Uma Guerra e Um País Incómodos
Por TERESA DE SOUSA
Sexta-feira, 28 de Maio de 2004
O Iraque, a Turquia e, naturalmente, a Constituição europeia são alguns dos temas que podem mobilizar a atenção do eleitorado em muitos dos vinte cinco Estados-membros da União Europeia.
A sondagem do Eurobarómetro encomendada pelo Parlamento europeu indica que as três principais preocupações dos cidadãos da União são o desemprego, o terrorismo e a segurança. Mas a verdade é que foi a guerra no Iraque que mobilizou e radicalizou as opiniões públicas de muitos países europeus. E é a guerra no Iraque que pode vir a revelar-se um assunto particularmente incómodo para os países que, contrariando muitas vezes as opiniões maioritárias, apoiaram os Estados Unidos e têm hoje tropas no terreno.
Na Espanha, esse é um problema para os "populares" de José-Maria Aznar (ver texto ao lado). Em Itália, um terrível incómodo para Silvio Berlusconi e a aliança de centro-direita no governo. Em Portugal, será um tema incontornável da campanha. Para o primeiro-ministro britânico Tony Blair, uma questão que pode ditar-lhe uma pesada derrota nas eleições europeias, apesar dos conservadores, furiosamente anti-europeus, terem apoiado a guerra com a mesma veemência do líder do "Labour".
Curiosamente, a questão da Turquia também está a transformar-se num tema central em alguns países europeus. Na França isso é visível, obrigando o Presidente Jacques Chirac a distanciar-se o mais possível de uma decisão que a União terá de tomar a muito curto prazo: fixar uma data para o início das negociações com a Turquia, que já é um candidato reconhecido oficialmente. E a tentar evitar que o problema turco se transforme numa questão central. Chirac não se desviou da posição oficial da UE: para ser membro, a Turquia tem de cumprir apenas os critérios políticos e económicos. Mas o seu partido, a UMP, disse o contrário, colocando a questão da identidade política europeia, tal como os franceses a entendem, para levantar reservas a uma futura adesão de Ancara. O medo da direita francesa deriva directamente do peso grande da extrema-direita de Jean-Marie Le Pen, ferozmente contra a adesão, e, tal como na questão do véu, a tentação das cedências é muitas vezes irresistível.
Na Alemanha, com uma enorme comunidade curda e também turca, a Turquia separa as posições do SPD do chanceler Schroeder e do seu chefe da diplomacia Joschka Fischer - que assumem claramente a defesa da importância estratégica de vir a incluir a Turquia na UE -, e da democracia-cristã de Angela Merkel, mais dividida sobre a questão e prisioneira da sua defesa de uma "Europa crista". Os dois blocos estão a tentar, no entanto, não fazer da Turquia um tema central da campanha. Até porque o tema corre sempre o risco de um perigoso aproveitamento populista. Noutros países, como a Áustria, com uma forte extrema-direita xenófoba, a questão tem também baste relevância no debate europeu.
Quanto à Constituição, muitos países quiseram que a finalização das negociações apenas ocorresse depois das eleições europeias (está prevista para a cimeira europeia de 17 e 18 de Junho) para evitar controvérsias potencialmente incómodas para os governos. A questão será, contudo, incontornável, sobretudo em países como o Reino Unido ou a Dinamarca, onde o eurocepticismo é mais forte.
Mas, de um modo geral, os temas nacionais acabarão por dominar as campanhas na maioria dos Estados-membros.
"De cada vez que há eleições europeias, toda a gente tenta encontrar um tema que seja comum, mas isso nunca acontece", disse Simon Hix, professor da London School of Economics e co-autor de um estudo sobre as eleições europeias, ao "Financial Times" de Londres. "Quem é que irá de facto votar por causa da Constituição ou da Turquia?".
Mas o aspecto talvez mais preocupante, também sublinhado por Hix, é que a percentagem de votantes nas eleições europeias não para de cair desde as primeiras, em 1979. A única coisa que se pode dizer é que, de um modo geral, a abstenção também tende a subir quando se trata de eleições nacionais.
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Uma Guerra e Um País Incómodos
Por TERESA DE SOUSA
Sexta-feira, 28 de Maio de 2004
O Iraque, a Turquia e, naturalmente, a Constituição europeia são alguns dos temas que podem mobilizar a atenção do eleitorado em muitos dos vinte cinco Estados-membros da União Europeia.
A sondagem do Eurobarómetro encomendada pelo Parlamento europeu indica que as três principais preocupações dos cidadãos da União são o desemprego, o terrorismo e a segurança. Mas a verdade é que foi a guerra no Iraque que mobilizou e radicalizou as opiniões públicas de muitos países europeus. E é a guerra no Iraque que pode vir a revelar-se um assunto particularmente incómodo para os países que, contrariando muitas vezes as opiniões maioritárias, apoiaram os Estados Unidos e têm hoje tropas no terreno.
Na Espanha, esse é um problema para os "populares" de José-Maria Aznar (ver texto ao lado). Em Itália, um terrível incómodo para Silvio Berlusconi e a aliança de centro-direita no governo. Em Portugal, será um tema incontornável da campanha. Para o primeiro-ministro britânico Tony Blair, uma questão que pode ditar-lhe uma pesada derrota nas eleições europeias, apesar dos conservadores, furiosamente anti-europeus, terem apoiado a guerra com a mesma veemência do líder do "Labour".
Curiosamente, a questão da Turquia também está a transformar-se num tema central em alguns países europeus. Na França isso é visível, obrigando o Presidente Jacques Chirac a distanciar-se o mais possível de uma decisão que a União terá de tomar a muito curto prazo: fixar uma data para o início das negociações com a Turquia, que já é um candidato reconhecido oficialmente. E a tentar evitar que o problema turco se transforme numa questão central. Chirac não se desviou da posição oficial da UE: para ser membro, a Turquia tem de cumprir apenas os critérios políticos e económicos. Mas o seu partido, a UMP, disse o contrário, colocando a questão da identidade política europeia, tal como os franceses a entendem, para levantar reservas a uma futura adesão de Ancara. O medo da direita francesa deriva directamente do peso grande da extrema-direita de Jean-Marie Le Pen, ferozmente contra a adesão, e, tal como na questão do véu, a tentação das cedências é muitas vezes irresistível.
Na Alemanha, com uma enorme comunidade curda e também turca, a Turquia separa as posições do SPD do chanceler Schroeder e do seu chefe da diplomacia Joschka Fischer - que assumem claramente a defesa da importância estratégica de vir a incluir a Turquia na UE -, e da democracia-cristã de Angela Merkel, mais dividida sobre a questão e prisioneira da sua defesa de uma "Europa crista". Os dois blocos estão a tentar, no entanto, não fazer da Turquia um tema central da campanha. Até porque o tema corre sempre o risco de um perigoso aproveitamento populista. Noutros países, como a Áustria, com uma forte extrema-direita xenófoba, a questão tem também baste relevância no debate europeu.
Quanto à Constituição, muitos países quiseram que a finalização das negociações apenas ocorresse depois das eleições europeias (está prevista para a cimeira europeia de 17 e 18 de Junho) para evitar controvérsias potencialmente incómodas para os governos. A questão será, contudo, incontornável, sobretudo em países como o Reino Unido ou a Dinamarca, onde o eurocepticismo é mais forte.
Mas, de um modo geral, os temas nacionais acabarão por dominar as campanhas na maioria dos Estados-membros.
"De cada vez que há eleições europeias, toda a gente tenta encontrar um tema que seja comum, mas isso nunca acontece", disse Simon Hix, professor da London School of Economics e co-autor de um estudo sobre as eleições europeias, ao "Financial Times" de Londres. "Quem é que irá de facto votar por causa da Constituição ou da Turquia?".
Mas o aspecto talvez mais preocupante, também sublinhado por Hix, é que a percentagem de votantes nas eleições europeias não para de cair desde as primeiras, em 1979. A única coisa que se pode dizer é que, de um modo geral, a abstenção também tende a subir quando se trata de eleições nacionais.