O tempora! O mores!*

06-10-2003
marcar artigo

O Tempora! O Mores!*

Por RUI BAPTISTA

Sexta-feira, 26 de Setembro de 2003 1. No meio desta confusão criada pelo chamado "caso Maria Elisa", eu tenho pena é do Ribeiro Cristóvão. Estava o jornalista posto em sossego na Rádio Renascença, gerindo com brio e profissionalismo a editoria do Desporto, quando é de repente chamado para ir para a Assembleia da República substituir a fatigada Maria Elisa Domingues. Primeiro, o bom do Cristóvão ainda pensou que a sua passagem pelo Parlamento não iria durar mais do que um par de meses, o que até constituiria uma experiência engraçada, boa para contar aos netos. Depois começou a ficar inquieto quando ouviu dizer que, afinal, Maria Elisa estava a preparar-se para regressar à RTP para apresentar um programa de entrevistas. Mas o mais terrível ainda estava para acontecer: no dia em que se estreou no Parlamento, Ribeiro Cristóvão soube, através de uma equipa de reportagem da SIC, que afinal Maria Elisa ia mesmo trocar o Parlamento por um lugar de conselheira cultural na Embaixada de Portugal em Londres. O momento foi antológico: Cristóvão recebeu a notícia, engoliu em seco, pestanejou, e depois, com um sorriso amarelo, confessou que era a primeira vez que ouvia semelhante coisa. Por isso, quero daqui mandar um abraço solidário a Ribeiro Cristóvão, provavelmente o melhor relatador de futebol das rádios portuguesas (o mais sóbrio é, de certeza) e uma excelente pessoa. "Uma jóia de homem", como dizia a minha avó. Ribeiro Cristóvão não merecia ser triturado pela ambição de uma colega de profissão e pela cegueira eleitoral de um partido. Sim, eu sei que ninguém o obrigou a integrar a lista de deputados do PSD por Castelo Branco. Mas quando as pessoas são simpáticas e se movem por boas intenções, é fácil levá-las a cometer erros. Por isso eu faço daqui um apelo: soltem o Cristóvão. Devolvam-no aos microfones e aos campos de futebol, deixem-no voltar a ser feliz. Ou então, ponham-no relatar os debates da Assembleia da República, para ver se aquilo anima. A malta agradece. 2. Não sou sportinguista. Respeito muito o clube de Alvalade, mas seria incapaz de "torcer" por um clube que obriga os jogadores a usarem um equipamento daqueles. Mas quero deixar aqui a minha homenagem sentida a Vítor Damas, de longe o melhor guarda-redes português de sempre, falecido na semana passada. O Damas das defesas impossíveis, pesadelo de gerações sucessivas de pontas-de-lança. O único guarda-redes capaz de defender um penalti do Eusébio sem sequer se despentear. Damas era "cool" quando o conceito não tinha sido sequer sonhado. Intimidava os adversários com a sua elegância, e revelava a elasticidade de um felino (peço perdão pelo "cliché"). Vítor Damas foi, provavelmente, o último cavalheiro do futebol português. Vai fazer-nos falta, a todos, sportinguistas ou não. 3. Fui vizinho dele durante anos. Cumprimentava-o sempre que o encontrava no quiosque dos jornais e só não lhe tirava o chapéu porque sempre andei de cabeça descoberta. Parecia-me uma pessoa educada, sóbria, discreta. Ponderada. Dele dizia-se que vivia para a profissão, que não deixava atrasar um processo, que passava noites em branco a estudar, a redigir sentenças equilibradas. Só ontem, ao ver o Jornal da Noite da SIC, percebi o perigo que corri todos estes anos. Ao ver o dr. Silva Pereira, presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a dar um encontrão na câmara de filmar e a rosnar para a jornalista Sofia Pinto Coelho ("Não há conversa, minha senhora... antes que eu rebente com essa merda toda. Não quero ser filmado"), caiu-me a alma aos pés. Olha se o senhor desembargador tivesse descoberto a minha condição de jornalista no tempo em que éramos vizinhos. Sabe-se lá o que teria acontecido? Escapei de boa, caramba! Ainda bem que hoje moro numa aldeia, onde o sujeito mais ameaçador é o pobre de um tratador de vacas que quando bebe um copito a mais anda pelas ruas a cantar canções do Marco Paulo. 4. A imagem mais enternecedora da última quinzena foi publicada pela "Visão", que mostrou que o computador pessoal do assessor político de Paulo Portas tem como fundo permanente uma imagem do ministro da Defesa. E ainda dizem que a gratidão passou de moda! * Como a senhora dona Paula Bobonne vos explicaria, se a deixassem, não há nada mais chique do que usar uma citação latina como título de uma crónica. "É podre de chique", diria o Salcede. OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL

Amina está livre mas a Nigéria não

OPINIÃO

Sem justificação e sem pudor

O tempora! O mores!*

O inferno das boas intenções

Burlas e abandonos

O FIO DO HORIZONTE

AS FLORESTAS QUE CAMINHAM

CARTAS AO DIRECTOR

Os cidadãos já deram para esse peditório

Participação cívica: desafio de ontem e de sempre

O Tempora! O Mores!*

Por RUI BAPTISTA

Sexta-feira, 26 de Setembro de 2003 1. No meio desta confusão criada pelo chamado "caso Maria Elisa", eu tenho pena é do Ribeiro Cristóvão. Estava o jornalista posto em sossego na Rádio Renascença, gerindo com brio e profissionalismo a editoria do Desporto, quando é de repente chamado para ir para a Assembleia da República substituir a fatigada Maria Elisa Domingues. Primeiro, o bom do Cristóvão ainda pensou que a sua passagem pelo Parlamento não iria durar mais do que um par de meses, o que até constituiria uma experiência engraçada, boa para contar aos netos. Depois começou a ficar inquieto quando ouviu dizer que, afinal, Maria Elisa estava a preparar-se para regressar à RTP para apresentar um programa de entrevistas. Mas o mais terrível ainda estava para acontecer: no dia em que se estreou no Parlamento, Ribeiro Cristóvão soube, através de uma equipa de reportagem da SIC, que afinal Maria Elisa ia mesmo trocar o Parlamento por um lugar de conselheira cultural na Embaixada de Portugal em Londres. O momento foi antológico: Cristóvão recebeu a notícia, engoliu em seco, pestanejou, e depois, com um sorriso amarelo, confessou que era a primeira vez que ouvia semelhante coisa. Por isso, quero daqui mandar um abraço solidário a Ribeiro Cristóvão, provavelmente o melhor relatador de futebol das rádios portuguesas (o mais sóbrio é, de certeza) e uma excelente pessoa. "Uma jóia de homem", como dizia a minha avó. Ribeiro Cristóvão não merecia ser triturado pela ambição de uma colega de profissão e pela cegueira eleitoral de um partido. Sim, eu sei que ninguém o obrigou a integrar a lista de deputados do PSD por Castelo Branco. Mas quando as pessoas são simpáticas e se movem por boas intenções, é fácil levá-las a cometer erros. Por isso eu faço daqui um apelo: soltem o Cristóvão. Devolvam-no aos microfones e aos campos de futebol, deixem-no voltar a ser feliz. Ou então, ponham-no relatar os debates da Assembleia da República, para ver se aquilo anima. A malta agradece. 2. Não sou sportinguista. Respeito muito o clube de Alvalade, mas seria incapaz de "torcer" por um clube que obriga os jogadores a usarem um equipamento daqueles. Mas quero deixar aqui a minha homenagem sentida a Vítor Damas, de longe o melhor guarda-redes português de sempre, falecido na semana passada. O Damas das defesas impossíveis, pesadelo de gerações sucessivas de pontas-de-lança. O único guarda-redes capaz de defender um penalti do Eusébio sem sequer se despentear. Damas era "cool" quando o conceito não tinha sido sequer sonhado. Intimidava os adversários com a sua elegância, e revelava a elasticidade de um felino (peço perdão pelo "cliché"). Vítor Damas foi, provavelmente, o último cavalheiro do futebol português. Vai fazer-nos falta, a todos, sportinguistas ou não. 3. Fui vizinho dele durante anos. Cumprimentava-o sempre que o encontrava no quiosque dos jornais e só não lhe tirava o chapéu porque sempre andei de cabeça descoberta. Parecia-me uma pessoa educada, sóbria, discreta. Ponderada. Dele dizia-se que vivia para a profissão, que não deixava atrasar um processo, que passava noites em branco a estudar, a redigir sentenças equilibradas. Só ontem, ao ver o Jornal da Noite da SIC, percebi o perigo que corri todos estes anos. Ao ver o dr. Silva Pereira, presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a dar um encontrão na câmara de filmar e a rosnar para a jornalista Sofia Pinto Coelho ("Não há conversa, minha senhora... antes que eu rebente com essa merda toda. Não quero ser filmado"), caiu-me a alma aos pés. Olha se o senhor desembargador tivesse descoberto a minha condição de jornalista no tempo em que éramos vizinhos. Sabe-se lá o que teria acontecido? Escapei de boa, caramba! Ainda bem que hoje moro numa aldeia, onde o sujeito mais ameaçador é o pobre de um tratador de vacas que quando bebe um copito a mais anda pelas ruas a cantar canções do Marco Paulo. 4. A imagem mais enternecedora da última quinzena foi publicada pela "Visão", que mostrou que o computador pessoal do assessor político de Paulo Portas tem como fundo permanente uma imagem do ministro da Defesa. E ainda dizem que a gratidão passou de moda! * Como a senhora dona Paula Bobonne vos explicaria, se a deixassem, não há nada mais chique do que usar uma citação latina como título de uma crónica. "É podre de chique", diria o Salcede. OUTROS TÍTULOS EM ESPAÇO PÚBLICO EDITORIAL

Amina está livre mas a Nigéria não

OPINIÃO

Sem justificação e sem pudor

O tempora! O mores!*

O inferno das boas intenções

Burlas e abandonos

O FIO DO HORIZONTE

AS FLORESTAS QUE CAMINHAM

CARTAS AO DIRECTOR

Os cidadãos já deram para esse peditório

Participação cívica: desafio de ontem e de sempre

marcar artigo