Os congressos de Durão Barroso

17-07-2002
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Os Congressos de Durão Barroso

Por EUNICE LOURENÇO E HELENA PEREIRA

Sexta-feira, 12 de Julho de 2002 Durão Barroso podia ter sido eleito líder do PSD em Fevereiro de 1995. Se assim fosse, teria chegado a primeiro-ministro. O PÚBLICO recorda os últimos congressos do partido e da vida de Durão. Fevereiro de 1995 - Coliseu de Lisboa: Derrota ao primeiro "round" O PSD vivia as dores de parto do pós-cavaquismo. Cavaco ainda era primeiro-ministro e foi ao Coliseu de Lisboa mostrar que ainda mandava. O partido preferia Fernando Nogueira. O país preferia Durão Barroso. E Santana Lopes preferia-se a si próprio, mas desistiu a meio em nome da unidade. Os barrosistas eram, na altura, Pedro Passos Coelho e António Pinto Leite. Dias Loureiro também já estava com Barroso. Mas também Marcelo Rebelo de Sousa e Leonor Beleza. Durão chegou ao Coliseu sem tropas e com um discurso contra o aparelho partidário e pela renovação. Contudo, os primeiros nomes da sua lista eram Alberto João Jardim e Ferreira do Amaral. Luís Filipe Menezes chamou ao barrosismo "sulista e elitista", as tropas barrosistas reagiram com uma monumental vaia que pôs o Coliseu em pé de guerra e Cavaco teve de pôr ordem no congresso. Nogueira ganhou com 33 votos de vantagem. Mas terminou o discurso a dizer: "Não sei se serei capaz." Foi o fim antes do início. Durão saiu do Coliseu derrotado, mas com o partido a olhar para ele como o homem que se seguiria. Os jornais salientavam-lhe a determinação e o carisma. Março de 1996 - Santa Maria da Feira: Cristo desceu à terra, mas Durão não Foi o primeiro dos congressos em que Durão era o desejado pelo partido, mas invocou razões pessoais para não avançar. E, assim, o PSD teve de engolir o único que avançou: Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha dito que nem que Cristo descesse à terra seria candidato a líder do PSD. Santana Lopes ainda levou uma moção a sufrágio, mas teve menos de metade dos votos da de Marcelo. Como não estava disponível, ou por isso mesmo, ou ainda porque a alternativa seria Santana Lopes, Durão esteve com Marcelo desde a primeira hora e encheu a comissão política de barrosistas. Foi o mais aplaudido do congresso, continuando a alimentar o desejo de um partido que não estava entusiasmado com o novo líder e parecia disposto a esperar por ele o tempo que ele quisesse. Outubro 1996 - Coliseu de Lisboa: Primeira vez na América Passados apenas seis meses depois da eleição de Marcelo, Durão, que continua indisponível, ainda é desejado, mas é Leonor Beleza quem arranca mais aplausos. Num congresso convocado para alterar os estatutos, Marcelo entrou com o seu lugar em risco e saiu com a liderança reforçada. Mais não fosse por não haver quem quisesse tomar o lugar. Durão Barroso tinha acabado de se mudar para os Estados Unidos, Beleza ainda andava a contas com os seus processos, Santana mandou Rui Gomes da Silva em seu lugar, apresentando proposta de estatutos, que não chegou a ser votada. As eleições autárquicas aproximavam-se e os eventuais candidatos esperavam pela derrota de Marcelo para avançar. O professor sabia-o e, por isso mesmo, fez um discurso duríssimo contra a intriga de "meia dúzia de líderes virtuais". É também o dia em que Marcelo se insurge contra os "fantasmas" que atormentam o partido: Cavaco Silva é o destinatário. A votação dos estatutos funcionou como referendo ao líder e este ganhou, superando os três quintos necessários à aprovação da sua proposta. Ficava tudo à espera das autárquicas, daí a pouco mais de um ano. Abril de 1998 - Tavira: Sim, não, talvez, afinal não Durão estava nos Estados Unidos e nem queria vir ao congresso, mas dois meses antes tinha cortado com Marcelo. O líder do PSD queria fazer a AD com Paulo Portas e o congresso ia servir para legitimar a estratégia. Durão estava contra a AD, mas não queria assumir a ruptura, apesar de o partido continuar à sua espera. Acabou por ir a Tavira, pressionado pelos seus fiéis, que agora já eram José Luís Arnaut, que tinha estado com Marcelo, Morais Sarmento, Feliciano Barreiras Duarte e Miguel Relvas. Foi também por pressão destes que, já durante o congresso, chegou a reunir-se com presidentes das distritais para recrutar mais apoios para uma eventual candidatura, que acabou por não existir. Marcelo queria dois terços do congresso a apoiar a AD. Antes do congresso, Durão tinha garantido que o poder não cairia na rua se Marcelo saísse. Durante a reunião, deu a ideia de que ia, finalmente, avançar e disputar o partido, mas não avançou. Marcelo teve os dois terços. Fevereiro 1999 - Coliseu do Porto: À espera Marcelo queria outra vez relegitimar a AD, agora porque já havia um acordo firmado com o CDS-PP. O congresso teve uma inovação: o voto electrónico. Foi a primeira e última vez, porque só suscitou dúvidas. António Capucho - que tinha sido despedido do cargo de secretário-geral, por Marcelo, com um simples cartãozito - teve o papel de detonador das bases, ao insurgir-se contra a AD. Hoje, Capucho é presidente da Câmara de Cascais, justamente em coligação com o CDS-PP. No Coliseu do Porto, sentados em cantos opostos, Durão e Santana trocavam olhares, mas não se falavam. Um dos intermediários foi Duarte Lima, doente em casa. O PSD estava suspenso do que eles fizessem. Quem avançasse podia roubar o partido a Marcelo, a seis meses de eleições legislativas. Marcelo tinha ganho a batalha das autárquicas, tinha ganho dois referendos, mas ia aliar-se com Paulo Portas e isso, ao PSD, custava a engolir. Ninguém avançou e os congressistas optaram pelo seguro. Maio 1999 - Coimbra: O feitiço contra o feiticeiro "Não sou o D. Sebastião", disse Durão Barroso em Coimbra. Mas o facto é que era assim que o PSD o via. A AD tinha acabado abruptamente com a demissão de Marcelo, dois meses depois de ter obtido os famigerados dois terços. A cinco meses de eleições legislativas e a um mês de europeias, toda a gente se virou para Durão Barroso e ele, desta vez, não teve por onde fugir. Chegou a Coimbra sem adversários. O congresso serviu só para formalizar uma situação que já existia de facto. Nessa altura, Durão até já tinha feito as listas para as europeias. O seu objectivo principal era baixar as expectativas num partido sedento de ganhar eleições. Mas Marcelo chegou ao congresso e exigiu-lhe isso mesmo: "Vença e governe." Durão via o feitiço virar-se contra o feiticeiro: tinha esperado que, em Outubro, o partido julgasse Marcelo nas urnas e, afinal, era ele que ia ser julgado. No pavilhão da Académica, consumou-se a união com Santana, que se preparava desde o Porto, mas que, afinal, não seria por muito tempo. Santana Lopes foi o segundo nome do conselho nacional. Terminado o congresso, Paulo Portas, líder do CDS-PP, chamou "arrogante" a Durão e avisou: "Se o PSD virou à esquerda, então quem não é de esquerda deve votar no CDS-PP." Fevereiro de 2000 - Viseu: Sobreviver até à vitória final Os congressos do PSD são sempre momentos animados, mas este foi ainda mais. Finalmente, Durão e Santana iam defrontar-se. Mas havia uma terceira figura: Marques Mendes - que tinha durante quatro anos sido protagonista como líder parlamentar de Marcelo - tinha decidido deixar o estigma de número dois e afirmar-se como candidato à liderança. A abrir, Durão fez o discurso da vitimização e queixou-se de falta de solidariedade para justificar a derrota nas legislativas de Outubro de 1999. Mas, no segundo dia do congresso, passou ao ataque e foi duríssimo com Santana Lopes, a quem chamou "um misto de Zandinga e Gabriel Alves". Mas este congresso teve também uma grande disputa processual: foi o congresso das inerências (garantia de direito de voto no congresso para todos os que têm cargos no partido). Santana e Mendes queriam acabar com elas, Durão resistiu. Ainda entrou num acordo, mas já em Viseu rejeitou-o. Acabaria por ceder na alteração estatutária a acabar com a quantidade de inerências. Mas tal alteração só terá efeitos no congresso que hoje começa. Há quem diga que, se não fosse as inerências, Durão não teria ganho o congresso de Viseu. Luís Filipe Menezes ainda tentou um acordo entre os opositores de Durão, mas não conseguiu. E este foi reeleito com 50,3 por cento dos votos. Santana teve 33,6 por cento e Mendes 16,1. Durão Barroso resistia, assim, ao maior desafio à sua liderança. E nos dois anos seguintes assim continuou: resistiu, resistiu, até que o país lhe caiu ao colo, tal como lhe tinha caído o partido. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Um congresso para evitar os erros do cavaquismo

O problema do Governo é mais grave que uma questão de imagem

'Os políticos são os cidadãos'

Clero não devia exercer cargos de nomeação política

"Se a droga fosse um bem acessível, não haveria necessidade de organizar redes de tráfico"

Os congressos de Durão Barroso

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Por EUNICE LOURENÇO E HELENA PEREIRA

Sexta-feira, 12 de Julho de 2002 Durão Barroso podia ter sido eleito líder do PSD em Fevereiro de 1995. Se assim fosse, teria chegado a primeiro-ministro. O PÚBLICO recorda os últimos congressos do partido e da vida de Durão. Fevereiro de 1995 - Coliseu de Lisboa: Derrota ao primeiro "round" O PSD vivia as dores de parto do pós-cavaquismo. Cavaco ainda era primeiro-ministro e foi ao Coliseu de Lisboa mostrar que ainda mandava. O partido preferia Fernando Nogueira. O país preferia Durão Barroso. E Santana Lopes preferia-se a si próprio, mas desistiu a meio em nome da unidade. Os barrosistas eram, na altura, Pedro Passos Coelho e António Pinto Leite. Dias Loureiro também já estava com Barroso. Mas também Marcelo Rebelo de Sousa e Leonor Beleza. Durão chegou ao Coliseu sem tropas e com um discurso contra o aparelho partidário e pela renovação. Contudo, os primeiros nomes da sua lista eram Alberto João Jardim e Ferreira do Amaral. Luís Filipe Menezes chamou ao barrosismo "sulista e elitista", as tropas barrosistas reagiram com uma monumental vaia que pôs o Coliseu em pé de guerra e Cavaco teve de pôr ordem no congresso. Nogueira ganhou com 33 votos de vantagem. Mas terminou o discurso a dizer: "Não sei se serei capaz." Foi o fim antes do início. Durão saiu do Coliseu derrotado, mas com o partido a olhar para ele como o homem que se seguiria. Os jornais salientavam-lhe a determinação e o carisma. Março de 1996 - Santa Maria da Feira: Cristo desceu à terra, mas Durão não Foi o primeiro dos congressos em que Durão era o desejado pelo partido, mas invocou razões pessoais para não avançar. E, assim, o PSD teve de engolir o único que avançou: Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha dito que nem que Cristo descesse à terra seria candidato a líder do PSD. Santana Lopes ainda levou uma moção a sufrágio, mas teve menos de metade dos votos da de Marcelo. Como não estava disponível, ou por isso mesmo, ou ainda porque a alternativa seria Santana Lopes, Durão esteve com Marcelo desde a primeira hora e encheu a comissão política de barrosistas. Foi o mais aplaudido do congresso, continuando a alimentar o desejo de um partido que não estava entusiasmado com o novo líder e parecia disposto a esperar por ele o tempo que ele quisesse. Outubro 1996 - Coliseu de Lisboa: Primeira vez na América Passados apenas seis meses depois da eleição de Marcelo, Durão, que continua indisponível, ainda é desejado, mas é Leonor Beleza quem arranca mais aplausos. Num congresso convocado para alterar os estatutos, Marcelo entrou com o seu lugar em risco e saiu com a liderança reforçada. Mais não fosse por não haver quem quisesse tomar o lugar. Durão Barroso tinha acabado de se mudar para os Estados Unidos, Beleza ainda andava a contas com os seus processos, Santana mandou Rui Gomes da Silva em seu lugar, apresentando proposta de estatutos, que não chegou a ser votada. As eleições autárquicas aproximavam-se e os eventuais candidatos esperavam pela derrota de Marcelo para avançar. O professor sabia-o e, por isso mesmo, fez um discurso duríssimo contra a intriga de "meia dúzia de líderes virtuais". É também o dia em que Marcelo se insurge contra os "fantasmas" que atormentam o partido: Cavaco Silva é o destinatário. A votação dos estatutos funcionou como referendo ao líder e este ganhou, superando os três quintos necessários à aprovação da sua proposta. Ficava tudo à espera das autárquicas, daí a pouco mais de um ano. Abril de 1998 - Tavira: Sim, não, talvez, afinal não Durão estava nos Estados Unidos e nem queria vir ao congresso, mas dois meses antes tinha cortado com Marcelo. O líder do PSD queria fazer a AD com Paulo Portas e o congresso ia servir para legitimar a estratégia. Durão estava contra a AD, mas não queria assumir a ruptura, apesar de o partido continuar à sua espera. Acabou por ir a Tavira, pressionado pelos seus fiéis, que agora já eram José Luís Arnaut, que tinha estado com Marcelo, Morais Sarmento, Feliciano Barreiras Duarte e Miguel Relvas. Foi também por pressão destes que, já durante o congresso, chegou a reunir-se com presidentes das distritais para recrutar mais apoios para uma eventual candidatura, que acabou por não existir. Marcelo queria dois terços do congresso a apoiar a AD. Antes do congresso, Durão tinha garantido que o poder não cairia na rua se Marcelo saísse. Durante a reunião, deu a ideia de que ia, finalmente, avançar e disputar o partido, mas não avançou. Marcelo teve os dois terços. Fevereiro 1999 - Coliseu do Porto: À espera Marcelo queria outra vez relegitimar a AD, agora porque já havia um acordo firmado com o CDS-PP. O congresso teve uma inovação: o voto electrónico. Foi a primeira e última vez, porque só suscitou dúvidas. António Capucho - que tinha sido despedido do cargo de secretário-geral, por Marcelo, com um simples cartãozito - teve o papel de detonador das bases, ao insurgir-se contra a AD. Hoje, Capucho é presidente da Câmara de Cascais, justamente em coligação com o CDS-PP. No Coliseu do Porto, sentados em cantos opostos, Durão e Santana trocavam olhares, mas não se falavam. Um dos intermediários foi Duarte Lima, doente em casa. O PSD estava suspenso do que eles fizessem. Quem avançasse podia roubar o partido a Marcelo, a seis meses de eleições legislativas. Marcelo tinha ganho a batalha das autárquicas, tinha ganho dois referendos, mas ia aliar-se com Paulo Portas e isso, ao PSD, custava a engolir. Ninguém avançou e os congressistas optaram pelo seguro. Maio 1999 - Coimbra: O feitiço contra o feiticeiro "Não sou o D. Sebastião", disse Durão Barroso em Coimbra. Mas o facto é que era assim que o PSD o via. A AD tinha acabado abruptamente com a demissão de Marcelo, dois meses depois de ter obtido os famigerados dois terços. A cinco meses de eleições legislativas e a um mês de europeias, toda a gente se virou para Durão Barroso e ele, desta vez, não teve por onde fugir. Chegou a Coimbra sem adversários. O congresso serviu só para formalizar uma situação que já existia de facto. Nessa altura, Durão até já tinha feito as listas para as europeias. O seu objectivo principal era baixar as expectativas num partido sedento de ganhar eleições. Mas Marcelo chegou ao congresso e exigiu-lhe isso mesmo: "Vença e governe." Durão via o feitiço virar-se contra o feiticeiro: tinha esperado que, em Outubro, o partido julgasse Marcelo nas urnas e, afinal, era ele que ia ser julgado. No pavilhão da Académica, consumou-se a união com Santana, que se preparava desde o Porto, mas que, afinal, não seria por muito tempo. Santana Lopes foi o segundo nome do conselho nacional. Terminado o congresso, Paulo Portas, líder do CDS-PP, chamou "arrogante" a Durão e avisou: "Se o PSD virou à esquerda, então quem não é de esquerda deve votar no CDS-PP." Fevereiro de 2000 - Viseu: Sobreviver até à vitória final Os congressos do PSD são sempre momentos animados, mas este foi ainda mais. Finalmente, Durão e Santana iam defrontar-se. Mas havia uma terceira figura: Marques Mendes - que tinha durante quatro anos sido protagonista como líder parlamentar de Marcelo - tinha decidido deixar o estigma de número dois e afirmar-se como candidato à liderança. A abrir, Durão fez o discurso da vitimização e queixou-se de falta de solidariedade para justificar a derrota nas legislativas de Outubro de 1999. Mas, no segundo dia do congresso, passou ao ataque e foi duríssimo com Santana Lopes, a quem chamou "um misto de Zandinga e Gabriel Alves". Mas este congresso teve também uma grande disputa processual: foi o congresso das inerências (garantia de direito de voto no congresso para todos os que têm cargos no partido). Santana e Mendes queriam acabar com elas, Durão resistiu. Ainda entrou num acordo, mas já em Viseu rejeitou-o. Acabaria por ceder na alteração estatutária a acabar com a quantidade de inerências. Mas tal alteração só terá efeitos no congresso que hoje começa. Há quem diga que, se não fosse as inerências, Durão não teria ganho o congresso de Viseu. Luís Filipe Menezes ainda tentou um acordo entre os opositores de Durão, mas não conseguiu. E este foi reeleito com 50,3 por cento dos votos. Santana teve 33,6 por cento e Mendes 16,1. Durão Barroso resistia, assim, ao maior desafio à sua liderança. E nos dois anos seguintes assim continuou: resistiu, resistiu, até que o país lhe caiu ao colo, tal como lhe tinha caído o partido. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Um congresso para evitar os erros do cavaquismo

O problema do Governo é mais grave que uma questão de imagem

'Os políticos são os cidadãos'

Clero não devia exercer cargos de nomeação política

"Se a droga fosse um bem acessível, não haveria necessidade de organizar redes de tráfico"

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