Suplemento Mil Folhas

21-06-2003
marcar artigo

Dicionário

Sábado, 21 de Junho de 2003

%Cristina Fernandes

PAIVA, Heliodoro de

(Lisboa, 1502-Coimbra, 1552)

Compositor e organista, D. Heliodoro de Paiva foi um dos cónegos regrantes de São Agostinho do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, um dos mais brilhantes centros musicais portugueses durante os séculos XVI e XVII - o livro de Ernesto Pinho "Santa Cruz de Coimbra, Centro de Actividade Musical nos Séculos XVI e XVII" (Gulbenkian, 1981) dá-nos conta de forma extremamente detalhada da rica vida musical desta comunidade.

Testemunhos da época atestam que D. Heliodoro de Paiva era detentor de uma educação cultural esmerada, não só no plano musical. Cantor, organista e mestre de contraponto, era também um excelente copista e pintor de iluminuras e possuía sólidos conhecimentos de teologia, filosofia, hebraico, grego e latim. D. Nicolao, um outro cónego de Santa Cruz, deixou um relato bastante detalhado das suas qualidades: "Foi também grande escrivão de todas as letras, iluminava e pintava excellentemente. Era cantor, e musico mui destro, e contrapontista; compoz muitas missas, e magnificas de canto de órgão, e motetes mui suaves; tangia órgão, craviórgão cõ notavel graça; tangia viola de arco, e tocava harpa, e cantava a ella com tanta suavidade, que enlevava os ouvintes. E cõ ter tantas partes juntas era mui humilde, e nunca usou delas com soberba, ou vangloria mas com muita modéstia e mansidão." No assento de óbito de Heliodoro de Paiva, os elogios continuam, desta vez, feitos por D. Gabriel de Santa Maria: "Muito bom theologo, muito bom ebraico, grego, latino, philosopho musico, muito perfeito universal em toda a musica, em compor muitas, e boas obras..."

Infelizmente, estas virtudes apenas se podem verificar num reduzido número de obras, uma vez que a maior parte da produção musical de Heliodoro de Paiva se perdeu. Restam-nos algumas composições vocais e três excelentes exemplos de Tento renascentista para instrumento de tecla, que se encontram entre as primeiras peças instrumentais portuguesas. Segundo Rui Vieira Nery ("Sínteses da Cultura Portuguesa - História da Música", 1991), são obras "fortemente influenciadas pelo ''ricercare'' italiano, mas ainda muito próximas (pela sua textura contrapontística e imitativa austera, desprovida de qualquer carga virtuosística puramente instrumental), dos modelos polifónicos vocais". Compositores como Alonso de Mudarra e Palestrina usaram temas de Heliodoro de Paiva nas suas próprias composições. O primeiro construiu um lamento para a morte da princesa Maria de Portugal a partir do motivo melódico de abertura do "Tento do 4º Tom"; o segundo usou-o no madrigal espiritual "Io son ferito", sendo posteriormente retomado por organistas como Sanmuel Scheidt nas suas Fantasias e "Ricercari".

Dicionário

Sábado, 21 de Junho de 2003

%Cristina Fernandes

PAIVA, Heliodoro de

(Lisboa, 1502-Coimbra, 1552)

Compositor e organista, D. Heliodoro de Paiva foi um dos cónegos regrantes de São Agostinho do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, um dos mais brilhantes centros musicais portugueses durante os séculos XVI e XVII - o livro de Ernesto Pinho "Santa Cruz de Coimbra, Centro de Actividade Musical nos Séculos XVI e XVII" (Gulbenkian, 1981) dá-nos conta de forma extremamente detalhada da rica vida musical desta comunidade.

Testemunhos da época atestam que D. Heliodoro de Paiva era detentor de uma educação cultural esmerada, não só no plano musical. Cantor, organista e mestre de contraponto, era também um excelente copista e pintor de iluminuras e possuía sólidos conhecimentos de teologia, filosofia, hebraico, grego e latim. D. Nicolao, um outro cónego de Santa Cruz, deixou um relato bastante detalhado das suas qualidades: "Foi também grande escrivão de todas as letras, iluminava e pintava excellentemente. Era cantor, e musico mui destro, e contrapontista; compoz muitas missas, e magnificas de canto de órgão, e motetes mui suaves; tangia órgão, craviórgão cõ notavel graça; tangia viola de arco, e tocava harpa, e cantava a ella com tanta suavidade, que enlevava os ouvintes. E cõ ter tantas partes juntas era mui humilde, e nunca usou delas com soberba, ou vangloria mas com muita modéstia e mansidão." No assento de óbito de Heliodoro de Paiva, os elogios continuam, desta vez, feitos por D. Gabriel de Santa Maria: "Muito bom theologo, muito bom ebraico, grego, latino, philosopho musico, muito perfeito universal em toda a musica, em compor muitas, e boas obras..."

Infelizmente, estas virtudes apenas se podem verificar num reduzido número de obras, uma vez que a maior parte da produção musical de Heliodoro de Paiva se perdeu. Restam-nos algumas composições vocais e três excelentes exemplos de Tento renascentista para instrumento de tecla, que se encontram entre as primeiras peças instrumentais portuguesas. Segundo Rui Vieira Nery ("Sínteses da Cultura Portuguesa - História da Música", 1991), são obras "fortemente influenciadas pelo ''ricercare'' italiano, mas ainda muito próximas (pela sua textura contrapontística e imitativa austera, desprovida de qualquer carga virtuosística puramente instrumental), dos modelos polifónicos vocais". Compositores como Alonso de Mudarra e Palestrina usaram temas de Heliodoro de Paiva nas suas próprias composições. O primeiro construiu um lamento para a morte da princesa Maria de Portugal a partir do motivo melódico de abertura do "Tento do 4º Tom"; o segundo usou-o no madrigal espiritual "Io son ferito", sendo posteriormente retomado por organistas como Sanmuel Scheidt nas suas Fantasias e "Ricercari".

marcar artigo