«Avante!» Nº 1403

02-06-2002
marcar artigo

A desistência

A TALHE DE FOICE • Henrique Custódio

A desistência de Basílio Horta à sua candidatura presidencial pelo CDS/PP esteve ao nível da campanha eleitoral que fizera até aqui: em ambos os casos actuou como um abegão de Paulo Portas, reverente e desbarretado ao lado do patrão a cuidar-lhe do viço na horta e da vaidade na praça.

Se fora deprimente ver Basílio, a reboque de Portas, desbaratar em feiras e romarias uma imagem afável de tio de Cascais para desempenhar o papel do pato que o ventríloquo manipula, tornou-se excessivo assistir à sua desistência por fax e ouvi-lo gaguejar a quadratura do círculo para se credibilizar no inadmissível.

Que dirão agora os "12 portugueses" levados ao palco pela suserania de Portas e a menagem de Basílio para, numa espécie de Última Ceia pimba para telejornais em crise, receberem a promessa do pão e do vinho transmutado do corpo e do sangue que seria a candidatura de Basílio a Belém?

Se o ridículo matasse, Portas e o seu PP já tinham mais terra em cima que as toneladas removidas na Expo98.

Mas o ridículo é como o conto do vigário: quando usado em função da cupidez das vítimas, não só não mata como engorda - o vigarista, tá bem de ver.

Foi nessa filosofia que Crasso elevou a sua mediocridade ao triunvirato com Pompeu e César. Acabaria degolado pelo rei Orodes, que terá mandado verter-lhe ouro derretido na boca sentenciando: "Farta-te agora desse metal, de que tão ávido eras durante a vida".

Mas isso foi em 53 a.C. Os novos Crassos não buscam ouro mas poder, embora continuem a socavar a República de todos almejando o Império de alguns: eles próprios e os poderosos que representam.

Evidentemente que Paulo Portas é o grande protagonista desta récita de paróquia. Esfaimado de poder, carente de protagonismo até à patologia, Portas actua como um condottieri e trata partido e partidários como um almocreve tange a récua pelas feiras a bradar para que todos o vejam.

A isto chama ele "marcar a agenda política", nem que para tal espezinhe decisões tomadas em congresso do seu próprio partido, ridicularize correligionários, parlapateie como um vendedor de metáforas e exiba uma credibilidade de cata-vento.

Desta vez o metafórico Portas sonhou com uma jogada múltipla: protagonizar a liderança da direita, cegar Durão Barroso e o PSD nos seus volteios de "diestro" circense, abrir mais uma vez caminho ao seu apoio ao PS no Orçamento de Estado e sair disto tudo como um líder a deitar luz em cima duma azinheira.

Abençoado seja, por tanto divertimento.

Abençoada seja também a RTP por tão aplicada cobertura do espectáculo, que chegou à excelência de vários directos e longos tempos de antena - pagos pelos contribuintes evidentemente -, tudo para que se não perdesse uma única sílaba do chorrilho de banalidades, incongruências e desfaçatez que constituiu o guião deste monumento ao ridículo.

José Rodrigues dos Santos, agora patrão todo-poderoso da informação na RTP, chegou a entrevistar pessoalmente Paulo Portas no telejornal com tanta cerimónia, disponibilidade e meios instalados na sede do partido de Portas, que chegámos a temer vê-lo sacar do cartão de militante do CDS/PP, arruinando assim a sua fulgurante carreira de "jornalista independente".

Mais palavras para quê? São artistas portugueses...

.

«Avante!» Nº 1403 - 19.Outubro.2000

A desistência

A TALHE DE FOICE • Henrique Custódio

A desistência de Basílio Horta à sua candidatura presidencial pelo CDS/PP esteve ao nível da campanha eleitoral que fizera até aqui: em ambos os casos actuou como um abegão de Paulo Portas, reverente e desbarretado ao lado do patrão a cuidar-lhe do viço na horta e da vaidade na praça.

Se fora deprimente ver Basílio, a reboque de Portas, desbaratar em feiras e romarias uma imagem afável de tio de Cascais para desempenhar o papel do pato que o ventríloquo manipula, tornou-se excessivo assistir à sua desistência por fax e ouvi-lo gaguejar a quadratura do círculo para se credibilizar no inadmissível.

Que dirão agora os "12 portugueses" levados ao palco pela suserania de Portas e a menagem de Basílio para, numa espécie de Última Ceia pimba para telejornais em crise, receberem a promessa do pão e do vinho transmutado do corpo e do sangue que seria a candidatura de Basílio a Belém?

Se o ridículo matasse, Portas e o seu PP já tinham mais terra em cima que as toneladas removidas na Expo98.

Mas o ridículo é como o conto do vigário: quando usado em função da cupidez das vítimas, não só não mata como engorda - o vigarista, tá bem de ver.

Foi nessa filosofia que Crasso elevou a sua mediocridade ao triunvirato com Pompeu e César. Acabaria degolado pelo rei Orodes, que terá mandado verter-lhe ouro derretido na boca sentenciando: "Farta-te agora desse metal, de que tão ávido eras durante a vida".

Mas isso foi em 53 a.C. Os novos Crassos não buscam ouro mas poder, embora continuem a socavar a República de todos almejando o Império de alguns: eles próprios e os poderosos que representam.

Evidentemente que Paulo Portas é o grande protagonista desta récita de paróquia. Esfaimado de poder, carente de protagonismo até à patologia, Portas actua como um condottieri e trata partido e partidários como um almocreve tange a récua pelas feiras a bradar para que todos o vejam.

A isto chama ele "marcar a agenda política", nem que para tal espezinhe decisões tomadas em congresso do seu próprio partido, ridicularize correligionários, parlapateie como um vendedor de metáforas e exiba uma credibilidade de cata-vento.

Desta vez o metafórico Portas sonhou com uma jogada múltipla: protagonizar a liderança da direita, cegar Durão Barroso e o PSD nos seus volteios de "diestro" circense, abrir mais uma vez caminho ao seu apoio ao PS no Orçamento de Estado e sair disto tudo como um líder a deitar luz em cima duma azinheira.

Abençoado seja, por tanto divertimento.

Abençoada seja também a RTP por tão aplicada cobertura do espectáculo, que chegou à excelência de vários directos e longos tempos de antena - pagos pelos contribuintes evidentemente -, tudo para que se não perdesse uma única sílaba do chorrilho de banalidades, incongruências e desfaçatez que constituiu o guião deste monumento ao ridículo.

José Rodrigues dos Santos, agora patrão todo-poderoso da informação na RTP, chegou a entrevistar pessoalmente Paulo Portas no telejornal com tanta cerimónia, disponibilidade e meios instalados na sede do partido de Portas, que chegámos a temer vê-lo sacar do cartão de militante do CDS/PP, arruinando assim a sua fulgurante carreira de "jornalista independente".

Mais palavras para quê? São artistas portugueses...

.

«Avante!» Nº 1403 - 19.Outubro.2000

marcar artigo