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17-08-2004
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Helena de Sacadura Cabral

Jornalista, escritora e economista Helena de Sacadura Cabral é grande apreciadora da cozinha tradicional portuguesa mas não dispensa outros sabores como os da cozinha indiana, japonesa ou espanhola. Mãe de Paulo Portas e Miguel Portas, adora comer, cozinhar e receber os amigos e a família à mesa.

SPG/Sapo - O que pensa da cozinha portuguesa?

Helena de Sacadura Cabral - É das cozinhas mais ricas, com coisas mais pobres. Ou seja, a arte culinária portuguesa pode dividir-se em dois campos: a arte rica, com muitos ovos e muita imaginação e, na arte pobre, usam-se as partes mais pobres do peixe, da carne e até dos vegetais, trabalhados sempre com muita criatividade. Gosto muito de cozinha francesa mas pelo lado depurado. A cozinha portuguesa tem também esta finura, mesmo no cozido à portuguesa, embora tenha digestão difícil. Somos um povo de navegadores e preservamos algumas dessas tradições, desenvolvendo pratos especiais. Eu acho que a cozinha portuguesa merecia um lugar de honra em qualquer cozinha mundial.

SPG/Sapo - Além da cozinha portuguesa que outras cozinhas gosta?

Helena de Sacadura Cabral - Sou um péssimo exemplo, pois gosto muito de comer. Adoro comida indiana, muito condimentada, gosto da comida espanhola. Gosto da comida mexicana e da comida francesa e belga. Neste país come-se maravilhosamente. Não acho graça à cozinha inglesa, mas gosto de alguma comida nórdica e comida chinesa. Também gosto da comida japonesa. Não sou uma mulher de sabores suaves. Sou uma mulher de estrutura sólida.

SPG/Sapo - Tem algum cuidado com a alimentação?

Helena de Sacadura Cabral - Engordei com a idade e dolorosamente não me importo nada. Não faço qualquer restrição. Adoro comer e tiro da mesa muito prazer. É um acto de amor que gosto de partilhar com os outros. Tenho prazer em manter uma mesa posta. Entrei numa família alentejana, a família Portas, com influências galegas, em cuja casa se comia muito bem. A minha sogra cozinhava divinamente.

SPG/Sapo - Com a idade as pessoas apreciam mais a mesa?

Helena de Sacadura Cabral - Infelizmente é verdade. Eu acho que sim. Quando se é jovem teme-se na entrega amorosa as consequências, como a gravidez, com a idade as pessoas libertam-se desses riscos e ficam mais livres. Ao nível da boca a gente vai experimentando, com a idade, coisas diferentes. As pessoas têm tendência a comer pouco à noite. Eu gosto de comer muito, gosto de cear. Um dia morro pela boca. Mas tendo que morrer por alguma coisa que seja por isso. A experimentação permite apreciar melhor.

SPG/Sapo - Qual é a relação que faz entre a gastronomia, a família, os amigos?

Helena de Sacadura Cabral - É total. Eu não concebo a família sem partilha de mesa. Não concebo amigos sem partilha de comida e mais, os negócios que ao longo da minha vida fiz foram sempre regados de alimentação. Não é o almoço de negócios mas quando se negoceia qualquer coisa difícil deve ser amaciado com uma boa refeição e um bom vinho.

SPG/Sapo - Gosta de cozinhar? Quais são os pratos que elege para confeccionar?

Helena de Sacadura Cabral - Tudo o que é do Alentejo. Adoro fazer os pezinhos de coentrada, um bom lombo, costeletas de borrego. Adoro migas, sopas de cação, jaquinzinhos fritos. Sou muito pouco requintada da alimentação. Adoro queijo. Fico satisfeita com uma refeição de queijos, pão e vinhos. Também faço bem pratos delicados. Cozinho bem, pois cozinho com muito prazer. Gosto de fazer bacalhau de coentrada, garoupa ao sal. Adoro cozinhar e adoro comer.

SPG/Sapo - É uma boa apreciadora de vinhos?

Helena de Sacadura Cabral - Já fiz parte de provas de vinhos. Sinto que, como a pintura a pessoa precisa de aprender, de se instruir. Há vinhos que eu gosto mas que eu sei que não são bons vinhos. Tenho por isso amigos que são bons apreciadores de vinhos a quem recorro quando preciso. Percebo mais de charutos do que de vinhos. Embora eu ache que um bom cognac, um bom vinho e um bom digestivo é a alegria de uma boa refeição.

SPG/Sapo - O que é que mais aprecia num restaurante, e no oposto, o que menos aprecia?

Helena de Sacadura Cabral - Como em tudo na vida detesto o pedantismo, o falso bom, aquilo que tem só dourados, luzes. O que eu mais detesto num restaurante é o armar ao pingarelho. Eu sinto-me e sento-me numa taberna como me sinto e sento num restaurante fino. O ambiente tem que ser agradável, mas a mobília e a decoração não é o principal. Vou à Tia Alice em Fátima muitas vezes e como muito bem. A mesa é branca, a toalha faz-me lembrar a de casa dos meus avós e meus pais. Há simplicidade. Eu gosto de um certo despojamento. Preciso de intervalar a minha vida, que é quente, calorosa, cheia, com períodos de despojamento. Na cozinha às vezes apetece-me estar num período de cozidos, de canja. O que eu mais detesto é o falso bom.

SPG/Sapo - Quais os restaurante de que mais gosta?

Helena de Sacadura Cabral - A Tia Alice, gosto do Nariz de Vinho Tinto, na Lapa, gosto do Gambrinus, pela forma como sou recebida, gosto da Vela Latina, da Estufa Real, do antigo Terraço do Hotel Tivoli, do restaurante do Lawrense, em Sintra.

SPG/Sapo - O que pensa das casas de pasto?

Helena de Sacadura Cabral - Sou do tempo em que era frequente ir a casas de pasto. Eu entro em qualquer sito sem qualquer problema para a forma como sou olhada. Eu tive um período da minha vida profissional em que estive desterrada no Príncipe Real, em que em frente havia uma casa que servia caracóis e outros petiscos. Comi sardinha assada fantástica numa carvoaria. Eu não tenho nenhum problema em ir a estes sítios. O meu filho Paulo é também assim. Na minha rua conheço toda a gente pelo nome. Gosto de fazer na cidade vida de campo. Olho numa casa de pasto com o mesmo à vontade com que entro no English Bar, no Estoril. Tenho muito pena que se tenha perdido a tradição da casa de pasto do tempo em que era menina. É um sítio onde se come boa comida e ajuda a afinar o gosto daqueles que por não terem posses não chegam a saber como são certos tipo de cozinha e comidas. Servem vinho genuíno.

SPG/Sapo - Tem alguma história engraçada passada num restaurante?

Helena de Sacadura Cabral - Não. Há uma que para mim não tem graça nenhuma. Eu deixei de poder ter um dos grandes prazeres da minha vida que era comer com os meus filhos. Ir comer fora, rir. Cheguei à conclusão que isso era um caso perdido. Um dia resolvi não comer em casa e ir comer fora com os meus filhos. Fomos a um restaurante em Campo de Ourique. Fui com o Paulo, o Miguel também apareceu. Rimos muito. No fim o senhor do restaurante ofereceu-me uma garrafa que ainda preservo. Foi uma coisa que me comoveu. Foi buscar uma das coisas melhores que tinha para nos presentear. Também já aconteceu ir almoçar a um restaurante com uma pessoa do Norte que trajava um fato de linho cru lindíssimo. O rapaz, ao servir-nos o vinho, derramou parte por cima do fato. Foi uma situação terrível. Semanas depois perguntei pelo fato, e o senhor disse-me que o vinho tinha desaparecido. Significa que o vinho era de excelente qualidade.

SPG/Sapo - Que comentários faz à restauração portuguesa?

Helena de Sacadura Cabral - Há duas ópticas para ver isso. Habitualmente não se liga a restauração ao alojamento, tem-se por norma a idéia de que um hotel não é um sítio onde se possa comer bem. Eu tenho pena que assim seja. Nós que temos recantos muito agradáveis não temos uma cozinha a esse nível, pois não se aproveitam os hotéis para se comer bem. Como viajei muito e conheci os sítios mais diversos, frequentei hotéis com bons restaurantes. De uma maneira geral a restauração em Portugal é média, não é muito boa, enquanto que a cozinha portuguesa é muito boa. A globalização abastardou um bocadinho a restauração em Portugal e eu tenho pena. Cozinha-se mais para o estrangeiro, com uma cozinha internacional do que se aproveita em vender ao estrangeiro aquilo que nós temos: boas louças, boa comida , bons vinhos. Numa classificação de zero a 20 dava 12 e podíamos estar no 17 ou no 18. A não ser em sítios muito bons, o que não é acessível a todas as bocas.

Fotos : João Prata

Entrevista : Mário Rodrigues

A crónica de Helena de Sacadura Cabral O Gosto Pela Comida

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Helena de Sacadura Cabral

Jornalista, escritora e economista Helena de Sacadura Cabral é grande apreciadora da cozinha tradicional portuguesa mas não dispensa outros sabores como os da cozinha indiana, japonesa ou espanhola. Mãe de Paulo Portas e Miguel Portas, adora comer, cozinhar e receber os amigos e a família à mesa.

SPG/Sapo - O que pensa da cozinha portuguesa?

Helena de Sacadura Cabral - É das cozinhas mais ricas, com coisas mais pobres. Ou seja, a arte culinária portuguesa pode dividir-se em dois campos: a arte rica, com muitos ovos e muita imaginação e, na arte pobre, usam-se as partes mais pobres do peixe, da carne e até dos vegetais, trabalhados sempre com muita criatividade. Gosto muito de cozinha francesa mas pelo lado depurado. A cozinha portuguesa tem também esta finura, mesmo no cozido à portuguesa, embora tenha digestão difícil. Somos um povo de navegadores e preservamos algumas dessas tradições, desenvolvendo pratos especiais. Eu acho que a cozinha portuguesa merecia um lugar de honra em qualquer cozinha mundial.

SPG/Sapo - Além da cozinha portuguesa que outras cozinhas gosta?

Helena de Sacadura Cabral - Sou um péssimo exemplo, pois gosto muito de comer. Adoro comida indiana, muito condimentada, gosto da comida espanhola. Gosto da comida mexicana e da comida francesa e belga. Neste país come-se maravilhosamente. Não acho graça à cozinha inglesa, mas gosto de alguma comida nórdica e comida chinesa. Também gosto da comida japonesa. Não sou uma mulher de sabores suaves. Sou uma mulher de estrutura sólida.

SPG/Sapo - Tem algum cuidado com a alimentação?

Helena de Sacadura Cabral - Engordei com a idade e dolorosamente não me importo nada. Não faço qualquer restrição. Adoro comer e tiro da mesa muito prazer. É um acto de amor que gosto de partilhar com os outros. Tenho prazer em manter uma mesa posta. Entrei numa família alentejana, a família Portas, com influências galegas, em cuja casa se comia muito bem. A minha sogra cozinhava divinamente.

SPG/Sapo - Com a idade as pessoas apreciam mais a mesa?

Helena de Sacadura Cabral - Infelizmente é verdade. Eu acho que sim. Quando se é jovem teme-se na entrega amorosa as consequências, como a gravidez, com a idade as pessoas libertam-se desses riscos e ficam mais livres. Ao nível da boca a gente vai experimentando, com a idade, coisas diferentes. As pessoas têm tendência a comer pouco à noite. Eu gosto de comer muito, gosto de cear. Um dia morro pela boca. Mas tendo que morrer por alguma coisa que seja por isso. A experimentação permite apreciar melhor.

SPG/Sapo - Qual é a relação que faz entre a gastronomia, a família, os amigos?

Helena de Sacadura Cabral - É total. Eu não concebo a família sem partilha de mesa. Não concebo amigos sem partilha de comida e mais, os negócios que ao longo da minha vida fiz foram sempre regados de alimentação. Não é o almoço de negócios mas quando se negoceia qualquer coisa difícil deve ser amaciado com uma boa refeição e um bom vinho.

SPG/Sapo - Gosta de cozinhar? Quais são os pratos que elege para confeccionar?

Helena de Sacadura Cabral - Tudo o que é do Alentejo. Adoro fazer os pezinhos de coentrada, um bom lombo, costeletas de borrego. Adoro migas, sopas de cação, jaquinzinhos fritos. Sou muito pouco requintada da alimentação. Adoro queijo. Fico satisfeita com uma refeição de queijos, pão e vinhos. Também faço bem pratos delicados. Cozinho bem, pois cozinho com muito prazer. Gosto de fazer bacalhau de coentrada, garoupa ao sal. Adoro cozinhar e adoro comer.

SPG/Sapo - É uma boa apreciadora de vinhos?

Helena de Sacadura Cabral - Já fiz parte de provas de vinhos. Sinto que, como a pintura a pessoa precisa de aprender, de se instruir. Há vinhos que eu gosto mas que eu sei que não são bons vinhos. Tenho por isso amigos que são bons apreciadores de vinhos a quem recorro quando preciso. Percebo mais de charutos do que de vinhos. Embora eu ache que um bom cognac, um bom vinho e um bom digestivo é a alegria de uma boa refeição.

SPG/Sapo - O que é que mais aprecia num restaurante, e no oposto, o que menos aprecia?

Helena de Sacadura Cabral - Como em tudo na vida detesto o pedantismo, o falso bom, aquilo que tem só dourados, luzes. O que eu mais detesto num restaurante é o armar ao pingarelho. Eu sinto-me e sento-me numa taberna como me sinto e sento num restaurante fino. O ambiente tem que ser agradável, mas a mobília e a decoração não é o principal. Vou à Tia Alice em Fátima muitas vezes e como muito bem. A mesa é branca, a toalha faz-me lembrar a de casa dos meus avós e meus pais. Há simplicidade. Eu gosto de um certo despojamento. Preciso de intervalar a minha vida, que é quente, calorosa, cheia, com períodos de despojamento. Na cozinha às vezes apetece-me estar num período de cozidos, de canja. O que eu mais detesto é o falso bom.

SPG/Sapo - Quais os restaurante de que mais gosta?

Helena de Sacadura Cabral - A Tia Alice, gosto do Nariz de Vinho Tinto, na Lapa, gosto do Gambrinus, pela forma como sou recebida, gosto da Vela Latina, da Estufa Real, do antigo Terraço do Hotel Tivoli, do restaurante do Lawrense, em Sintra.

SPG/Sapo - O que pensa das casas de pasto?

Helena de Sacadura Cabral - Sou do tempo em que era frequente ir a casas de pasto. Eu entro em qualquer sito sem qualquer problema para a forma como sou olhada. Eu tive um período da minha vida profissional em que estive desterrada no Príncipe Real, em que em frente havia uma casa que servia caracóis e outros petiscos. Comi sardinha assada fantástica numa carvoaria. Eu não tenho nenhum problema em ir a estes sítios. O meu filho Paulo é também assim. Na minha rua conheço toda a gente pelo nome. Gosto de fazer na cidade vida de campo. Olho numa casa de pasto com o mesmo à vontade com que entro no English Bar, no Estoril. Tenho muito pena que se tenha perdido a tradição da casa de pasto do tempo em que era menina. É um sítio onde se come boa comida e ajuda a afinar o gosto daqueles que por não terem posses não chegam a saber como são certos tipo de cozinha e comidas. Servem vinho genuíno.

SPG/Sapo - Tem alguma história engraçada passada num restaurante?

Helena de Sacadura Cabral - Não. Há uma que para mim não tem graça nenhuma. Eu deixei de poder ter um dos grandes prazeres da minha vida que era comer com os meus filhos. Ir comer fora, rir. Cheguei à conclusão que isso era um caso perdido. Um dia resolvi não comer em casa e ir comer fora com os meus filhos. Fomos a um restaurante em Campo de Ourique. Fui com o Paulo, o Miguel também apareceu. Rimos muito. No fim o senhor do restaurante ofereceu-me uma garrafa que ainda preservo. Foi uma coisa que me comoveu. Foi buscar uma das coisas melhores que tinha para nos presentear. Também já aconteceu ir almoçar a um restaurante com uma pessoa do Norte que trajava um fato de linho cru lindíssimo. O rapaz, ao servir-nos o vinho, derramou parte por cima do fato. Foi uma situação terrível. Semanas depois perguntei pelo fato, e o senhor disse-me que o vinho tinha desaparecido. Significa que o vinho era de excelente qualidade.

SPG/Sapo - Que comentários faz à restauração portuguesa?

Helena de Sacadura Cabral - Há duas ópticas para ver isso. Habitualmente não se liga a restauração ao alojamento, tem-se por norma a idéia de que um hotel não é um sítio onde se possa comer bem. Eu tenho pena que assim seja. Nós que temos recantos muito agradáveis não temos uma cozinha a esse nível, pois não se aproveitam os hotéis para se comer bem. Como viajei muito e conheci os sítios mais diversos, frequentei hotéis com bons restaurantes. De uma maneira geral a restauração em Portugal é média, não é muito boa, enquanto que a cozinha portuguesa é muito boa. A globalização abastardou um bocadinho a restauração em Portugal e eu tenho pena. Cozinha-se mais para o estrangeiro, com uma cozinha internacional do que se aproveita em vender ao estrangeiro aquilo que nós temos: boas louças, boa comida , bons vinhos. Numa classificação de zero a 20 dava 12 e podíamos estar no 17 ou no 18. A não ser em sítios muito bons, o que não é acessível a todas as bocas.

Fotos : João Prata

Entrevista : Mário Rodrigues

A crónica de Helena de Sacadura Cabral O Gosto Pela Comida

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