Caixa Central de Crédito detonou escândalo CBI

25-12-2002
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Com receio de ver o balanço respectivo afectado

Caixa Central de Crédito Detonou Escândalo CBI EM DESTAQUE

Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2002

O principal accionista do Central Banco de Investimento fez chegar ao Banco de Portugal, as suspeitas de ocultação de prejuízos. Alto responsável da instituição confirmou ao PÚBLICO que a venda de acções a entidades não residentes que está na mira da autoridade monetária não foi real, tratando-se antes de um parqueamento de títulos à espera que a bolsa subisse.

Cristina Ferreira e Anabela Campos

As suspeitas em torno das contas divulgadas pelo Central Banco de Investimentos em 2001 e 2002, apontando para a realização de transacções com sociedades "off-shore" visando a ocultação de prejuízos, chegaram ao Banco de Portugal no Verão deste ano, pela mão do seu principal accionista, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCCAM), o que levou a autoridade de supervisão a iniciar averiguações. Já antes, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) estava a acompanhar de perto a situação, tendo solicitado esclarecimentos ao revisor oficial de contas da instituição - Carlos Teixeira & Noé Gomes.

"No essencial tratou-se de vender títulos a uma entidade exterior com compromisso de recompra ao preço a que foi efectuada a venda. E esse compromisso tinha que ser caucionado. Teria que haver uma caução para suportar esse compromisso. Esta é a realidade." Foi desta forma que um alto responsável do CBI, conhecedor dos factos em investigação no Banco de Portugal, explicou ao PÚBLICO o modo como se realizaram as operações financeiras envolvendo aquele banco e sociedades "off-shore" e que permitiram a transferência (parqueamento) de posições financeiras no valor de 31 milhões de euros para essas empresas, permitindo esconder prejuízos nos últimos anos. A situação prolongou-se até ao segundo semestre de 2002, quando o CBI apresentou um resultado negativo de apenas 1,7 milhões de euros. Três meses depois, já sob a pressão do Banco de Portugal e da CMVM, o CBI anunciaria prejuízos de mais de 27,9 milhões de euros (as contas foram entregues às autoridades oficiais fora de prazo, em Novembro).

O mesmo responsável confirma que "o problema se prende com o parqueamento de acções fora do balanço do banco para evitar a revelação de perdas potenciais", pois "havia a expectativa de uma recuperação rápida" das bolsas, incluindo dos títulos parqueados, o que "normalizaria" a situação. Mas, alertou, como "os accionistas se desentenderam e como as coisas estão a correr mal, agora vem tudo ao de cima." "Se esta operação não se tivesse realizado os resultados de 2000 teriam sido negativos, ainda que ligeiramente, e os de 2001 fortemente negativos", adiantou.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente da CCCAM, João da Costa Pinto, disse que não podia falar sobre o assunto por estar envolvida uma instituição cotada. Por seu lado, o CBI não respondeu às questões colocadas por fax e por telefone. Depois da saída de Tavares Moreira da presidência da administração do CBI, para exercer funções de deputado do PSD, quem passou a dar a cara pelo banco foi José Lemos, do PS, que tal como Tavares Moreira foi designado pela administração da CCCAM anterior a Costa Pinto.

As afirmações do alto responsável do CBI põem em causa o último comunicado da instituição, enviado dia 19 deste mês à CMVM, onde se diz que a venda das acções a uma "off-shore" foi real, e ocorreu em Março de 2001, a valores de mercado e, por isso, com impacto nulo nas contas do banco. Para pagarem as acções, as entidades compradoras financiaram-se junto de uma instituição de crédito que exigiu uma garantia que foi prestada pelo CBI, garantia que só agora foi provisionada.

A versão de que se trataria de uma venda real não é corroborada pelo alto responsável do banco de investimento que falou ao PÚBLICO. "Se se tratasse apenas do parqueamento das acções cujo valor bruto fosse igual ao valor líquido, não haveria nenhum problema. O problema é a diferença entre os dois valores." Mas, acrescentou, o Banco de Portugal "não iria certamente mover um processo de contra-ordenação aos administradores do CBI se não tivesse encontrado motivo para isso". Alertou ainda para o facto de, "no passado", o Banco de Portugal já ter levantado "processos deste tipo e de no final os ter arquivado".

É este o contexto em que estão a ser desenvolvidas as averiguações do Banco de Portugal, que solicitou o apoio da Deloitte, empresa que absorveu os quadros da Arthur Andersen, sociedade que emitiu pareceres de auditoria sobre as contas do CBI à data dos factos em investigação. Segundo apurou o PÚBLICO, a CCCAM contactou o Banco de Portugal depois de Junho, quando João Costa Pinto já tinha assumido as funções de presidente da instituição. Nessa altura, a nova administração da CCCAM terá constatado que o CBI estava a fazer "operações arriscadas". Por ser o principal accionista da CBI, com 25,94 por cento do capital em 31 de Dezembro de 2001, a Caixa Central seria das mais prejudicadas. Ao contabilizar nos seus balanços a posição detida no CBI a valores errados, estava a prestar informações incorrectas ao Banco de Portugal. A CCCAM já se vira na contingência de ter de fazer provisões, que ajudaram a baixar o seu lucro em 73,3 por cento (para 75 milhões de euros) e fizeram os seus rácios de solvabilidade descer abaixo do mínimo exigido pelo Banco de Portugal.

A questão do encobrimento de prejuízos terá sido colocada pela primeira vez em meados de Abril na assembleia geral da federação das caixas agrícolas. Com efeito, de acordo com a edição do jornal "Semanário" de 19 de Abril, um dos temas da reunião foi o facto de o CBI poder ter escondido prejuízos de 40 milhões de euros nas suas "off-shores", fugindo dessa forma à fiscalização do Banco de Portugal. O jornal dirigido por Rui Teixeira Santos identificou as sociedades que permitiram o encobrimento das perdas como sendo a CBI SGPS, o CBI Finance e o CBI Equity, sediados na zona franca da Madeira, ilhas Caimão e ilhas Virgens, respectivamente.

Ainda de acordo com aquele jornal, a referida assembleia geral ocorreu depois de o Banco de Portugal ter exigido a clarificação da situação nos órgãos de gestão do banco devido a um conflito entre o conselho de gestão e o conselho de administração que teria estado na origem do afastamento de Tavares Moreira. Desconhece-se se a intervenção do Banco de Portugal teria apenas a ver com o conflito de gestão ou se chegou mais longe. Mas sabe-se que a CMVM já estava em campo. O interesse do "polícia das bolsas" pelo CBI resultou do facto de a instituição ser uma sociedade cotada, e por isso poder pôr em causa a transparência do mercado. Na óptica deste organismo de supervisão, ao prestar informações incorrectas ao mercado, o CBI induziu em erro os seus investidores de bolsa, que poderiam ter optado por alienar as acções caso soubessem da sua verdadeira situação financeira. "Trata-se de um grave problema de omissão de informação altamente sensível para a avaliação da empresa", frisou um analista.

Para corrigir esta situação, a CMVM obrigou na semana passada o CBI a esclarecer o mercado sobre os detalhes da operação de venda (parqueamento?) de títulos que obrigou à constituição de uma provisão de cerca de 20,5 milhões de euros no terceiro trimestre de 2002. Em resultado desta correcção às contas, os capitais próprios do banco sofreram uma forte redução, o que levou à convocação para a última sexta-feira de uma assembleia geral destinada a discutir um aumento de capital, de 67,5 milhões para 87,5 milhões de euros - vinte milhões de euros através da emissão de novas acções a cinco euros cada. Contudo, a reunião foi suspensa por noventa dias porque a CCCAM pretende ganhar tempo para poder articular com os restantes accionistas uma solução que permita recapitalizar e relançar a instituição financeira. A solução poderá passar pela realização de uma "operação harmónio" (redução do capital, com vista à absorção de prejuízos, seguida de um aumento) para reequilibrar os seus rácios de solvabilidade, muito degradados após o reconhecimento da desvalorização dos seus activos financeiros.

Com receio de ver o balanço respectivo afectado

Caixa Central de Crédito Detonou Escândalo CBI EM DESTAQUE

Segunda-feira, 23 de Dezembro de 2002

O principal accionista do Central Banco de Investimento fez chegar ao Banco de Portugal, as suspeitas de ocultação de prejuízos. Alto responsável da instituição confirmou ao PÚBLICO que a venda de acções a entidades não residentes que está na mira da autoridade monetária não foi real, tratando-se antes de um parqueamento de títulos à espera que a bolsa subisse.

Cristina Ferreira e Anabela Campos

As suspeitas em torno das contas divulgadas pelo Central Banco de Investimentos em 2001 e 2002, apontando para a realização de transacções com sociedades "off-shore" visando a ocultação de prejuízos, chegaram ao Banco de Portugal no Verão deste ano, pela mão do seu principal accionista, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCCAM), o que levou a autoridade de supervisão a iniciar averiguações. Já antes, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) estava a acompanhar de perto a situação, tendo solicitado esclarecimentos ao revisor oficial de contas da instituição - Carlos Teixeira & Noé Gomes.

"No essencial tratou-se de vender títulos a uma entidade exterior com compromisso de recompra ao preço a que foi efectuada a venda. E esse compromisso tinha que ser caucionado. Teria que haver uma caução para suportar esse compromisso. Esta é a realidade." Foi desta forma que um alto responsável do CBI, conhecedor dos factos em investigação no Banco de Portugal, explicou ao PÚBLICO o modo como se realizaram as operações financeiras envolvendo aquele banco e sociedades "off-shore" e que permitiram a transferência (parqueamento) de posições financeiras no valor de 31 milhões de euros para essas empresas, permitindo esconder prejuízos nos últimos anos. A situação prolongou-se até ao segundo semestre de 2002, quando o CBI apresentou um resultado negativo de apenas 1,7 milhões de euros. Três meses depois, já sob a pressão do Banco de Portugal e da CMVM, o CBI anunciaria prejuízos de mais de 27,9 milhões de euros (as contas foram entregues às autoridades oficiais fora de prazo, em Novembro).

O mesmo responsável confirma que "o problema se prende com o parqueamento de acções fora do balanço do banco para evitar a revelação de perdas potenciais", pois "havia a expectativa de uma recuperação rápida" das bolsas, incluindo dos títulos parqueados, o que "normalizaria" a situação. Mas, alertou, como "os accionistas se desentenderam e como as coisas estão a correr mal, agora vem tudo ao de cima." "Se esta operação não se tivesse realizado os resultados de 2000 teriam sido negativos, ainda que ligeiramente, e os de 2001 fortemente negativos", adiantou.

Contactado pelo PÚBLICO, o presidente da CCCAM, João da Costa Pinto, disse que não podia falar sobre o assunto por estar envolvida uma instituição cotada. Por seu lado, o CBI não respondeu às questões colocadas por fax e por telefone. Depois da saída de Tavares Moreira da presidência da administração do CBI, para exercer funções de deputado do PSD, quem passou a dar a cara pelo banco foi José Lemos, do PS, que tal como Tavares Moreira foi designado pela administração da CCCAM anterior a Costa Pinto.

As afirmações do alto responsável do CBI põem em causa o último comunicado da instituição, enviado dia 19 deste mês à CMVM, onde se diz que a venda das acções a uma "off-shore" foi real, e ocorreu em Março de 2001, a valores de mercado e, por isso, com impacto nulo nas contas do banco. Para pagarem as acções, as entidades compradoras financiaram-se junto de uma instituição de crédito que exigiu uma garantia que foi prestada pelo CBI, garantia que só agora foi provisionada.

A versão de que se trataria de uma venda real não é corroborada pelo alto responsável do banco de investimento que falou ao PÚBLICO. "Se se tratasse apenas do parqueamento das acções cujo valor bruto fosse igual ao valor líquido, não haveria nenhum problema. O problema é a diferença entre os dois valores." Mas, acrescentou, o Banco de Portugal "não iria certamente mover um processo de contra-ordenação aos administradores do CBI se não tivesse encontrado motivo para isso". Alertou ainda para o facto de, "no passado", o Banco de Portugal já ter levantado "processos deste tipo e de no final os ter arquivado".

É este o contexto em que estão a ser desenvolvidas as averiguações do Banco de Portugal, que solicitou o apoio da Deloitte, empresa que absorveu os quadros da Arthur Andersen, sociedade que emitiu pareceres de auditoria sobre as contas do CBI à data dos factos em investigação. Segundo apurou o PÚBLICO, a CCCAM contactou o Banco de Portugal depois de Junho, quando João Costa Pinto já tinha assumido as funções de presidente da instituição. Nessa altura, a nova administração da CCCAM terá constatado que o CBI estava a fazer "operações arriscadas". Por ser o principal accionista da CBI, com 25,94 por cento do capital em 31 de Dezembro de 2001, a Caixa Central seria das mais prejudicadas. Ao contabilizar nos seus balanços a posição detida no CBI a valores errados, estava a prestar informações incorrectas ao Banco de Portugal. A CCCAM já se vira na contingência de ter de fazer provisões, que ajudaram a baixar o seu lucro em 73,3 por cento (para 75 milhões de euros) e fizeram os seus rácios de solvabilidade descer abaixo do mínimo exigido pelo Banco de Portugal.

A questão do encobrimento de prejuízos terá sido colocada pela primeira vez em meados de Abril na assembleia geral da federação das caixas agrícolas. Com efeito, de acordo com a edição do jornal "Semanário" de 19 de Abril, um dos temas da reunião foi o facto de o CBI poder ter escondido prejuízos de 40 milhões de euros nas suas "off-shores", fugindo dessa forma à fiscalização do Banco de Portugal. O jornal dirigido por Rui Teixeira Santos identificou as sociedades que permitiram o encobrimento das perdas como sendo a CBI SGPS, o CBI Finance e o CBI Equity, sediados na zona franca da Madeira, ilhas Caimão e ilhas Virgens, respectivamente.

Ainda de acordo com aquele jornal, a referida assembleia geral ocorreu depois de o Banco de Portugal ter exigido a clarificação da situação nos órgãos de gestão do banco devido a um conflito entre o conselho de gestão e o conselho de administração que teria estado na origem do afastamento de Tavares Moreira. Desconhece-se se a intervenção do Banco de Portugal teria apenas a ver com o conflito de gestão ou se chegou mais longe. Mas sabe-se que a CMVM já estava em campo. O interesse do "polícia das bolsas" pelo CBI resultou do facto de a instituição ser uma sociedade cotada, e por isso poder pôr em causa a transparência do mercado. Na óptica deste organismo de supervisão, ao prestar informações incorrectas ao mercado, o CBI induziu em erro os seus investidores de bolsa, que poderiam ter optado por alienar as acções caso soubessem da sua verdadeira situação financeira. "Trata-se de um grave problema de omissão de informação altamente sensível para a avaliação da empresa", frisou um analista.

Para corrigir esta situação, a CMVM obrigou na semana passada o CBI a esclarecer o mercado sobre os detalhes da operação de venda (parqueamento?) de títulos que obrigou à constituição de uma provisão de cerca de 20,5 milhões de euros no terceiro trimestre de 2002. Em resultado desta correcção às contas, os capitais próprios do banco sofreram uma forte redução, o que levou à convocação para a última sexta-feira de uma assembleia geral destinada a discutir um aumento de capital, de 67,5 milhões para 87,5 milhões de euros - vinte milhões de euros através da emissão de novas acções a cinco euros cada. Contudo, a reunião foi suspensa por noventa dias porque a CCCAM pretende ganhar tempo para poder articular com os restantes accionistas uma solução que permita recapitalizar e relançar a instituição financeira. A solução poderá passar pela realização de uma "operação harmónio" (redução do capital, com vista à absorção de prejuízos, seguida de um aumento) para reequilibrar os seus rácios de solvabilidade, muito degradados após o reconhecimento da desvalorização dos seus activos financeiros.

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