Um lugar de contemporaneidade

28-10-2002
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Um Lugar de Contemporaneidade

Por ANDRÉ BARATA

Sábado, 28 de Setembro de 2002

A revista "Análise" apareceu já num longínquo ano de 1984 por mão do marcante epistemólogo português Fernando Gil, que a dirigiu até ao seu n.º 20. Bastou essa vintena de números para que "Análise" representasse uma etapa crucial no desenvolvimento em Portugal da investigação, até então pouco assinalável, em filosofia da ciência e epistemologia.

Tal desempenho é hoje bem reconhecido por aqueles que se dedicam à história mais recente da investigação filosófica realizada por autores portugueses. Atesta-o, de forma exemplar, as palavras que se pode ler na "História do Pensamento Filosófico Português" - "'Análise' surge como lugar de contemporaneidade, onde pensadores portugueses e estrangeiros divulgam resultados das suas investigações epistemológicas, muitas vezes integradas em textos de índole científica".

Entretanto, sob a chancela da Campo das Letras (cuja actividade editorial se estende ainda a duas colecções de títulos de natureza explicitamente filosófica, a Campo da Filosofia e a Zetésis) e a direcção de Luísa Couto Soares, "Análise" ressurgiu há dois anos. E na sequência desta retoma, à qual Fernando Gil permanece associado como investigador responsável, já vieram à estampa três números que, respeitando a expectativa fundadora, procuram cruzar os lugares contemporâneos da reflexão sobre a ciência, os discursos fenomenológicos, alguns tendentes mesmo a uma pós-fenomenologia, o universo das abordagens ligadas ao pensamento anglo-americano como o cognitivismo

O presente número (23.º) é composto por cinco artigos, quatro deles de investigadores portugueses, além de duas notas de leitura.

O artigo mais longo é da autoria de Pedro Alves, fenomenólogo da Faculdade de Letras de Lisboa. Justifica aí um regresso à teoria da percepção de Edmund Husserl, o fundador da fenomenologia, uma das mais importantes tradições filosóficas do séc. XX no continente europeu. Neste artigo expõe-se de forma sistemática as limitações de uma compreensão da percepção baseada no modelo lógico de um objecto ideal que é constituído através de sínteses de identificação entre determinações, tal e qual um sujeito lógico na sua relação com os seus predicados (tipo "S é p, e é q, e é r, ..."). Como contrapartida positiva, o autor realça as diferenças com que é constituído o objecto individual da percepção, já não através da tal identificação entre determinações abstractas, mas, bem diversamente, através de uma síntese de unidade que se constitui temporalmente.

Também professor da Faculdade de Letras de Lisboa, António Pedro Mesquita avalia o princípio da indiscernibilidade dos idênticos (quer dizer: que entre idênticos não é possível obter algo por que os discernir) numa análise fina de um trecho das "Refutações Sofísticas" de Aristóteles.

Sofia Minguens, professora da Faculdade de Letras do Porto, toma em atenção dois conceitos centrais na Filosofia Moral, o de pessoa e de acção, para testar as suas condições de aplicação no quadro, que toma por referência, do filósofo norte-americano Daniel Dennett.

Adelino Cardoso, investigador no Gabinete de Filosofia do Conhecimento e do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, reflecte sobre os "Ensaios" de Montaigne, propondo a sua articulação com o que denomina "génese da subjectividade moderna". Intitula-se o seu artigo, exibindo logo aí a sua tese, "O Eu como humanidade singular em Montaigne". Este artigo de Adelino Cardoso integra também o seu mais recente livro, "Fulgurações do Eu" (ed. Colibri), onde procura de maneira atenta e subtil encontrar, logo no pensamento do Renascimento e, portanto, antes da instauração do paradigma do "cogito" de René Descartes, outras figuras, ou, mais exactamente, fulgurações do Eu - por exemplo, em Montaigne, mas também em Francisco Sanches e Bernardim Ribeiro.

Um último artigo, de autoria de Michèle Cohen-Halimi, discute a importância, no seio da obra crítica de Kant, do "Apêndice à anfibologia dos conceitos da reflexão".

Um Lugar de Contemporaneidade

Por ANDRÉ BARATA

Sábado, 28 de Setembro de 2002

A revista "Análise" apareceu já num longínquo ano de 1984 por mão do marcante epistemólogo português Fernando Gil, que a dirigiu até ao seu n.º 20. Bastou essa vintena de números para que "Análise" representasse uma etapa crucial no desenvolvimento em Portugal da investigação, até então pouco assinalável, em filosofia da ciência e epistemologia.

Tal desempenho é hoje bem reconhecido por aqueles que se dedicam à história mais recente da investigação filosófica realizada por autores portugueses. Atesta-o, de forma exemplar, as palavras que se pode ler na "História do Pensamento Filosófico Português" - "'Análise' surge como lugar de contemporaneidade, onde pensadores portugueses e estrangeiros divulgam resultados das suas investigações epistemológicas, muitas vezes integradas em textos de índole científica".

Entretanto, sob a chancela da Campo das Letras (cuja actividade editorial se estende ainda a duas colecções de títulos de natureza explicitamente filosófica, a Campo da Filosofia e a Zetésis) e a direcção de Luísa Couto Soares, "Análise" ressurgiu há dois anos. E na sequência desta retoma, à qual Fernando Gil permanece associado como investigador responsável, já vieram à estampa três números que, respeitando a expectativa fundadora, procuram cruzar os lugares contemporâneos da reflexão sobre a ciência, os discursos fenomenológicos, alguns tendentes mesmo a uma pós-fenomenologia, o universo das abordagens ligadas ao pensamento anglo-americano como o cognitivismo

O presente número (23.º) é composto por cinco artigos, quatro deles de investigadores portugueses, além de duas notas de leitura.

O artigo mais longo é da autoria de Pedro Alves, fenomenólogo da Faculdade de Letras de Lisboa. Justifica aí um regresso à teoria da percepção de Edmund Husserl, o fundador da fenomenologia, uma das mais importantes tradições filosóficas do séc. XX no continente europeu. Neste artigo expõe-se de forma sistemática as limitações de uma compreensão da percepção baseada no modelo lógico de um objecto ideal que é constituído através de sínteses de identificação entre determinações, tal e qual um sujeito lógico na sua relação com os seus predicados (tipo "S é p, e é q, e é r, ..."). Como contrapartida positiva, o autor realça as diferenças com que é constituído o objecto individual da percepção, já não através da tal identificação entre determinações abstractas, mas, bem diversamente, através de uma síntese de unidade que se constitui temporalmente.

Também professor da Faculdade de Letras de Lisboa, António Pedro Mesquita avalia o princípio da indiscernibilidade dos idênticos (quer dizer: que entre idênticos não é possível obter algo por que os discernir) numa análise fina de um trecho das "Refutações Sofísticas" de Aristóteles.

Sofia Minguens, professora da Faculdade de Letras do Porto, toma em atenção dois conceitos centrais na Filosofia Moral, o de pessoa e de acção, para testar as suas condições de aplicação no quadro, que toma por referência, do filósofo norte-americano Daniel Dennett.

Adelino Cardoso, investigador no Gabinete de Filosofia do Conhecimento e do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, reflecte sobre os "Ensaios" de Montaigne, propondo a sua articulação com o que denomina "génese da subjectividade moderna". Intitula-se o seu artigo, exibindo logo aí a sua tese, "O Eu como humanidade singular em Montaigne". Este artigo de Adelino Cardoso integra também o seu mais recente livro, "Fulgurações do Eu" (ed. Colibri), onde procura de maneira atenta e subtil encontrar, logo no pensamento do Renascimento e, portanto, antes da instauração do paradigma do "cogito" de René Descartes, outras figuras, ou, mais exactamente, fulgurações do Eu - por exemplo, em Montaigne, mas também em Francisco Sanches e Bernardim Ribeiro.

Um último artigo, de autoria de Michèle Cohen-Halimi, discute a importância, no seio da obra crítica de Kant, do "Apêndice à anfibologia dos conceitos da reflexão".

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