Crónica: O homem que não gostava de livros de instruções

26-08-2003
marcar artigo

Crónica: O Homem Que Não Gostava de Livros de Instruções

Por LUCIANO ALVAREZ

Quarta-feira, 20 de Agosto de 2003

A 8 de Agosto de 2000, o homem que mesmo nas situações mais difíceis conseguia transmitir tranquilidade e determinação estava quase fora de si. Ao aeroporto de Díli chegavam os corpos de três funcionários da Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mortos em Timor Ocidental por membros das milícias pró-Indonésia. Sérgio Vieira de Mello não escondia a sua revolta. Os seus olhos molhados não se desviavam das urnas que saíam do avião. Os seus punhos cerrados e o corpo tenso revelavam uma indignação que nunca se lhe tinha visto nos meses que já levava de Timor.

Pouco depois, elevando a voz, afirmava que era preciso encontrar os assassinos. Dizia-o de forma revoltada, porque havia uma coisa que Vieira de Mello garantia não compreender: como é que alguém que dedica a sua vida a ajudar os que são vítimas podia ser visto como um alvo a abater.

A sua morte revolta agora todos os que o conheciam, porque Sérgio Vieira de Mello mostrou, em todas as missões em que participou e especialmente em Timor, que as pessoas, as vítimas, estavam em primeiro lugar no seu pensamento. Sempre.

É fácil recordar o homem de uma simpatia extrema, determinado e inteligente que conseguia transmitir como poucos os seus ideais. É fácil recordar o político brilhante que quando subia a um palco para discursar parecia fitar os olhos de cada uma das pessoas que o ouviam. Que aliava a cada palavra um gesto que acentuava uma elegância que lhe era natural. Que conseguia calar e despertar uma multidão como poucos. Que transmitia emoção e determinação quando falava sobre o que acreditava.

É fácil recordar com simpatia Sérgio Vieira de Mello, mesmo quando a sua teimosia deixava os nervos em farrapos aos seus interlocutores. É fácil recordar com simpatia e admiração Sérgio Vieira de Mello porque aquele carioca bem humorado, que sorria como um miúdo sempre que alcançava um objectivo, amava a vida com todas as suas forças e via o seu trabalho como uma ferramenta para conseguir um mundo mais justo, mais livre e com menos desigualdades.

Sérgio Vieira de Mello dizia frequentemente que a sua missão em Timor não tinha livro de instruções. Dizia-o com o orgulho de quem tinha vencido sem a necessidade de um guia regras para se orientar. Era assim que Sérgio Vieira de Mello gostava de viver. Morreu lutando para fazer este mundo melhor, mesmo sabendo, como ele próprio afirmou, que estava mais uma vez a trabalhar num terreno minado.

Crónica: O Homem Que Não Gostava de Livros de Instruções

Por LUCIANO ALVAREZ

Quarta-feira, 20 de Agosto de 2003

A 8 de Agosto de 2000, o homem que mesmo nas situações mais difíceis conseguia transmitir tranquilidade e determinação estava quase fora de si. Ao aeroporto de Díli chegavam os corpos de três funcionários da Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mortos em Timor Ocidental por membros das milícias pró-Indonésia. Sérgio Vieira de Mello não escondia a sua revolta. Os seus olhos molhados não se desviavam das urnas que saíam do avião. Os seus punhos cerrados e o corpo tenso revelavam uma indignação que nunca se lhe tinha visto nos meses que já levava de Timor.

Pouco depois, elevando a voz, afirmava que era preciso encontrar os assassinos. Dizia-o de forma revoltada, porque havia uma coisa que Vieira de Mello garantia não compreender: como é que alguém que dedica a sua vida a ajudar os que são vítimas podia ser visto como um alvo a abater.

A sua morte revolta agora todos os que o conheciam, porque Sérgio Vieira de Mello mostrou, em todas as missões em que participou e especialmente em Timor, que as pessoas, as vítimas, estavam em primeiro lugar no seu pensamento. Sempre.

É fácil recordar o homem de uma simpatia extrema, determinado e inteligente que conseguia transmitir como poucos os seus ideais. É fácil recordar o político brilhante que quando subia a um palco para discursar parecia fitar os olhos de cada uma das pessoas que o ouviam. Que aliava a cada palavra um gesto que acentuava uma elegância que lhe era natural. Que conseguia calar e despertar uma multidão como poucos. Que transmitia emoção e determinação quando falava sobre o que acreditava.

É fácil recordar com simpatia Sérgio Vieira de Mello, mesmo quando a sua teimosia deixava os nervos em farrapos aos seus interlocutores. É fácil recordar com simpatia e admiração Sérgio Vieira de Mello porque aquele carioca bem humorado, que sorria como um miúdo sempre que alcançava um objectivo, amava a vida com todas as suas forças e via o seu trabalho como uma ferramenta para conseguir um mundo mais justo, mais livre e com menos desigualdades.

Sérgio Vieira de Mello dizia frequentemente que a sua missão em Timor não tinha livro de instruções. Dizia-o com o orgulho de quem tinha vencido sem a necessidade de um guia regras para se orientar. Era assim que Sérgio Vieira de Mello gostava de viver. Morreu lutando para fazer este mundo melhor, mesmo sabendo, como ele próprio afirmou, que estava mais uma vez a trabalhar num terreno minado.

marcar artigo