O regresso à censura

16-05-2002
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Regresso á censura

ACTUAL • Anabela Fino

O novo presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, inaugurou uma nova era na vida da instituição que é suposto ser o paradigma da própria democracia: deu à luz um despacho que é uma tentativa de regresso às trevas da censura.

Em nome da moralização da actividade dos deputados e da necessidade, como disse à TSF, de acabar com a imagem de «mordomia do Parlamento», Mota Amaral quer obrigar os parlamentares a dar-lhe conhecimento prévio das intervenções que pretendam efectuar em deslocações ao estrangeiro.

A justificação é no mínimo esdrúxula. Por mais voltas que se dê à imaginação não se percebe como é que a submissão das intervenções ao douto parecer do presidente da AR pode, seja de que forma for, «dignificar» a actividade parlamentar sem se transformar num efectivo acto de censura. O próprio líder da bancada parlamentar do PSD, Guilherme Silva, tentando desdramatizar a situação, acabou por ajudar ao «enterro» de Mota Amaral ao afirmar que «a ideia era obter intervenções relevantes» (Público, 30.4.2002), negando embora haver qualquer «intuito censório» na iniciativa.

A questão que se coloca é simples: como daria Mota Amaral «relevância» às prestações parlamentares no estrangeiro? E que autoridade tem Mota Amaral para decidir o que é e o que não é relevante?

Deixemo-nos de subterfúgios. De alegadas boas intenções está o inferno cheio. Que o presidente da AR pretenda tornar obrigatório o exame prévio, seja a que pretexto for, é uma prepotência inadmissível num país que se afirma democrático. Que o mesmo presidente entenda que os parlamentares só devem viajar para países cuja língua dominem - outra inovação constante do despacho - é uma evidente manobra para coarctar a capacidade de intervenção no estrangeiro dos eleitos pelos diferentes partidos.

Curiosamente, o primeiro a rebelar-se com as decisões de Mota Amaral foi o líder da JSD, Pedro Duarte, que se sentiu ofendido pelo seu parceiro de partido. Seguiu-se uma deputada do PS, Rosa Maria Albernaz. Ambos deviam participar, no âmbito da delegação da União Interparlamentar, numa reunião em Nova Iorque organizada pela Unicef e pela ONU sobre os direitos das crianças. Indignados com a suspeita de que viajariam em passeio, ambos optaram por ficar em terra. Mota Amaral não se incomodou. Dizendo-se embora disposto a discutir as novas regras em conferência de líderes parlamentares, o novo inquisidor arvora a bandeira da moral para flagelar a democracia. É assim que começa a ditadura.

«Avante!» Nº 1483 - 2.Maio.2002

Regresso á censura

ACTUAL • Anabela Fino

O novo presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, inaugurou uma nova era na vida da instituição que é suposto ser o paradigma da própria democracia: deu à luz um despacho que é uma tentativa de regresso às trevas da censura.

Em nome da moralização da actividade dos deputados e da necessidade, como disse à TSF, de acabar com a imagem de «mordomia do Parlamento», Mota Amaral quer obrigar os parlamentares a dar-lhe conhecimento prévio das intervenções que pretendam efectuar em deslocações ao estrangeiro.

A justificação é no mínimo esdrúxula. Por mais voltas que se dê à imaginação não se percebe como é que a submissão das intervenções ao douto parecer do presidente da AR pode, seja de que forma for, «dignificar» a actividade parlamentar sem se transformar num efectivo acto de censura. O próprio líder da bancada parlamentar do PSD, Guilherme Silva, tentando desdramatizar a situação, acabou por ajudar ao «enterro» de Mota Amaral ao afirmar que «a ideia era obter intervenções relevantes» (Público, 30.4.2002), negando embora haver qualquer «intuito censório» na iniciativa.

A questão que se coloca é simples: como daria Mota Amaral «relevância» às prestações parlamentares no estrangeiro? E que autoridade tem Mota Amaral para decidir o que é e o que não é relevante?

Deixemo-nos de subterfúgios. De alegadas boas intenções está o inferno cheio. Que o presidente da AR pretenda tornar obrigatório o exame prévio, seja a que pretexto for, é uma prepotência inadmissível num país que se afirma democrático. Que o mesmo presidente entenda que os parlamentares só devem viajar para países cuja língua dominem - outra inovação constante do despacho - é uma evidente manobra para coarctar a capacidade de intervenção no estrangeiro dos eleitos pelos diferentes partidos.

Curiosamente, o primeiro a rebelar-se com as decisões de Mota Amaral foi o líder da JSD, Pedro Duarte, que se sentiu ofendido pelo seu parceiro de partido. Seguiu-se uma deputada do PS, Rosa Maria Albernaz. Ambos deviam participar, no âmbito da delegação da União Interparlamentar, numa reunião em Nova Iorque organizada pela Unicef e pela ONU sobre os direitos das crianças. Indignados com a suspeita de que viajariam em passeio, ambos optaram por ficar em terra. Mota Amaral não se incomodou. Dizendo-se embora disposto a discutir as novas regras em conferência de líderes parlamentares, o novo inquisidor arvora a bandeira da moral para flagelar a democracia. É assim que começa a ditadura.

«Avante!» Nº 1483 - 2.Maio.2002

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