Dois anos, três ministros e muitas críticas

24-06-2004
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Dois Anos, Três Ministros e Muitas Críticas

Por RICARDO GARCIA

Sábado, 22 de Maio de 2004

Numa visita ao Alqueva, em Março de 2002, ainda em campanha eleitoral, Durão Barroso insurgiu-se contra o "fundamentalismo ambiental" e contra as "regras rígidas" de protecção do ambiente, que poderiam desviar investimentos de Portugal para Espanha. "Não queremos reservas de índios, mas lugares para as pessoas viverem, trabalharem e produzirem", disse o então candidato a primeiro-ministro, antecipando o que seria o alvo central das críticas à política ambiental do seu futuro governo.

Muitos notaram, nas primeiras medidas ambientais adoptadas após as eleições, sintomas de que Durão Barroso não estava a brincar. Uma delas foi dar um grande poder aos autarcas na nomeação dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e dos directores das áreas protegidas. Foi o mote para críticas de que se colocaria o lobo a guardar o rebanho. Outra medida polémica estava contida no Programa Finisterra, para o litoral, que previa regras especiais para agilizar licenciamentos, expropriações, planos de urbanização e avaliações ambientais.

Estes episódios marcaram o curto mandato do primeiro-ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, Isaltino de Morais, que se demitiu em Abril do ano passado, com a revelação de que tinha contas bancárias não declaradas na Suíça.

Num Governo que aparentemente estava a pôr a economia à frente do ambiente - e não lado a lado - a escolha de Amílcar Theias para substituir Isaltino parecia ideal. Theias possuía vasta experiência e contactos do seu trabalho em Bruxelas, e esse atributo era importante nas negociações das verbas comunitárias para o ambiente. Por outro lado, não teria qualquer peso político dentro do Governo.

A receita, no entanto, não resultou. Amílcar Theias era um peixe fora d'água em matérias ambientais, das quais pouco ou nada entendia. Não se deu bem com pelo menos dois dos seus secretários de Estado - o do Ambiente e o da Administração Local. E arrastou decisões sobre medidas anunciadas - como o lançamento do concurso para o tratamento de resíduos industriais, a aprovação da lei da água e a adopção de um novo regime de multas ambientais. Com isso, aprofundou a imagem de letargia que ambientalistas e oposição não se cansam de atribuir ao Ministério das Cidades.

O que mais terá saído errado para o Governo foi o facto de Theias agir por sua própria iniciativa, exibindo uma liberdade verbal própria de quem não é um político de carreira. No Verão quente do ano passado, Amílcar Theias disse que os ex-combatentes da guerra colonial que mantinham granadas em casa tinham responsabilidade nos fogos florestais.

Alguns meses mais tarde, Theias embaraçou directamente o primeiro-ministro, reagindo a quente à possibilidade da passagem da gestão das áreas protegidas para o Ministério da Agricultura. Numa declaração rascunhada numa viagem entre Bruxelas e Lisboa, e lida aos jornalistas no aeroporto, Theias disse que isto seria "uma cedência a interesses particulares" e que "mercantilizar" a conservação da natureza representaria "um retrocesso civilizacional".

Pelo seu estilo desprendido, Amílcar Theias até foi elogiado pelos ambientalistas. Ontem, a associação Quercus disse que o ministro deixa "uma imagem de elevada seriedade e de coragem política para resistir, embora como se comprova hoje e infelizmente, não por muito tempo, a muitas das pressões internas de outras áreas governativas e da coligação governativa".

Mas ao pôr as suas ideias em prática, Amílcar Theias embateu contra poderes mais fortes. Ao escolher o "seu" modelo para o sector das águas, e ao querer nomear a "sua" administração para as Águas de Portugal, o ministro pôs mais uma vez a sua cabeça a prémio. E aquele parece ter sido mais um motivo para caçá-la.

A entrada de Arlindo Cunha - o terceiro ministro das Cidades em dois anos de Governo - vai ser um novo teste à política ambiental de Durão Barroso. É um ex-ministro da Agricultura a comandar, agora, o ambiente. Não deixa de ser uma ironia, quando, no ano passado, levantou-se uma enorme onda de protestos contra a passagem da conservação da natureza para o Ministério da Agricultura.

A oposição não vê bons augúrios no que aí vem. "Vamos para o terceiro ministro do Ambiente e isto demonstra que o problema não é dos titulares da pasta, mas sim de política de ambiente", diz o deputado Pedro Silva Pereira, do PS. O Partido Ecologista "Os Verdes", não vê em Arlindo Cunha "especial competência e apetência pelas questões da sustentabilidade e do ambiente", segundo disse a deputada Isabel Castro à agência Lusa. O ministro reagiu na tomada de posse: "Se me sentisse incompetente não aceitaria o cargo".

Dois Anos, Três Ministros e Muitas Críticas

Por RICARDO GARCIA

Sábado, 22 de Maio de 2004

Numa visita ao Alqueva, em Março de 2002, ainda em campanha eleitoral, Durão Barroso insurgiu-se contra o "fundamentalismo ambiental" e contra as "regras rígidas" de protecção do ambiente, que poderiam desviar investimentos de Portugal para Espanha. "Não queremos reservas de índios, mas lugares para as pessoas viverem, trabalharem e produzirem", disse o então candidato a primeiro-ministro, antecipando o que seria o alvo central das críticas à política ambiental do seu futuro governo.

Muitos notaram, nas primeiras medidas ambientais adoptadas após as eleições, sintomas de que Durão Barroso não estava a brincar. Uma delas foi dar um grande poder aos autarcas na nomeação dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e dos directores das áreas protegidas. Foi o mote para críticas de que se colocaria o lobo a guardar o rebanho. Outra medida polémica estava contida no Programa Finisterra, para o litoral, que previa regras especiais para agilizar licenciamentos, expropriações, planos de urbanização e avaliações ambientais.

Estes episódios marcaram o curto mandato do primeiro-ministro das Cidades, do Ordenamento do Território e do Ambiente, Isaltino de Morais, que se demitiu em Abril do ano passado, com a revelação de que tinha contas bancárias não declaradas na Suíça.

Num Governo que aparentemente estava a pôr a economia à frente do ambiente - e não lado a lado - a escolha de Amílcar Theias para substituir Isaltino parecia ideal. Theias possuía vasta experiência e contactos do seu trabalho em Bruxelas, e esse atributo era importante nas negociações das verbas comunitárias para o ambiente. Por outro lado, não teria qualquer peso político dentro do Governo.

A receita, no entanto, não resultou. Amílcar Theias era um peixe fora d'água em matérias ambientais, das quais pouco ou nada entendia. Não se deu bem com pelo menos dois dos seus secretários de Estado - o do Ambiente e o da Administração Local. E arrastou decisões sobre medidas anunciadas - como o lançamento do concurso para o tratamento de resíduos industriais, a aprovação da lei da água e a adopção de um novo regime de multas ambientais. Com isso, aprofundou a imagem de letargia que ambientalistas e oposição não se cansam de atribuir ao Ministério das Cidades.

O que mais terá saído errado para o Governo foi o facto de Theias agir por sua própria iniciativa, exibindo uma liberdade verbal própria de quem não é um político de carreira. No Verão quente do ano passado, Amílcar Theias disse que os ex-combatentes da guerra colonial que mantinham granadas em casa tinham responsabilidade nos fogos florestais.

Alguns meses mais tarde, Theias embaraçou directamente o primeiro-ministro, reagindo a quente à possibilidade da passagem da gestão das áreas protegidas para o Ministério da Agricultura. Numa declaração rascunhada numa viagem entre Bruxelas e Lisboa, e lida aos jornalistas no aeroporto, Theias disse que isto seria "uma cedência a interesses particulares" e que "mercantilizar" a conservação da natureza representaria "um retrocesso civilizacional".

Pelo seu estilo desprendido, Amílcar Theias até foi elogiado pelos ambientalistas. Ontem, a associação Quercus disse que o ministro deixa "uma imagem de elevada seriedade e de coragem política para resistir, embora como se comprova hoje e infelizmente, não por muito tempo, a muitas das pressões internas de outras áreas governativas e da coligação governativa".

Mas ao pôr as suas ideias em prática, Amílcar Theias embateu contra poderes mais fortes. Ao escolher o "seu" modelo para o sector das águas, e ao querer nomear a "sua" administração para as Águas de Portugal, o ministro pôs mais uma vez a sua cabeça a prémio. E aquele parece ter sido mais um motivo para caçá-la.

A entrada de Arlindo Cunha - o terceiro ministro das Cidades em dois anos de Governo - vai ser um novo teste à política ambiental de Durão Barroso. É um ex-ministro da Agricultura a comandar, agora, o ambiente. Não deixa de ser uma ironia, quando, no ano passado, levantou-se uma enorme onda de protestos contra a passagem da conservação da natureza para o Ministério da Agricultura.

A oposição não vê bons augúrios no que aí vem. "Vamos para o terceiro ministro do Ambiente e isto demonstra que o problema não é dos titulares da pasta, mas sim de política de ambiente", diz o deputado Pedro Silva Pereira, do PS. O Partido Ecologista "Os Verdes", não vê em Arlindo Cunha "especial competência e apetência pelas questões da sustentabilidade e do ambiente", segundo disse a deputada Isabel Castro à agência Lusa. O ministro reagiu na tomada de posse: "Se me sentisse incompetente não aceitaria o cargo".

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