurso parlamentar, a estabilidade governativa também é, desde 1987, uma conquista irreversível do 25 de Abril.
E-mail: mpantao@psd.parlamento.pt
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O Governo hermafrodita
Patinha Antão
«Pina Moura, que está sem folga orçamental para realizar a reforma fiscal como deve ser, encenou um conflito com Bruxelas, para ganhar tempo e sobreviver. Consciente da confusão em que lançou toda a actividade. Tal como Arcanjo que, para esconder o pânico de ver as dívidas do SNS a crescer, se declarou em conflito contra tudo e todos. Guterres que os carregue até 2003, pois como lembrou Mota Amaral, no seu esplendoroso discurso parlamentar, a estabilidade governativa também é, desde 1987, uma conquista irreversível do 25 de Abril.»
E AO SEXTO ano de vida o guterrismo decidiu passar à auto-oposição.
A nova estratégia de comunicação é fazer o dois em um - anunciar que agora é que vai começar a governar; e ultrapassar a oposição na crítica a si próprio.
Mas fosse por erro de «casting» ou de guião, a mensagem, em vez de passar subliminarmente, surgiu com o rabinho de fora.
O suficiente para o EXPRESSO, na semana passada, expor, à luz do dia o seu narcisismo. Na ironia, lapidar, de José António Saraiva «o PS é, ao mesmo tempo, Governo, Oposição e oposição à Oposição».
Saiu-nos pois na rifa, em vez de um apaixonado governo Casanova, um narcísico governo hermafrodita. Importa, porém, olhá-lo mais de perto, para lhe surpreender as incongruências.
Desde logo salta à vista o carácter efémero da nova estratégia - não é possível, a um qualquer Governo, fazer oposição a si próprio, durante muito tempo.
Foi-se mau, mas ainda se pode ser bom, «se começarmos a governar alguma coisa» - eis a receita de Coelho, com Guterres já a fazer de lebre, para reinverter o desencanto.
Ambos sabem, porém, que isso já não é possível e, desde logo, porque o passado, muitas vezes, já pesa demasiado; e porque há ministros com roteiro para xeque-mate com seguros de vida que os tornam não remodeláveis.
Pode-se imaginar o que Guterres nunca fará, olhando para o que propõe Carrilho - uma remodelação profunda do Governo, com as saídas de Pina Moura e Manuela Arcanjo à cabeça.
É, talvez, nas Finanças, que o peso do passado mais pesa. Bem pode Pina queixar-se que o despesismo galopante da despesa corrente foi a herança envenenada que lhe deixou Sousa Franco. Ou lamuriar-se (como diria Jorge Sampaio) que só comanda 4% da despesa pública.
O pecado original é o mesmo - ambos aceitaram perder o comando sobre a política de salários e emprego na função pública (como salientou, em tempo, quem melhor do que ninguém conhece o tema, Cavaco Silva).
E assim, o guterrismo fê-los engolir, a ambos, os «boys» e os 100 mil funcionários admitidos a partir de 1996, a bem da conquista da maioria absoluta em 1999 que falhou.
É, por isso, quase obsceno que Pina afirme agora que «a administração pública gasta muito e faz pouco», e que prometa, para o futuro, o que devia ter sido feito nos últimos seis anos - uma política de admissões na função pública em ritmo bem inferior ao do número de activos que vão saindo para a reforma.
Mas Pina soube comprar um seguro de vida a Guterres, propondo-lhe executar uma pseudo reforma fiscal, em três fases, até ao final da legislatura.
Guterres, por certo, já percebeu o logro em que caiu, perante as calamitosas consequências das alterações feitas no IRS e IRC.
Mas já é tarde para deixar cair «o coveiro da Nova Maioria», como diz Carrilho, sobretudo agora que Pina avançou para a segunda fase, semeando a confusão e a incerteza quanto à substituição da sisa pelo IVA na venda dos prédios.
Qualquer fiscalista sabe - que esta substituição da Sisa pelo IVA se tem que fazer, em simultâneo, com a reforma da CA (Contribuição Autárquica) e a liberalização do regime das rendas antigas; e que, para que tudo seja feito com equidade, o Estado terá que perder consideráveis receitas, no chamado período de transição.
É óbvio que só se pode avançar, em equidade, para a eliminação do congelamento das rendas antigas, subsidiando inquilinos e senhorios pobres; e que só se pode minorar esta despesa fiscal, libertando o valor potencial que subjaz nesses prédios antigos (apresentei, há dois anos, uma proposta neste sentido) .
É também óbvio que só se pode eliminar a regressividade escandalosa que existe na CA, reajustando rápida e gradualmente o valor matricial dos prédios antigos e reduzindo a taxa da CA, para benefício das famílias que vêem agora terminar o período da respectiva isenção.
E é ainda óbvio que é indispensável esta substituição da Sisa pelo IVA, para esmagar a economia paralela que grassa no sector, dada a impossibilidade de dedução do IVA suportado nos terrenos e materiais de construção.
Mas, para que também aqui haja equidade, é necessário compensar a regressividade que lhe é intrínseca - nas simulações vindas a público, com a taxa do IVA em 12%, o comprador de uma casa de 30 m.c. pouparia cerca de 800 c e o comprador de uma casa de 20 m.c. pagaria mais 120 c; se a taxa fosse de 5%, ambos pagariam menos e a regressividade seria menor e, se a taxa fosse de 17%, sucederia o contrário.
Pina, que está encurralado, e sem folga orçamental para realizar esta reforma como deve ser, encenou um conflito com Bruxelas, para ganhar tempo e sobreviver. Consciente da confusão em que lançou toda a actividade. Tal como Arcanjo que, para esconder o pânico de ver as dívidas do SNS a crescer, se declarou em conflito contra tudo e todos. Guterres que os carregue até 2003, pois como lembrou Mota Amaral, no seu esplendoroso discurso parlamentar, a estabilidade governativa também é, desde 1987, uma conquista irreversível do 25 de Abril.
E-mail: mpantao@psd.parlamento.pt