EXPRESSO: Vidas

26-06-2002
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PESSOAS

Empresário

O guardador de arquivos

Paulo Veiga ganha a vida a guardar os papéis dos outros. Em Palmela e Vila do Conde estão toneladas de arquivos Texto de Jorge Fiel Fotografias José Ventura

No divertido filme, em cartaz nas salas portuguesas com o descoroçoante título, o bem-sucedido banqueiro de investimentos Jack Campbell (Nicholas Cage) faz uma graçola machista -- quando a secretária o avisa que lhe telefonou Kate (Téa Leoni), a ex-namorada que ele não vê há 13 anos.

Guardar e tratar arquivos é o negócio do economista Paulo Veiga e de Carla Gonçalves, uma engenheira agrónoma que acumula várias funções: é a directora geral da Empresa de Arquivo e Documentação (EAD), SA, antiga namorada de Paulo (começaram a andar de mão dada no 9º ano) e actual mulher - ou seja logrou escapar ao destino de ser arquivada como a declaração de rendimentos de que nos fala Nicholas Cage.

Paulo Veiga tinha 24 anos e acabado de concluir a licenciatura em Economia no ISE quando, em 1993, fundou a EAD, preferindo guardar os arquivos dos outros em armazéns nos arredores de Lisboa e do Porto a combater a sazonalidade dos morangos numa quinta em Vila Nova de Milfontes - o seu primeiro projecto empresarial foi arquivado sem nunca ter chegado a sair do papel.

A opção foi simples. Thierry Roussel, o genro de Onassis, tinha-se estatelado ao comprido com uma exploração frutícola no Alentejo. E guardar arquivos tresandava a bom negócio, atendendo a duas variáveis: o elevado preço do metro quadrado de escritório em Lisboa e a obrigatoriedade fiscal de manter arquivados por dez anos os documentos que suportam as declarações de impostos.

Há várias maneiras de aferir o sucesso de uma empresa. A medida mais clássica é a dos lucros. Em oito anos de actividade nunca a EAD esteve no vermelho. «Desde o primeiro ano que pagamos IRC», declara orgulhoso Paulo. Outra, talvez a mais significativa, são os 75 quilómetros de arquivos de 140 empresas que guarda e trata, contra o pagamento de um aluguer anual.

Se colocadas em linha recta, umas atrás das outras, as 110 mil caixas/contentores (cada uma contém quatro pastas A4) que Paulo tem sob custódia estender-se-iam ao longo dos 75 km que separam Aveiro do Porto - consideravelmente mais que os 50 km (a distância entre Braga e Porto) que ocupariam os documentos depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

A carteira actual de 140 clientes tem 125 quilómetros de margem para crescer. Nos armazéns de Palmela e Vila do Conde, a EAD tem 200 quilómetros de capacidade instalada.

Libertar espaço é a principal motivação das empresas que recorrem aos serviços de Paulo Veiga. Para quê ocupar valiosos metros quadrados de escritório se contra o pagamento anual de 1500 escudos por contentor há quem lhe tome conta dos arquivos?a EAD garante aos clientes que um arquivo colocado nas suas mãos não estará morto - antes vivíssimo da Silva. «O cliente precisa com urgência de uma determinada factura de 1992? Garantimos-lhe que no prazo de meia hora a tem em cima da secretária», jura Paulo Veiga, um jovem empresário de 32 anos, com pós-graduação em Ciências Documentais.

A custódia de arquivo é o serviço básico. A EAD disponibiliza também um serviço diário de recolha de documentos, prontifica-se a organizar o arquivo, digitalizá-lo, limpá-lo periodicamente - destruindo. se for esse o desejo do cliente, a papelada que deixou de ser necessário guardar por razões fiscais.

A confidencialidade é a alma do negócio de Paulo, que recusa revelar o nome de qualquer dos seus 140 clientes, limitando-se a elencar os sectores em que se movem: telecomunicações, banca, seguros, indústria alimentar, transportes, etc. Em nome da confidencialidade, as pastas estão seladas - «o selo só é violado com a prévia autorização do cliente» - e identificadas por um número de código.

Às escuras e sem medo

Como os armazéns não têm instalação eléctrica, Paulo Veiga usa uma lanterna de mineiro

Ele não tem medo de nada. Os irredutíveis gauleses que se empanturravam em poção mágica fabricada pelo druida Panoramix só tinham medo de uma coisa: que o céu lhes caísse em cima da cabeça. Paulo Veiga nem disso tem medo., declara, quando lhe perguntamos se não teme que um incêndio destrua os arquivos que lhe foram confiados.

A EAD tem toda a papelada no seguro, mas os cinco contos que receberiam por caixa ardida saberiam a muito pouco aos clientes. Por isso, tratou de reduzir a zero a hipótese de incêndio.

Como? Em primeiro lugar é absolutamente proibido fumar. Depois, não há qualquer tipo de instalação eléctrica nos armazéns onde estão acondicionados os contentores com os arquivos dos 140 clientes - e também não há água para evitar inundações.

Para vencer a escuridão, quando precisam de ir aos armazéns, os 30 jovens empregados da EAD (o mais velho tem 34 anos) usam na cabeça uma lanterna de mineiro.

«Fogo só se for posto e mesmo assim duvido que fosse possível, porque os armazéns estão sob vigilância permanente 24 horas por dia», garante Paulo, desfiando de seguida a parafernália de protecções de que dispõe: detector de inundação, pára-raios, desumidificadores, que protegem a existência das 10 mil toneladas de documentos que tem à sua guarda. «E ainda há pequenos truques. Por exemplo, nenhuma das nossas portas está virada a norte porque é de lá que vem a chuva», exemplifica. Ácaros, baratas, ratos e bichos do papel são mensalmente combatidos pela desinfestação.

Paulo Veiga não inventou a roda quando decidiu criar uma empresa especializada na custódia e gestão de arquivos. Limitou-se a adaptar uma ideia aprendida em Madrid, quando há dez anos fazia um estágio nas férias de Verão, entre o 4º e o 5º ano, na Inespal, uma companhia de alumínios que contratara a guarda dos arquivos a uma empresa especializada.

Filho de pais alentejanos - a mãe é doméstica e o pai director da Makro no Algarve -, Paulo tinha a fixação de se tornar empresário: «Queria fazer uma empresa minha. Odiava a perspectiva de ir trabalhar para um banco e ter como principais preocupações no dia-a-dia sair às cinco, planear as férias e gastar algum tempo no local de trabalho a trocar coscuvilhices com os colegas».

O caminho da EAD foi sinuoso mas o horizonte parece radioso. Há uma década, fecharam-se-lhe as primeiras portas a que bateu para tentar arranjar os 20 mil contos necessários para transformar em realidade o projecto de criar uma empresa para guardar os arquivos dos outros. O BPA não acreditou no negócio. E não passou sequer da triagem no FAIJE IV, Fundo de Apoio à Iniciativa dos Jovens Empresários gerido pela ANJE, de que Paulo Veiga é actualmente dirigente. Mas a persistência recompensou o esforço - que tem sido premiado.

Em 1999, a EAD foi distinguida com uma menção honrosa no concurso Young Business Achiever, promovido pelo Worldcom Group. E, no Verão passado, venceu em Portugal a categoria Inovação do prémio para jovens empreendedores promovido pela Comissão Europeia.

PESSOAS

Empresário

O guardador de arquivos

Paulo Veiga ganha a vida a guardar os papéis dos outros. Em Palmela e Vila do Conde estão toneladas de arquivos Texto de Jorge Fiel Fotografias José Ventura

No divertido filme, em cartaz nas salas portuguesas com o descoroçoante título, o bem-sucedido banqueiro de investimentos Jack Campbell (Nicholas Cage) faz uma graçola machista -- quando a secretária o avisa que lhe telefonou Kate (Téa Leoni), a ex-namorada que ele não vê há 13 anos.

Guardar e tratar arquivos é o negócio do economista Paulo Veiga e de Carla Gonçalves, uma engenheira agrónoma que acumula várias funções: é a directora geral da Empresa de Arquivo e Documentação (EAD), SA, antiga namorada de Paulo (começaram a andar de mão dada no 9º ano) e actual mulher - ou seja logrou escapar ao destino de ser arquivada como a declaração de rendimentos de que nos fala Nicholas Cage.

Paulo Veiga tinha 24 anos e acabado de concluir a licenciatura em Economia no ISE quando, em 1993, fundou a EAD, preferindo guardar os arquivos dos outros em armazéns nos arredores de Lisboa e do Porto a combater a sazonalidade dos morangos numa quinta em Vila Nova de Milfontes - o seu primeiro projecto empresarial foi arquivado sem nunca ter chegado a sair do papel.

A opção foi simples. Thierry Roussel, o genro de Onassis, tinha-se estatelado ao comprido com uma exploração frutícola no Alentejo. E guardar arquivos tresandava a bom negócio, atendendo a duas variáveis: o elevado preço do metro quadrado de escritório em Lisboa e a obrigatoriedade fiscal de manter arquivados por dez anos os documentos que suportam as declarações de impostos.

Há várias maneiras de aferir o sucesso de uma empresa. A medida mais clássica é a dos lucros. Em oito anos de actividade nunca a EAD esteve no vermelho. «Desde o primeiro ano que pagamos IRC», declara orgulhoso Paulo. Outra, talvez a mais significativa, são os 75 quilómetros de arquivos de 140 empresas que guarda e trata, contra o pagamento de um aluguer anual.

Se colocadas em linha recta, umas atrás das outras, as 110 mil caixas/contentores (cada uma contém quatro pastas A4) que Paulo tem sob custódia estender-se-iam ao longo dos 75 km que separam Aveiro do Porto - consideravelmente mais que os 50 km (a distância entre Braga e Porto) que ocupariam os documentos depositados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

A carteira actual de 140 clientes tem 125 quilómetros de margem para crescer. Nos armazéns de Palmela e Vila do Conde, a EAD tem 200 quilómetros de capacidade instalada.

Libertar espaço é a principal motivação das empresas que recorrem aos serviços de Paulo Veiga. Para quê ocupar valiosos metros quadrados de escritório se contra o pagamento anual de 1500 escudos por contentor há quem lhe tome conta dos arquivos?a EAD garante aos clientes que um arquivo colocado nas suas mãos não estará morto - antes vivíssimo da Silva. «O cliente precisa com urgência de uma determinada factura de 1992? Garantimos-lhe que no prazo de meia hora a tem em cima da secretária», jura Paulo Veiga, um jovem empresário de 32 anos, com pós-graduação em Ciências Documentais.

A custódia de arquivo é o serviço básico. A EAD disponibiliza também um serviço diário de recolha de documentos, prontifica-se a organizar o arquivo, digitalizá-lo, limpá-lo periodicamente - destruindo. se for esse o desejo do cliente, a papelada que deixou de ser necessário guardar por razões fiscais.

A confidencialidade é a alma do negócio de Paulo, que recusa revelar o nome de qualquer dos seus 140 clientes, limitando-se a elencar os sectores em que se movem: telecomunicações, banca, seguros, indústria alimentar, transportes, etc. Em nome da confidencialidade, as pastas estão seladas - «o selo só é violado com a prévia autorização do cliente» - e identificadas por um número de código.

Às escuras e sem medo

Como os armazéns não têm instalação eléctrica, Paulo Veiga usa uma lanterna de mineiro

Ele não tem medo de nada. Os irredutíveis gauleses que se empanturravam em poção mágica fabricada pelo druida Panoramix só tinham medo de uma coisa: que o céu lhes caísse em cima da cabeça. Paulo Veiga nem disso tem medo., declara, quando lhe perguntamos se não teme que um incêndio destrua os arquivos que lhe foram confiados.

A EAD tem toda a papelada no seguro, mas os cinco contos que receberiam por caixa ardida saberiam a muito pouco aos clientes. Por isso, tratou de reduzir a zero a hipótese de incêndio.

Como? Em primeiro lugar é absolutamente proibido fumar. Depois, não há qualquer tipo de instalação eléctrica nos armazéns onde estão acondicionados os contentores com os arquivos dos 140 clientes - e também não há água para evitar inundações.

Para vencer a escuridão, quando precisam de ir aos armazéns, os 30 jovens empregados da EAD (o mais velho tem 34 anos) usam na cabeça uma lanterna de mineiro.

«Fogo só se for posto e mesmo assim duvido que fosse possível, porque os armazéns estão sob vigilância permanente 24 horas por dia», garante Paulo, desfiando de seguida a parafernália de protecções de que dispõe: detector de inundação, pára-raios, desumidificadores, que protegem a existência das 10 mil toneladas de documentos que tem à sua guarda. «E ainda há pequenos truques. Por exemplo, nenhuma das nossas portas está virada a norte porque é de lá que vem a chuva», exemplifica. Ácaros, baratas, ratos e bichos do papel são mensalmente combatidos pela desinfestação.

Paulo Veiga não inventou a roda quando decidiu criar uma empresa especializada na custódia e gestão de arquivos. Limitou-se a adaptar uma ideia aprendida em Madrid, quando há dez anos fazia um estágio nas férias de Verão, entre o 4º e o 5º ano, na Inespal, uma companhia de alumínios que contratara a guarda dos arquivos a uma empresa especializada.

Filho de pais alentejanos - a mãe é doméstica e o pai director da Makro no Algarve -, Paulo tinha a fixação de se tornar empresário: «Queria fazer uma empresa minha. Odiava a perspectiva de ir trabalhar para um banco e ter como principais preocupações no dia-a-dia sair às cinco, planear as férias e gastar algum tempo no local de trabalho a trocar coscuvilhices com os colegas».

O caminho da EAD foi sinuoso mas o horizonte parece radioso. Há uma década, fecharam-se-lhe as primeiras portas a que bateu para tentar arranjar os 20 mil contos necessários para transformar em realidade o projecto de criar uma empresa para guardar os arquivos dos outros. O BPA não acreditou no negócio. E não passou sequer da triagem no FAIJE IV, Fundo de Apoio à Iniciativa dos Jovens Empresários gerido pela ANJE, de que Paulo Veiga é actualmente dirigente. Mas a persistência recompensou o esforço - que tem sido premiado.

Em 1999, a EAD foi distinguida com uma menção honrosa no concurso Young Business Achiever, promovido pelo Worldcom Group. E, no Verão passado, venceu em Portugal a categoria Inovação do prémio para jovens empreendedores promovido pela Comissão Europeia.

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