Música para a Isabel I, Rainha de Castela

15-12-2004
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Música para a Isabel I, Rainha de Castela

Sábado, 11 de Dezembro de 2004

%Cristina Fernandes

Distinguido como Artista do Ano pela revista "Diapason" na sequência de um conjunto de edições discográficas editadas em 2004 pela Alia Vox (o segundo Livro de Peças para Viola da Gamba, de Marin Marais; "Hommage au Mystère d'Elche" e "Musical Humors", de Tobias Hume), Jordi Savall acaba de lançar mais um excelente CD, desta vez com um percurso musical temático inspirado na vida e na época de Isabel I de Castela (1451-1504). O mesmo programa poderá ser apreciado ao vivo na próxima terça-feira, às 19h, no Grande Auditório Gulbenkian, em mais uma das recorrentes visitas a Lisboa do gambista e maestro catalão (ver lista de concertos).

A escuta deste novo trabalho, de uma qualidade e maturidade indiscutível, suscita no entanto algumas sensações contraditórias. Por um lado, a sedução sonora, a riqueza do repertório, a perfeição técnica (do ponto de vista da execução e da captação de som), a magia das vozes (notável coesão e aveludado tímbrico da Capella Reyal de Catalunya) e a habitual profusão de cores instrumentais do Hespérion XXI são veículos de imenso prazer auditivo. Por outro, os admiradores de Savall (e não só os mais incondicionais...) terão uma sensação quase permanente de (re)visitação de territórios conhecidos. Efectivamente, a maior parte das peças foram já objecto de gravações anteriores em várias épocas da carreira de Savall e, de um modo geral, não se encontram diferenças de concepção interpretativa muito substanciais (a não ser ao nível do pormenor).

A diferença reside sobretudo no inteligente encadeamento de peças de géneros e estéticas diversas, que permite não só acompanhar de forma cronológica o percurso da vida da soberana e dos principais acontecimentos históricos do seu tempo, mas operar também uma espécie de corte transversal numa época e observar a coexistência de uma multiplicidade de expressões e culturas musicais no espaço ibérico renascentista. Digamos que as mesmas peças (se quisermos os mesmos ladrilhos) servem aqui para construir um mosaico diverso apoiado num fio condutor que serve de pretexto a uma viagem, onde se inserem algumas obras musicais com uma relação directa com factos históricos (por exemplo a guerra civil entre Castela e Aragão ou a tomada de Granada) e outras que hipoteticamente lhe poderiam ter servido como pano de fundo. Conforme Rui Vieira Nery refere nas notas explicativas, este alinhamento poderia perfeitamente utilizar-se como banda sonora de um filme histórico dedicado à fascinante personalidade da rainha católica.

Como tinha acontecido nos discos anteriores dedicados a outros grandes soberanos do Renascimento espanhol (Alfons V e Carlos V) procede-se mesmo à elaboração de um guião ordenado por datas com os principais acontecimentos que motivam a escolha dos exemplos musicais. Estes procedem de fontes ibéricas dos finais do século XV e inícios do século XVI, contemplando a polifonia sacra (incluindo o belíssimo Gradual do "Requiem" de Pedro de Escobar); o repertório profano a (vilancicos e romances dos Cancioneiros de Palacio, da Colombina e de Montecassino, algumas das mais famosas páginas de Juan del Encina como "Levanta Pascual" ou o tocante romance "Triste España sin ventura"); música instrumental de trechos de origem judaica, muçulmana ou da tradição do "Al-Andalus". A presença e influência da música franco-flamenga na Capela dos Reis Católicos também não foi esquecida, reflectindo-se por exemplo na versão para harpa de "Je ne vis oncques", de Dufay, interpretada por Andrew Lawrence-King. Espera-se que a interpretação em concerto deste programa no próximo dia 14 seja tão ou mais gratificante que a sua audição em disco.

Isabel I, Reina de Castilla

Luces y Sombras en el tiempo della primera gran Reina del Renascimiento

(1451-1504)

La Capella Reial de Catalunya

Hespérion XXI

Jordi Savall (direcção)

Alia Vox AV 9838

Música para a Isabel I, Rainha de Castela

Sábado, 11 de Dezembro de 2004

%Cristina Fernandes

Distinguido como Artista do Ano pela revista "Diapason" na sequência de um conjunto de edições discográficas editadas em 2004 pela Alia Vox (o segundo Livro de Peças para Viola da Gamba, de Marin Marais; "Hommage au Mystère d'Elche" e "Musical Humors", de Tobias Hume), Jordi Savall acaba de lançar mais um excelente CD, desta vez com um percurso musical temático inspirado na vida e na época de Isabel I de Castela (1451-1504). O mesmo programa poderá ser apreciado ao vivo na próxima terça-feira, às 19h, no Grande Auditório Gulbenkian, em mais uma das recorrentes visitas a Lisboa do gambista e maestro catalão (ver lista de concertos).

A escuta deste novo trabalho, de uma qualidade e maturidade indiscutível, suscita no entanto algumas sensações contraditórias. Por um lado, a sedução sonora, a riqueza do repertório, a perfeição técnica (do ponto de vista da execução e da captação de som), a magia das vozes (notável coesão e aveludado tímbrico da Capella Reyal de Catalunya) e a habitual profusão de cores instrumentais do Hespérion XXI são veículos de imenso prazer auditivo. Por outro, os admiradores de Savall (e não só os mais incondicionais...) terão uma sensação quase permanente de (re)visitação de territórios conhecidos. Efectivamente, a maior parte das peças foram já objecto de gravações anteriores em várias épocas da carreira de Savall e, de um modo geral, não se encontram diferenças de concepção interpretativa muito substanciais (a não ser ao nível do pormenor).

A diferença reside sobretudo no inteligente encadeamento de peças de géneros e estéticas diversas, que permite não só acompanhar de forma cronológica o percurso da vida da soberana e dos principais acontecimentos históricos do seu tempo, mas operar também uma espécie de corte transversal numa época e observar a coexistência de uma multiplicidade de expressões e culturas musicais no espaço ibérico renascentista. Digamos que as mesmas peças (se quisermos os mesmos ladrilhos) servem aqui para construir um mosaico diverso apoiado num fio condutor que serve de pretexto a uma viagem, onde se inserem algumas obras musicais com uma relação directa com factos históricos (por exemplo a guerra civil entre Castela e Aragão ou a tomada de Granada) e outras que hipoteticamente lhe poderiam ter servido como pano de fundo. Conforme Rui Vieira Nery refere nas notas explicativas, este alinhamento poderia perfeitamente utilizar-se como banda sonora de um filme histórico dedicado à fascinante personalidade da rainha católica.

Como tinha acontecido nos discos anteriores dedicados a outros grandes soberanos do Renascimento espanhol (Alfons V e Carlos V) procede-se mesmo à elaboração de um guião ordenado por datas com os principais acontecimentos que motivam a escolha dos exemplos musicais. Estes procedem de fontes ibéricas dos finais do século XV e inícios do século XVI, contemplando a polifonia sacra (incluindo o belíssimo Gradual do "Requiem" de Pedro de Escobar); o repertório profano a (vilancicos e romances dos Cancioneiros de Palacio, da Colombina e de Montecassino, algumas das mais famosas páginas de Juan del Encina como "Levanta Pascual" ou o tocante romance "Triste España sin ventura"); música instrumental de trechos de origem judaica, muçulmana ou da tradição do "Al-Andalus". A presença e influência da música franco-flamenga na Capela dos Reis Católicos também não foi esquecida, reflectindo-se por exemplo na versão para harpa de "Je ne vis oncques", de Dufay, interpretada por Andrew Lawrence-King. Espera-se que a interpretação em concerto deste programa no próximo dia 14 seja tão ou mais gratificante que a sua audição em disco.

Isabel I, Reina de Castilla

Luces y Sombras en el tiempo della primera gran Reina del Renascimiento

(1451-1504)

La Capella Reial de Catalunya

Hespérion XXI

Jordi Savall (direcção)

Alia Vox AV 9838

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