Aumento da repressão nas estradas recebe sinal verde da Assembleia

25-09-2004
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Aumento da Repressão nas Estradas Recebe Sinal Verde da Assembleia

Por RICARDO DIAS FELNER

Quinta-feira, 23 de Setembro de 2004 A discussão do novo Código da Estrada, ocorrida ontem na Assembleia da República, mostrou que o Governo vai poder legislar, sem sobressaltos, sobre a matéria. Mas pôs igualmente em evidência o desprezo geral dos políticos pelo tema da sinistralidade rodoviária. Prova disso é que, embora teoricamente se tratasse do assunto do dia, assim que terminou o período mais picante destinado ao debate da actualidade, e o ministro da Administração Interna subiu à tribuna, assistiu-se a uma autêntica debandada dos deputados. De tal forma que, a dada altura, quando Nelson Baltazar, do PS, pronunciava palavras graves sobre o trágico acidente ocorrido recentemente em Montargil, o PÚBLICO contabilizou apenas 33 pessoas nas bancadas parlamentares (de um total de 230), boa parte das quais ocupadas em conversas laterais, e indiferentes à descrição fúnebre do deputado do principal partido da Oposição. Verificou-se, portanto, mais uma vez, um debate morno e frouxo sobre um tema propalado, de forma recorrente, como o maior "drama nacional" e um dos principais "desígnios de governo"; e confirmou-se que, à parte o dramatismo posto em períodos eleitorais e discursos reactivos de circunstância, os principais partidos com assento parlamentar não têm divergências de fundo relativamente ao projecto do novo Código da Estrada da Maioria - dando carta verde para que o Governo legisle solitariamente sobre a matéria. De facto, ainda que a votação sobre o diploma de autorização legislativa - em que o Parlamento delega no Governo o poder de elaborar a lei - só ocorra hoje, mesmo os partidos da esquerda mais representados no hemiciclo - o PS e o PCP - inclinavam-se ontem para anuir à pretensão da Administração Interna em aumentar a repressão aos condutores, já a partir de Janeiro de 2005. Isso foi afirmado ao PÚBLICO após a sessão, mas já perpassara nas intervenções no plenário programadas pelas bancadas, quase todas pouco entusiásticas e substanciais. Governo combate "recursos dilatórios" às sanções Daniel Sanches teve, por isso, uma estreia pacífica na sala mais nobre da AR. O ministro da Administração Interna - que praticamente se limitou a repescar o projecto já delineado pelo seu antecessor, Figueiredo Lopes, e pelo secretário de Estado Nuno Magalhães (que se mantém no cargo) - repetiu as medidas mais fortes do novo Código, nomeadamente o aumento "selectivo" das coimas no estacionamento em passagens de peões ou nos passeios, para os casos de falta de uso, por parte de menores e inimputáveis, de acessórios de segurança, e para os condutores com taxas de álcool elevadas; e a tipificação de algumas contra-ordenações como graves e muito graves (ver texto na página ao lado). Para além destas considerações, que serviram sobretudo para contextualizar o tema, Daniel Sanches focou o seu discurso sobretudo no combate aos "recursos dilatórios" sobre as sanções - uma prática que na sua opinião tem "proliferado" e que é responsável pela pouca eficácia da aplicação da lei, sobretudo no que respeita à medida acessória de inibição de conduzir. Daí que uma das grandes apostas do Governo - salientou - tenha que ver com mudanças processuais, que incluem o aumento do período de prescrição para dois anos (actualmente é de um ano) e a possibilidade de cassação de carta de condução de forma administrativa e automática (pela DGV), e não judicial (pelo juiz, com direito a defesa). Isto significa que, uma vez que a lei entre em vigor, os condutores só poderão recorrer da sanção "a posteriori", para os tribunais comuns, e sem que durante o processo se suspenda a punição. Oposição critica desprezo pelo transporte de crianças A admininstrativização da cassação da carta não foi, contudo, a alteração a merecer as críticas mais contundentes por parte da Oposição. A questão mais criticada foi, afinal, o facto de o Governo não ter incluído no projecto-lei a obrigatoriedade de os transportes colectivos de crianças terem sistemas de retenção de segurança. No coro entoado pelos partidos da esquerda, Luísa Apoloni, do partido "Os Verdes", foi a voz mais exaltada. A deputada lembrou que um projecto-lei do seu partido sobre o assunto já havia sido aprovado há dois anos, tendo sido também finalizada a discussão na especialidade. E lembrou que o Governo, de então para cá, não apresentou a sua proposta, "por duas vezes anunciada". Daniel Sanches defendeu-se, garantindo que, no dia 24 de Agosto, o Governo deu entrada na Assembleia mais um pedido de autorização legislativa destinado especificamente à segurança das crianças em transportes colectivos. De resto, o PS, através de Luís Miranda, questionou ainda o ministro sobre a forma como irá ser exercida na prática a fiscalização do Código da Estrada, preocupação reiterada por Rodeia Machado, do PCP. Os comunistas mostraram-se também descontentes com o recurso ao instrumento da autorização legislativa, mas, tal como os socialistas, deixaram mais perguntas do que propostas concretas a contrapor às soluções do Governo. As críticas mais veementes acabaram mesmo por vir da bancada do Bloco de Esquerda, que aliás deverá abster-se na votação de hoje. João Teixeira Lopes afirmou que o novo Código acentua a repressão em detrimento da prevenção e iliba o Estado, responsável pela construção de estradas perigosas e pela sinalização rodoviária deficiente, no problema da sinistralidade. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Aumento da repressão nas estradas recebe sinal verde da Assembleia

Algumas alterações ao Código da Estrada

Prescrevem por ano 60 mil multas de trânsito

Projecto de Código da Estrada único para a União Europeia

Frequentes violações ao Código da Estrada

Aumento da Repressão nas Estradas Recebe Sinal Verde da Assembleia

Por RICARDO DIAS FELNER

Quinta-feira, 23 de Setembro de 2004 A discussão do novo Código da Estrada, ocorrida ontem na Assembleia da República, mostrou que o Governo vai poder legislar, sem sobressaltos, sobre a matéria. Mas pôs igualmente em evidência o desprezo geral dos políticos pelo tema da sinistralidade rodoviária. Prova disso é que, embora teoricamente se tratasse do assunto do dia, assim que terminou o período mais picante destinado ao debate da actualidade, e o ministro da Administração Interna subiu à tribuna, assistiu-se a uma autêntica debandada dos deputados. De tal forma que, a dada altura, quando Nelson Baltazar, do PS, pronunciava palavras graves sobre o trágico acidente ocorrido recentemente em Montargil, o PÚBLICO contabilizou apenas 33 pessoas nas bancadas parlamentares (de um total de 230), boa parte das quais ocupadas em conversas laterais, e indiferentes à descrição fúnebre do deputado do principal partido da Oposição. Verificou-se, portanto, mais uma vez, um debate morno e frouxo sobre um tema propalado, de forma recorrente, como o maior "drama nacional" e um dos principais "desígnios de governo"; e confirmou-se que, à parte o dramatismo posto em períodos eleitorais e discursos reactivos de circunstância, os principais partidos com assento parlamentar não têm divergências de fundo relativamente ao projecto do novo Código da Estrada da Maioria - dando carta verde para que o Governo legisle solitariamente sobre a matéria. De facto, ainda que a votação sobre o diploma de autorização legislativa - em que o Parlamento delega no Governo o poder de elaborar a lei - só ocorra hoje, mesmo os partidos da esquerda mais representados no hemiciclo - o PS e o PCP - inclinavam-se ontem para anuir à pretensão da Administração Interna em aumentar a repressão aos condutores, já a partir de Janeiro de 2005. Isso foi afirmado ao PÚBLICO após a sessão, mas já perpassara nas intervenções no plenário programadas pelas bancadas, quase todas pouco entusiásticas e substanciais. Governo combate "recursos dilatórios" às sanções Daniel Sanches teve, por isso, uma estreia pacífica na sala mais nobre da AR. O ministro da Administração Interna - que praticamente se limitou a repescar o projecto já delineado pelo seu antecessor, Figueiredo Lopes, e pelo secretário de Estado Nuno Magalhães (que se mantém no cargo) - repetiu as medidas mais fortes do novo Código, nomeadamente o aumento "selectivo" das coimas no estacionamento em passagens de peões ou nos passeios, para os casos de falta de uso, por parte de menores e inimputáveis, de acessórios de segurança, e para os condutores com taxas de álcool elevadas; e a tipificação de algumas contra-ordenações como graves e muito graves (ver texto na página ao lado). Para além destas considerações, que serviram sobretudo para contextualizar o tema, Daniel Sanches focou o seu discurso sobretudo no combate aos "recursos dilatórios" sobre as sanções - uma prática que na sua opinião tem "proliferado" e que é responsável pela pouca eficácia da aplicação da lei, sobretudo no que respeita à medida acessória de inibição de conduzir. Daí que uma das grandes apostas do Governo - salientou - tenha que ver com mudanças processuais, que incluem o aumento do período de prescrição para dois anos (actualmente é de um ano) e a possibilidade de cassação de carta de condução de forma administrativa e automática (pela DGV), e não judicial (pelo juiz, com direito a defesa). Isto significa que, uma vez que a lei entre em vigor, os condutores só poderão recorrer da sanção "a posteriori", para os tribunais comuns, e sem que durante o processo se suspenda a punição. Oposição critica desprezo pelo transporte de crianças A admininstrativização da cassação da carta não foi, contudo, a alteração a merecer as críticas mais contundentes por parte da Oposição. A questão mais criticada foi, afinal, o facto de o Governo não ter incluído no projecto-lei a obrigatoriedade de os transportes colectivos de crianças terem sistemas de retenção de segurança. No coro entoado pelos partidos da esquerda, Luísa Apoloni, do partido "Os Verdes", foi a voz mais exaltada. A deputada lembrou que um projecto-lei do seu partido sobre o assunto já havia sido aprovado há dois anos, tendo sido também finalizada a discussão na especialidade. E lembrou que o Governo, de então para cá, não apresentou a sua proposta, "por duas vezes anunciada". Daniel Sanches defendeu-se, garantindo que, no dia 24 de Agosto, o Governo deu entrada na Assembleia mais um pedido de autorização legislativa destinado especificamente à segurança das crianças em transportes colectivos. De resto, o PS, através de Luís Miranda, questionou ainda o ministro sobre a forma como irá ser exercida na prática a fiscalização do Código da Estrada, preocupação reiterada por Rodeia Machado, do PCP. Os comunistas mostraram-se também descontentes com o recurso ao instrumento da autorização legislativa, mas, tal como os socialistas, deixaram mais perguntas do que propostas concretas a contrapor às soluções do Governo. As críticas mais veementes acabaram mesmo por vir da bancada do Bloco de Esquerda, que aliás deverá abster-se na votação de hoje. João Teixeira Lopes afirmou que o novo Código acentua a repressão em detrimento da prevenção e iliba o Estado, responsável pela construção de estradas perigosas e pela sinalização rodoviária deficiente, no problema da sinistralidade. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Aumento da repressão nas estradas recebe sinal verde da Assembleia

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