Suplemento Mil Folhas

21-12-2002
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Discos

Por ANTIGO/CONTEMPORÂNEO

Sábado, 07 de Dezembro de 2002

"Diferencias"

Pedro Couto Soares, flautas de bisel

AM&M - CD 2

66' 56''

Não há nada como um mestre para nos desvendar as potencialidades de um instrumento aparentemente tão simples (ou, no estudo avançado, tecnicamente ingrato) como a flauta de bisel. Pedro Couto Soares é verdadeiramente um mestre, e prova-o mais uma vez neste disco. O repertório aqui gravado remonta ao século XII, e, passando pelos séculos XIV, XVI e XVIII, mergulha vigorosamente na segunda metade do século XX, época em que o instrumento teve um importante ressurgimento criativo. Do século XII temos uma melodia do trovador Giraut de Bornheil, a célebre alba "Reis glorios"; do século XIV, um refrescante Saltarello, realizado com rara virtuosidade; do século XVI, duas peças que exploram as capacidades de variação ornamental do instrumento, "Senhora do mundo" e "Ricercata in Battaglia", de Virgiliano; do século XVIII, os saborosos Prelúdios de Hotteterre; do século XX, a escrita exploratória e viva de Shinohara em "Fragmente" (1960), a contenção e força de Donatoni em "Nidi" (1992), a inteligência suave do "Essay X" (1993) de Christopher Bochmann, e a intensidade técnica e estética, às vezes brutal, do "Récit d'Orphé" (1994) de Clotilde Rosa. O flautista Couto Soares surpreende-nos com a intuição estilística e a destreza com que aborda todos estes ambientes sonoros, arrancando da música não só o que nela se escreve, mas tudo aquilo que, estando para lá da escrita, lhe completa e sublinha o sentido. Para além disso, o flautista demonstra, nas notas inclusas, uma rara agilidade de pensamento e de expressão literária, bem coerentes com as suas invejáveis capacidades musicais. A boa gravação e o cuidado grafismo do disco merecem igualmente destaque.

Manuel Pedro Ferreira

ROMÂNTICO

"Destinos poéticos da mulher"

Inês Calazans, soprano / Nuno Vieira de Almeida, piano

Strauss ST-2379

54' 39''

Uma jovem cantora, num trabalho que supomos ser a sua estreia discográfica, juntamente com aquele que é, provavelmente, o melhor acompanhador nacional de "lieder", o pianista Nuno Vieira de Almeida; dois ciclos de canções centrais na história da música alemã - "Amor e Vida de uma Mulher", de Robert Schumann (1810-1856), e os "Wesendonck Lieder", de Richard Wagner (1813-1883); um outro ciclo, "Seis Canções sobre poemas de Emily Dickinson", de John Duke (1899-1984), de grande solidez e capacidade de sugestão musical, na esteira do romantismo; uma boa captação de som; texto introdutório de Rui Vieira Nery e traduções de Yvette Centeno, modelares; um grafismo claro e elegante: eis os ingredientes para um CD bem concebido e invulgarmente atraente. Inês Calazans tem uma voz clara e escorreita, uma entoação praticamente perfeita e uma dicção exemplar; acresce a estas qualidades uma dosagem invulgarmente certeira e equilibrada de capacidade expressiva, que compensa a paleta algo limitada de cor vocal. Schumann e Duke são particularmente bem servidos, embora na última canção de Schumann se possa imaginar maior corpo tímbrico e efectividade dramática. No que respeita a Wagner, a versão proposta não pode obviamente concorrer com as versões orquestrais, nem com a rica pastosidade das grandes vozes operáticas, mas é precisamente na sua leveza que se impõe como uma experiência diferente, mais caseira, certamente mais próxima do que normalmente seria ouvido na época. O acompanhamento pianístico é, como seria de esperar, invulgarmente inteligente e sensível.

Manuel Pedro Ferreira

Discos

Por ANTIGO/CONTEMPORÂNEO

Sábado, 07 de Dezembro de 2002

"Diferencias"

Pedro Couto Soares, flautas de bisel

AM&M - CD 2

66' 56''

Não há nada como um mestre para nos desvendar as potencialidades de um instrumento aparentemente tão simples (ou, no estudo avançado, tecnicamente ingrato) como a flauta de bisel. Pedro Couto Soares é verdadeiramente um mestre, e prova-o mais uma vez neste disco. O repertório aqui gravado remonta ao século XII, e, passando pelos séculos XIV, XVI e XVIII, mergulha vigorosamente na segunda metade do século XX, época em que o instrumento teve um importante ressurgimento criativo. Do século XII temos uma melodia do trovador Giraut de Bornheil, a célebre alba "Reis glorios"; do século XIV, um refrescante Saltarello, realizado com rara virtuosidade; do século XVI, duas peças que exploram as capacidades de variação ornamental do instrumento, "Senhora do mundo" e "Ricercata in Battaglia", de Virgiliano; do século XVIII, os saborosos Prelúdios de Hotteterre; do século XX, a escrita exploratória e viva de Shinohara em "Fragmente" (1960), a contenção e força de Donatoni em "Nidi" (1992), a inteligência suave do "Essay X" (1993) de Christopher Bochmann, e a intensidade técnica e estética, às vezes brutal, do "Récit d'Orphé" (1994) de Clotilde Rosa. O flautista Couto Soares surpreende-nos com a intuição estilística e a destreza com que aborda todos estes ambientes sonoros, arrancando da música não só o que nela se escreve, mas tudo aquilo que, estando para lá da escrita, lhe completa e sublinha o sentido. Para além disso, o flautista demonstra, nas notas inclusas, uma rara agilidade de pensamento e de expressão literária, bem coerentes com as suas invejáveis capacidades musicais. A boa gravação e o cuidado grafismo do disco merecem igualmente destaque.

Manuel Pedro Ferreira

ROMÂNTICO

"Destinos poéticos da mulher"

Inês Calazans, soprano / Nuno Vieira de Almeida, piano

Strauss ST-2379

54' 39''

Uma jovem cantora, num trabalho que supomos ser a sua estreia discográfica, juntamente com aquele que é, provavelmente, o melhor acompanhador nacional de "lieder", o pianista Nuno Vieira de Almeida; dois ciclos de canções centrais na história da música alemã - "Amor e Vida de uma Mulher", de Robert Schumann (1810-1856), e os "Wesendonck Lieder", de Richard Wagner (1813-1883); um outro ciclo, "Seis Canções sobre poemas de Emily Dickinson", de John Duke (1899-1984), de grande solidez e capacidade de sugestão musical, na esteira do romantismo; uma boa captação de som; texto introdutório de Rui Vieira Nery e traduções de Yvette Centeno, modelares; um grafismo claro e elegante: eis os ingredientes para um CD bem concebido e invulgarmente atraente. Inês Calazans tem uma voz clara e escorreita, uma entoação praticamente perfeita e uma dicção exemplar; acresce a estas qualidades uma dosagem invulgarmente certeira e equilibrada de capacidade expressiva, que compensa a paleta algo limitada de cor vocal. Schumann e Duke são particularmente bem servidos, embora na última canção de Schumann se possa imaginar maior corpo tímbrico e efectividade dramática. No que respeita a Wagner, a versão proposta não pode obviamente concorrer com as versões orquestrais, nem com a rica pastosidade das grandes vozes operáticas, mas é precisamente na sua leveza que se impõe como uma experiência diferente, mais caseira, certamente mais próxima do que normalmente seria ouvido na época. O acompanhamento pianístico é, como seria de esperar, invulgarmente inteligente e sensível.

Manuel Pedro Ferreira

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