O audiovisual contra o cinema?

24-11-2002
marcar artigo

O Audiovisual Contra o Cinema?

Por AUGUSTO M. SEABRA

Sexta-feira, 15 de Novembro de 2002 A relação televisões/cinema tem em Portugal fragilidades globais que afectam as possibilidades produtivas. E, quando há um governo que fez da defesa dos interesses linha de conduta, cabe perguntar se não terá sido na esfera do ministro da Presidência e do audiovisual que se delineou a estratégia de liquidação do cinema e do seu instituto As interpenetrações entre cinema e audiovisual, que é como quem diz televisões, são uma evidência, um factor mesmo determinante a nível das políticas de produção e, como tal, e pelo menos na Europa, vital à própria existência económica do cinema. Casos houve mesmo em que o perfil de um novo canal implicava especiais obrigações para com a produção cinematográfica: o Channel Four na Grã-Bretanha e o Canal Plus em França. No panorama geral de perturbação dos principais conglomerados multimediáticos, as nuvens que impendem em situações de produção cinematográfica na Europa são um factor da mais preocupante actualidade. Assim, a Film Four foi levada há três meses a afastar-se da participação directa na produção cinematográfica, depois dos insucessos comerciais obtidos quando enveredou por um perfil produtivo de muito maior escala e de muito menor identificação cultural do que era suposto - caso dos estrondosos insucessos de "Charlotte Gray", com Cate Blanchett, e de "Da Rússia com Amor", com Nicole Kidman. Assim, algumas das consequências culturalmente mais gravosas da estratégia suicidária de Jean-Marie Messier na Vivendi Universal são as que resultarem de um efeito de ricochete no perfil do Canal Plus, que no entanto foi a base da implantação mediática do grupo: o Studio Canal Plus e as suas subsidiárias Wild Bunch e Les Films Alain Sarde têm sido fulcrais à continuada produtiva do chamado "cinema de autor", francês, europeu e até não só, como no caso de "Mulloand Drive", de David Lynch. Com todas as enormes diferenças de espaço económico e de iniciativa de produção, também a situação do cinema em Portugal é substancialmente dependente de receitas provenientes das televisões, sobretudo das que não são contributo directo dessas mas resultam da taxa aplicada à publicidade nelas emitida - e como é sabido a situação de crise orçamental que atravessa o ICAM, Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, resulta do não pagamento pelas televisões das receitas dessa taxa, que retêm para os seus exercícios de tesouraria, de modo abusivo e mesmo ilegal. Se considerarmos que, pela incúria do cavaquismo, os operadores privados foram isentos de cadernos de encargos que, entre outros factores, os obrigassem para com a produção cinematográfica (como é a prática europeia), a relação televisões/cinema tem em Portugal fragilidades globais que ainda mais afectam as possibilidades produtivas. E, quando há um governo que fez da defesa dos interesses e voracidades dos seus apoiantes e ocasionais co-interessados linha de conduta, cabe perguntar se não terá sido na esfera do ministro da Presidência e do audiovisual que se delineou a estratégia de liquidação do cinema e do seu instituto. Seria não apenas ingenuidade, mas também um grave erro de avaliação não atender a que prioridade dada por este Governo ao problema da RTP, nos moldes em que o foi, viria a ter incidências importantes a nível cinematográfico. Mais em particular, a estrutura ambígua do ICAM, resultante do voluntarismo precipitado do então ministro Manuel Maria Carrilho, estaria nesta conjuntura sempre sujeita a tempestades resultantes dos diferentes modos de actuação e pesos políticos entre quem tem a tutela do cinema, e do instituto, o Ministério da Cultura, e quem tem a tutela da RTP e do audiovisual, o ministro da Presidência. A actual crise do ICAM não surpreende, não só dada a gravíssima situação orçamental acumulada, mas inclusive no plano político e até estritamente governamental. Desde que em 29 de Maio, na Assembleia da República, precisamente a propósito do ICAM (instituto que, recorde-se, é de outra tutela), o ministro Morais Sarmento teve ocasião de exprimir publicamente a pouca estima que tinha pelo seu colega Pedro Roseta, que era expectável partirem do "audiovisual" iniciativas contrárias aos interesse do "cinema". O resultado ultrapassou as piores expectativas. Quando: a) há um cineasta, José Fonseca e Costa, que vai à convenção do PSD declarar o seu inesperado apoio; b) há um cineasta, José Fonseca e Costa, que, ao contrário do publicamente noticiado, não integrou afinal o Grupo para o Serviço Público, mas que o ministro Morais Sarmento anunciou que iria "colaborar com o executivo em outros projectos ligados ao sector audiovisual" (PÚBLICO, 6/6/02); c) há um cineasta, José Fonseca e Costa, que apesar de ser aquele que tem aprovado há mais tempo um projecto ainda por iniciar, "Viúva Rica, Solteira Não Fica", entende que não só não deveria ter de se sujeitar a apreciações de júris, como apesar de ter um projecto atrasado tem legitimidade para avançar de imediato, com o apoio obrigado do ICAM, com um novo, "Fascínio" ("Lux Woman" de Setembro); d) há um projecto, "Fascínio" de José Fonseca e Costa, cuja insuficiente classificação na pontuação técnica de um júri de atribuição directa de subsídios suscita reticências da parte do secretário de Estado da Cultura, Amaral Lopes, por duas vezes devolvendo a proposta à procedência e não a homologando, situação inédita desde o início do instituto, em 1974; quando tudo isso sucede, o clima de suspeições sobre a isenção do Estado é intolerável - por menos que isso há comissões de inquérito. É difícil não nos interrogarmos sobre se, politicamente, o titular de cargo que resta na cultura, o secretário de Estado, não aceitou proceder à anulação da esfera própria de tutela cinematográfica para se agregar às estratégias de interesse geridas pelo ministro do audiovisual. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA NTV comemora primeiro aniversário em ambiente de expectativa

#Novos programas

#As vedetas da estação

#Um ano turbulento

Igreja afasta apoio a novos canais de TV

Nova administração na EBS2004

SIC assume dispensa de 30 jornalistas

MEDIATISMOS

O audiovisual contra o cinema?

O Audiovisual Contra o Cinema?

Por AUGUSTO M. SEABRA

Sexta-feira, 15 de Novembro de 2002 A relação televisões/cinema tem em Portugal fragilidades globais que afectam as possibilidades produtivas. E, quando há um governo que fez da defesa dos interesses linha de conduta, cabe perguntar se não terá sido na esfera do ministro da Presidência e do audiovisual que se delineou a estratégia de liquidação do cinema e do seu instituto As interpenetrações entre cinema e audiovisual, que é como quem diz televisões, são uma evidência, um factor mesmo determinante a nível das políticas de produção e, como tal, e pelo menos na Europa, vital à própria existência económica do cinema. Casos houve mesmo em que o perfil de um novo canal implicava especiais obrigações para com a produção cinematográfica: o Channel Four na Grã-Bretanha e o Canal Plus em França. No panorama geral de perturbação dos principais conglomerados multimediáticos, as nuvens que impendem em situações de produção cinematográfica na Europa são um factor da mais preocupante actualidade. Assim, a Film Four foi levada há três meses a afastar-se da participação directa na produção cinematográfica, depois dos insucessos comerciais obtidos quando enveredou por um perfil produtivo de muito maior escala e de muito menor identificação cultural do que era suposto - caso dos estrondosos insucessos de "Charlotte Gray", com Cate Blanchett, e de "Da Rússia com Amor", com Nicole Kidman. Assim, algumas das consequências culturalmente mais gravosas da estratégia suicidária de Jean-Marie Messier na Vivendi Universal são as que resultarem de um efeito de ricochete no perfil do Canal Plus, que no entanto foi a base da implantação mediática do grupo: o Studio Canal Plus e as suas subsidiárias Wild Bunch e Les Films Alain Sarde têm sido fulcrais à continuada produtiva do chamado "cinema de autor", francês, europeu e até não só, como no caso de "Mulloand Drive", de David Lynch. Com todas as enormes diferenças de espaço económico e de iniciativa de produção, também a situação do cinema em Portugal é substancialmente dependente de receitas provenientes das televisões, sobretudo das que não são contributo directo dessas mas resultam da taxa aplicada à publicidade nelas emitida - e como é sabido a situação de crise orçamental que atravessa o ICAM, Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimédia, resulta do não pagamento pelas televisões das receitas dessa taxa, que retêm para os seus exercícios de tesouraria, de modo abusivo e mesmo ilegal. Se considerarmos que, pela incúria do cavaquismo, os operadores privados foram isentos de cadernos de encargos que, entre outros factores, os obrigassem para com a produção cinematográfica (como é a prática europeia), a relação televisões/cinema tem em Portugal fragilidades globais que ainda mais afectam as possibilidades produtivas. E, quando há um governo que fez da defesa dos interesses e voracidades dos seus apoiantes e ocasionais co-interessados linha de conduta, cabe perguntar se não terá sido na esfera do ministro da Presidência e do audiovisual que se delineou a estratégia de liquidação do cinema e do seu instituto. Seria não apenas ingenuidade, mas também um grave erro de avaliação não atender a que prioridade dada por este Governo ao problema da RTP, nos moldes em que o foi, viria a ter incidências importantes a nível cinematográfico. Mais em particular, a estrutura ambígua do ICAM, resultante do voluntarismo precipitado do então ministro Manuel Maria Carrilho, estaria nesta conjuntura sempre sujeita a tempestades resultantes dos diferentes modos de actuação e pesos políticos entre quem tem a tutela do cinema, e do instituto, o Ministério da Cultura, e quem tem a tutela da RTP e do audiovisual, o ministro da Presidência. A actual crise do ICAM não surpreende, não só dada a gravíssima situação orçamental acumulada, mas inclusive no plano político e até estritamente governamental. Desde que em 29 de Maio, na Assembleia da República, precisamente a propósito do ICAM (instituto que, recorde-se, é de outra tutela), o ministro Morais Sarmento teve ocasião de exprimir publicamente a pouca estima que tinha pelo seu colega Pedro Roseta, que era expectável partirem do "audiovisual" iniciativas contrárias aos interesse do "cinema". O resultado ultrapassou as piores expectativas. Quando: a) há um cineasta, José Fonseca e Costa, que vai à convenção do PSD declarar o seu inesperado apoio; b) há um cineasta, José Fonseca e Costa, que, ao contrário do publicamente noticiado, não integrou afinal o Grupo para o Serviço Público, mas que o ministro Morais Sarmento anunciou que iria "colaborar com o executivo em outros projectos ligados ao sector audiovisual" (PÚBLICO, 6/6/02); c) há um cineasta, José Fonseca e Costa, que apesar de ser aquele que tem aprovado há mais tempo um projecto ainda por iniciar, "Viúva Rica, Solteira Não Fica", entende que não só não deveria ter de se sujeitar a apreciações de júris, como apesar de ter um projecto atrasado tem legitimidade para avançar de imediato, com o apoio obrigado do ICAM, com um novo, "Fascínio" ("Lux Woman" de Setembro); d) há um projecto, "Fascínio" de José Fonseca e Costa, cuja insuficiente classificação na pontuação técnica de um júri de atribuição directa de subsídios suscita reticências da parte do secretário de Estado da Cultura, Amaral Lopes, por duas vezes devolvendo a proposta à procedência e não a homologando, situação inédita desde o início do instituto, em 1974; quando tudo isso sucede, o clima de suspeições sobre a isenção do Estado é intolerável - por menos que isso há comissões de inquérito. É difícil não nos interrogarmos sobre se, politicamente, o titular de cargo que resta na cultura, o secretário de Estado, não aceitou proceder à anulação da esfera própria de tutela cinematográfica para se agregar às estratégias de interesse geridas pelo ministro do audiovisual. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA NTV comemora primeiro aniversário em ambiente de expectativa

#Novos programas

#As vedetas da estação

#Um ano turbulento

Igreja afasta apoio a novos canais de TV

Nova administração na EBS2004

SIC assume dispensa de 30 jornalistas

MEDIATISMOS

O audiovisual contra o cinema?

marcar artigo