Dois depoimentos contraditórios

10-06-2003
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Dois Depoimentos Contraditórios

Por ISABEL BRAGA

Segunda-feira, 09 de Junho de 2003 I Como surgiu a Amostra? Paulo Portas: Quando o depoente foi convidado para ensinar "História das Políticas" na Universidade, o reitor da mesma assinalou o interesse da Universidade em criar um centro de sondagens (...) A ideia resulta de conversações mantidas com o reitor, professor José Júlio Gonçalves. José Braga Gonçalves: A fórmula jurídica foi tratada no meu escritório. Optou-se, em vez de a universidade fazer tudo directamente, o dr. Paulo Portas ganhava já 300, teria que ter mais mil para o centro de sondagens. O centro de sondagens era dele, que o assumisse ele. Foi daí que fomos para a ideia de um protocolo com uma sociedade. A sociedade Amostra geria um centro de sondagens. Se houvesse problemas, a Amostra geria, se corresse tudo muito bem, a universidade tinha um lindo centro de sondagens (...) O centro de sondagens começou a funcionar em 1997, com um projecto imediato - as eleições autárquicas de 1997 - que ou corria bem ou corria mal. Se corresse mal podia ser um descalabro e o protocolo [da Dinensino com a Amostra] deixaria de fazer efeito. A sondagem correu bem, o centro de sondagens demonstrou alguma capacidade de adquirir novas sondagens, para o Diário de Notícias, TSF. Tudo foi tratado pelo dr. Paulo Portas. II Sobre os financiamentos da Dinensino à Amostra e os 56 mil contos registados na contabilidade de uma e da outra Paulo Portas: As necessidades da Amostra estavam orçamentadas e pré-definidas, como o demostram os valores transferidos, a sua justificação e a sua regularidade (...) Se houve outras quantias que teriam sido utilizadas sob o pretexto de se destinarem à Amostra, a esses factos o depoente é inteiramente estranho. (...) O depoente ignora o que consta da contabilidade da Dinensino. José Braga Gonçalves: A partir de inícios de 1998, há mais sondagens e são necessários mais alunos, começo a ver a necessidade de mais dinheiro. Eu sabia que era preciso mais que os cinco ou seis mil contos mensais iniciais, porque começo a ver mais gente. O que senti foi que a máquina fora mal pensada. A emissão desses cheques [para a Amostra] passava por mim. Eu tinha o pescoço metido naquilo, o meu pai não. No meio das férias [Agosto de 1998], são precisos mais 2.500 ou 3.500 contos, eu cá não faço a menor ideia de quanto custa uma sondagem. Recebo um telefonema [de Alexandre Picoto, funcionário da Amostra] a dizer que não era possível encontrar o Paulo Portas e havia coisas para pagar. Da contabilidade da Amostra sei zero. Agarrava-se num cheque, mandava-se levantar, alguns foram para as mais variadas coisas, incluindo para mim próprio. O dinheiro era entregue ao dr. Paulo Portas, uma coisa é ele e a relação que eu tinha com ele, outra coisa eram as outras pessoas. [Quando era pedido dinheiro para a Amostra] eu não dizia [na contabilidade da Dinensino] 'põe Amostra', eu respirava fundo e dizia 'põe Amostra'. O dr. Paulo Portas ligava tanto a papéis como eu, juntaram-se dois bons desorganizados. Por outro lado, [o dinheiro saído da Dinensino para a Amostra] também não carecia de factura, era dado ao abrigo do protocolo. Eu não tinha nenhum controlo sobre o número de sondagens, os clientes, nem tinha que ter. Na altura estava bastante confuso com esta situação, esse avolumar da diferença entre os custos da Dinensino e da Amostra. A única coisa de que posso autocriticar-me foi, a certa altura, não ter posto a mão em cima da mesa e parar. Bastava qualquer coisa de que os miúdos precisassem, as coisas mais inconcebíveis, eu não tinha pejo em pagar. III Sobre o Jaguar entregue a Paulo Portas Paulo Portas: O veículo era para uso funcional do depoente. Foi adquirido depois do êxito alcançado pela Amostra nas eleições autárquicas de 1997. José Braga Gonçalves: Em relação a isso, só me lembro de ver esse carro à porta, no dia em que ele lá chegou. Não tenho a menor ideia de quem tratou desse carro. Muito 'british', muito ao género do dr. Paulo Portas, jamais seria escolhido por mim. É possível que ele me tenha falado do carro e eu tenha dito que era com fulano. A carta de conforto surgiu depois. O carro vem a crédito pessoal do dr. Paulo Portas, obviamente. O que soube, entretanto, é que foram tratar de fazer um leasing na Leasimo. Se alguém indicou ser lá feito também desconheço. O que sei é que a Leasimo não deu crédito à Amostra, daí a carta de conforto. Uma carta de conforto não traz nenhuma responsabilidade a quem e emite, mas a quem a recebe e aceita. IV Sobre o pagamento de despesas do congresso do PP Paulo Portas: Toda a organização do Congresso foi da responsabilidade da direcção do Partido que cessava funções. José Braga Gonçalves: O dr. Paulo Portas falou-me, antes do congresso, 'Vou para cima, precisava de um motorista, não sei como é'. Terei falado com o sr. Simões [responsável da segurança da Dinensino] e disse 'fale com o sr. Paulo Portas'. Depois as conversas com o dr. Paulo Portas terão continuado pela razão mais simples do mundo, quando se leva segurança de Lisboa para Braga a combinação é directa, o primeiro contacto foi feito por mim a pedido dele, ele terá feito todos os outros. Depois dos primeiros contactos, não tratei de nada, só soube do hotel onde o dr. Paulo Portas estava, não estava no Porto, estava em Braga, está aí a factura [do Hotel do Parque, paga pela Amostra]. V Sobre os ganhos de Paulo Portas Paulo Portas: Tanto quanto se recorda, o seu vencimento líquido era de cerca de 530 contos, acrescidos de despesas de representação José Braga Gonçalves Eram 500 contos dados pela Amostra e 500 contos dados directamente pela Dinensino. Era um rendimento anexo (...) VI Sobre pagamentos, pela Dinensino, de 500 contos a Paulo Portas, por oito vezes, em 1997 e 1998 Paulo Portas: O depoente reporta esses montantes a remunerações pelo projecto do curso de comunicação social feito em parceria com a sua mãe. José Braga Gonçalves: Em meados de 1998, damos à dra. Helena Sacadura Cabral [mãe de Paulo Portas], a ela e a mais ninguém, a incumbência do curso de comunicação social. O dr. Paulo Portas não participou. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Portas no banco das testemunhas

Um ministro por entre os pingos da chuva

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Segunda-feira, 09 de Junho de 2003 I Como surgiu a Amostra? Paulo Portas: Quando o depoente foi convidado para ensinar "História das Políticas" na Universidade, o reitor da mesma assinalou o interesse da Universidade em criar um centro de sondagens (...) A ideia resulta de conversações mantidas com o reitor, professor José Júlio Gonçalves. José Braga Gonçalves: A fórmula jurídica foi tratada no meu escritório. Optou-se, em vez de a universidade fazer tudo directamente, o dr. Paulo Portas ganhava já 300, teria que ter mais mil para o centro de sondagens. O centro de sondagens era dele, que o assumisse ele. Foi daí que fomos para a ideia de um protocolo com uma sociedade. A sociedade Amostra geria um centro de sondagens. Se houvesse problemas, a Amostra geria, se corresse tudo muito bem, a universidade tinha um lindo centro de sondagens (...) O centro de sondagens começou a funcionar em 1997, com um projecto imediato - as eleições autárquicas de 1997 - que ou corria bem ou corria mal. Se corresse mal podia ser um descalabro e o protocolo [da Dinensino com a Amostra] deixaria de fazer efeito. A sondagem correu bem, o centro de sondagens demonstrou alguma capacidade de adquirir novas sondagens, para o Diário de Notícias, TSF. Tudo foi tratado pelo dr. Paulo Portas. II Sobre os financiamentos da Dinensino à Amostra e os 56 mil contos registados na contabilidade de uma e da outra Paulo Portas: As necessidades da Amostra estavam orçamentadas e pré-definidas, como o demostram os valores transferidos, a sua justificação e a sua regularidade (...) Se houve outras quantias que teriam sido utilizadas sob o pretexto de se destinarem à Amostra, a esses factos o depoente é inteiramente estranho. (...) O depoente ignora o que consta da contabilidade da Dinensino. José Braga Gonçalves: A partir de inícios de 1998, há mais sondagens e são necessários mais alunos, começo a ver a necessidade de mais dinheiro. Eu sabia que era preciso mais que os cinco ou seis mil contos mensais iniciais, porque começo a ver mais gente. O que senti foi que a máquina fora mal pensada. A emissão desses cheques [para a Amostra] passava por mim. Eu tinha o pescoço metido naquilo, o meu pai não. No meio das férias [Agosto de 1998], são precisos mais 2.500 ou 3.500 contos, eu cá não faço a menor ideia de quanto custa uma sondagem. Recebo um telefonema [de Alexandre Picoto, funcionário da Amostra] a dizer que não era possível encontrar o Paulo Portas e havia coisas para pagar. Da contabilidade da Amostra sei zero. Agarrava-se num cheque, mandava-se levantar, alguns foram para as mais variadas coisas, incluindo para mim próprio. O dinheiro era entregue ao dr. Paulo Portas, uma coisa é ele e a relação que eu tinha com ele, outra coisa eram as outras pessoas. [Quando era pedido dinheiro para a Amostra] eu não dizia [na contabilidade da Dinensino] 'põe Amostra', eu respirava fundo e dizia 'põe Amostra'. O dr. Paulo Portas ligava tanto a papéis como eu, juntaram-se dois bons desorganizados. Por outro lado, [o dinheiro saído da Dinensino para a Amostra] também não carecia de factura, era dado ao abrigo do protocolo. Eu não tinha nenhum controlo sobre o número de sondagens, os clientes, nem tinha que ter. Na altura estava bastante confuso com esta situação, esse avolumar da diferença entre os custos da Dinensino e da Amostra. A única coisa de que posso autocriticar-me foi, a certa altura, não ter posto a mão em cima da mesa e parar. Bastava qualquer coisa de que os miúdos precisassem, as coisas mais inconcebíveis, eu não tinha pejo em pagar. III Sobre o Jaguar entregue a Paulo Portas Paulo Portas: O veículo era para uso funcional do depoente. Foi adquirido depois do êxito alcançado pela Amostra nas eleições autárquicas de 1997. José Braga Gonçalves: Em relação a isso, só me lembro de ver esse carro à porta, no dia em que ele lá chegou. Não tenho a menor ideia de quem tratou desse carro. Muito 'british', muito ao género do dr. Paulo Portas, jamais seria escolhido por mim. É possível que ele me tenha falado do carro e eu tenha dito que era com fulano. A carta de conforto surgiu depois. O carro vem a crédito pessoal do dr. Paulo Portas, obviamente. O que soube, entretanto, é que foram tratar de fazer um leasing na Leasimo. Se alguém indicou ser lá feito também desconheço. O que sei é que a Leasimo não deu crédito à Amostra, daí a carta de conforto. Uma carta de conforto não traz nenhuma responsabilidade a quem e emite, mas a quem a recebe e aceita. IV Sobre o pagamento de despesas do congresso do PP Paulo Portas: Toda a organização do Congresso foi da responsabilidade da direcção do Partido que cessava funções. José Braga Gonçalves: O dr. Paulo Portas falou-me, antes do congresso, 'Vou para cima, precisava de um motorista, não sei como é'. Terei falado com o sr. Simões [responsável da segurança da Dinensino] e disse 'fale com o sr. Paulo Portas'. Depois as conversas com o dr. Paulo Portas terão continuado pela razão mais simples do mundo, quando se leva segurança de Lisboa para Braga a combinação é directa, o primeiro contacto foi feito por mim a pedido dele, ele terá feito todos os outros. Depois dos primeiros contactos, não tratei de nada, só soube do hotel onde o dr. Paulo Portas estava, não estava no Porto, estava em Braga, está aí a factura [do Hotel do Parque, paga pela Amostra]. V Sobre os ganhos de Paulo Portas Paulo Portas: Tanto quanto se recorda, o seu vencimento líquido era de cerca de 530 contos, acrescidos de despesas de representação José Braga Gonçalves Eram 500 contos dados pela Amostra e 500 contos dados directamente pela Dinensino. Era um rendimento anexo (...) VI Sobre pagamentos, pela Dinensino, de 500 contos a Paulo Portas, por oito vezes, em 1997 e 1998 Paulo Portas: O depoente reporta esses montantes a remunerações pelo projecto do curso de comunicação social feito em parceria com a sua mãe. José Braga Gonçalves: Em meados de 1998, damos à dra. Helena Sacadura Cabral [mãe de Paulo Portas], a ela e a mais ninguém, a incumbência do curso de comunicação social. O dr. Paulo Portas não participou. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Portas no banco das testemunhas

Um ministro por entre os pingos da chuva

Dois depoimentos contraditórios

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