Drama e emoção na política

22-10-2003
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Drama e Emoção na Política

Por EDUARDO CINTRA TORRES

Segunda-feira, 20 de Outubro de 2003 , 1963) porque ao evento efectivo - o facto da libertação - se sobrepôs a desnecessária encenação na penitenciária e no Parlamento. As imagens da saída de Paulo Pedroso da penitenciária e sua deslocação ao Parlamento estão entre as mais importantes de 2003. Imagens: decisão da Relação; "charivari" das TV à porta da penitenciária; repórteres julgam que Pedroso sairá apeado; ignoram que dentro está uma delegação motorizada da direcção do PS; repórteres falam via telemóvel com advogado de Pedroso; anuncia-se que a delegação sairá em direcção a S. Bento, por decisão de Ferro Rodrigues; vê-se assessor de imprensa do PS junto da penitenciária; saem dois carros, com António Costa e Pedroso; TV acompanham percurso e passam para o Parlamento, onde o deputado Alegre politiza a libertação dizendo-a "uma vitória da democracia"; Ferro e outros esperam Pedroso nas traseiras de S. Bento; chega Pedroso, abraços e subida das escadas; novo "charivari" com repórteres em redor do grupo PS; o grupo sai de cena para uma sala donde sairá depois Pedroso, falando aos repórteres por entre nova confusão; Pedroso fala de emoções e propõe criação de comissão política sobre pedofilia; chega advogado de Pedroso, que presta declarações no Parlamento; saída de Pedroso com TV para a sede do PS; Ferro justifica a festa - Pedroso voltou ao Parlamento pois foi de lá que saiu para a prisão; desqualifica críticas ao evento por considerar que se tratou de um evento emocional. As três vertentes principais destas imagens são a sua organização dramatúrgica, a componente emocional e a mistura de ambas com o acto político. A direcção do PS decidiu "actuar mediaticamente" isto é, recorrendo "aos veículos do espectacular e de uma construção do real baseada na encenação" (Balandier, "Le Pouvoir sur Scénes", 1992). Com Costa e Pedroso, Ferro começou a dramatização política em Maio. Disse que o caso pessoal de Pedroso poderia ser o seu último combate político como líder do PS. Foi ele que escolheu o Parlamento como palco para a abertura do drama. A política sempre esteve disponível para teatralizar os seus actos. E, acentuando um ponto de vista, a TV reforça a posição de cena das coisas do mundo. Mas, neste caso, foi-se mais longe. Ferro abriu um melodrama e criou a expectativa de um final. Estabeleceu a condição teatral do caso. A comparação do evento da libertação no Parlamento com a casa do Big Brother faz sentido, pois também aí há uma narrativa "de realidade" que se vai fazendo em cena. Também se compreende que se dissesse que o PS fez de Pedroso "um herói", pois esse processo de estetização e mitificação é a consequência da invenção dramatúrgica do evento. Evento? Daniel Boorstin chamar-lhe-ia pseudo-evento ("The Image of What Happened to the American Dream Quando Pedroso foi libertado, Ferro viu-se obrigado a seguir o guião que criara em Maio. A politização foi total, porque Ferro não se limitou a passar o caso de Pedroso da esfera privada para a esfera pública: passou-o para a esfera do Estado. A visibilidade dum caso privado tornou-se absoluta e obrigatória, o que suscita reacções posteriores na sociedade. Exemplo: a presença na bancada do público no Parlamento de pessoas de branco (sem palavras, só a imagem, tal como Ferro no evento) no dia em que Pedroso voltou à bancada do PS. O outro eixo principal deste caso mediático deriva da dramatização: as emoções como elemento constitutivo da acção política. As emoções na política não são nada de novo e não há que evitá-las. Aristóteles descreveu-as há 23 séculos na "Ética Nicomaqueia" e na "Retórica". Mas o autor grego defendia inteligência na gestão emocional, equilíbrio entre emoção e intelecto. Foi Ferro quem chamou as emoções à cena de palco no Parlamento. Fê-lo para desculpabilizar o "charivari" nos corredores e escadaria, para "despolitizar" as imagens. Mas as imagens são de políticos em festa no Parlamento - pelo que Ferro emocionalizou a política, colocou as emoções acima do discurso político, fez da expressão pública das emoções o próprio discurso político. Como no teatro, bastavam gestos: na tarde do evento, das traseiras do Parlamento até ao gabinete, Ferro não falou, apenas exprimiu emoções através de gestos, isto é, usou os sentimentos como "elementos não discursivos" (Jeff Goodwin et al, "Passionate Politics", 2001). No evento dramático de Pedroso, a própria emoção afirmou-se "como comunicação" (Anthony Giddens, "The Transformation of Intimacy", 1992). As emoções vistas na chegada de Pedroso ao Parlamento, certamente genuínas, são no ecrã inautênticas: porque se trata de um pseudo-evento dramático e em que a expressão política se faz através da emotividade. São "emoções manufacturadas" (Simon Williams, "Emotion and Social Theory", 2001) para serem vistas no palco mediático. Como nos "talk-shows" e "reality-shows", verifica-se a "tendência convencional dos nossos dias" de "representar a emoção como formulação e autenticação de experiências" (J.M. Barbalet, "Emoção, Teoria Social e Estrutura Social"). Daí resulta que esta autenticidade encenada é uma "autenticidade artificialmente forjada" (Stjepan Mestrovic, "Postemotional Society", 1997). Em resumo: A direcção do PS transformou a libertação de Pedroso num pseudo-evento inscrito na esfera pública e do Estado e operou a sua dramatização e teatralização, legitimando que nos "media" e na opinião pública se fizesse o mesmo. A emocionalização não é uma despolitização, mas outra forma de politizar. O PS, enquanto "pólo de autoridade" usou a "influência e a produção de emoções, que os meios audiovisuais de massas desviam em seu proveito" (Balandier). Ao chamar o teatro, as emoções e a visualidade televisiva a esta acção política, a direcção do PS deu mais um passo na actual "colonização do sistema político pelas regras dos discursos mediáticos", a qual poderá provocar uma "profunda alteração da vida política" (Thomas Meyer, "Media Democracy"). Como consequência, o público tenderá a responder à política como a um fenómeno do domínio da estética, neste caso do melodrama. Se Ferro transforma o caso Pedroso num drama televisivo, então o público vivê-lo-á também nessa dimensão e com mais razão os "media". Na consciente dramatização a que procedeu no episódio da libertação de Pedroso, a direcção do PS cometeu um erro crasso: encenou-o com se fosse o fim do quarto acto, quando a libertação poderá ter sido apenas o fim do primeiro acto. Daí o silêncio que depois impôs a si mesma. Tarde demais. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Internet ganha terreno à televisão

Uso de palavrões aumenta na televisão norte-americana

A controvérsia: Novo director do "Notícias de Leiria" é também presidente da administração e deputado municipal

Iraque: Repórteres Sem Fronteiras exigem fim dos entraves à liberdade de imprensa

"Embedded": Programas de incorporação de jornalistas vão generalizar-se

Protesto: Técnicos de TV em greve interrompem Academia de Estrelas em directo

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Segunda-feira, 20 de Outubro de 2003 , 1963) porque ao evento efectivo - o facto da libertação - se sobrepôs a desnecessária encenação na penitenciária e no Parlamento. As imagens da saída de Paulo Pedroso da penitenciária e sua deslocação ao Parlamento estão entre as mais importantes de 2003. Imagens: decisão da Relação; "charivari" das TV à porta da penitenciária; repórteres julgam que Pedroso sairá apeado; ignoram que dentro está uma delegação motorizada da direcção do PS; repórteres falam via telemóvel com advogado de Pedroso; anuncia-se que a delegação sairá em direcção a S. Bento, por decisão de Ferro Rodrigues; vê-se assessor de imprensa do PS junto da penitenciária; saem dois carros, com António Costa e Pedroso; TV acompanham percurso e passam para o Parlamento, onde o deputado Alegre politiza a libertação dizendo-a "uma vitória da democracia"; Ferro e outros esperam Pedroso nas traseiras de S. Bento; chega Pedroso, abraços e subida das escadas; novo "charivari" com repórteres em redor do grupo PS; o grupo sai de cena para uma sala donde sairá depois Pedroso, falando aos repórteres por entre nova confusão; Pedroso fala de emoções e propõe criação de comissão política sobre pedofilia; chega advogado de Pedroso, que presta declarações no Parlamento; saída de Pedroso com TV para a sede do PS; Ferro justifica a festa - Pedroso voltou ao Parlamento pois foi de lá que saiu para a prisão; desqualifica críticas ao evento por considerar que se tratou de um evento emocional. As três vertentes principais destas imagens são a sua organização dramatúrgica, a componente emocional e a mistura de ambas com o acto político. A direcção do PS decidiu "actuar mediaticamente" isto é, recorrendo "aos veículos do espectacular e de uma construção do real baseada na encenação" (Balandier, "Le Pouvoir sur Scénes", 1992). Com Costa e Pedroso, Ferro começou a dramatização política em Maio. Disse que o caso pessoal de Pedroso poderia ser o seu último combate político como líder do PS. Foi ele que escolheu o Parlamento como palco para a abertura do drama. A política sempre esteve disponível para teatralizar os seus actos. E, acentuando um ponto de vista, a TV reforça a posição de cena das coisas do mundo. Mas, neste caso, foi-se mais longe. Ferro abriu um melodrama e criou a expectativa de um final. Estabeleceu a condição teatral do caso. A comparação do evento da libertação no Parlamento com a casa do Big Brother faz sentido, pois também aí há uma narrativa "de realidade" que se vai fazendo em cena. Também se compreende que se dissesse que o PS fez de Pedroso "um herói", pois esse processo de estetização e mitificação é a consequência da invenção dramatúrgica do evento. Evento? Daniel Boorstin chamar-lhe-ia pseudo-evento ("The Image of What Happened to the American Dream Quando Pedroso foi libertado, Ferro viu-se obrigado a seguir o guião que criara em Maio. A politização foi total, porque Ferro não se limitou a passar o caso de Pedroso da esfera privada para a esfera pública: passou-o para a esfera do Estado. A visibilidade dum caso privado tornou-se absoluta e obrigatória, o que suscita reacções posteriores na sociedade. Exemplo: a presença na bancada do público no Parlamento de pessoas de branco (sem palavras, só a imagem, tal como Ferro no evento) no dia em que Pedroso voltou à bancada do PS. O outro eixo principal deste caso mediático deriva da dramatização: as emoções como elemento constitutivo da acção política. As emoções na política não são nada de novo e não há que evitá-las. Aristóteles descreveu-as há 23 séculos na "Ética Nicomaqueia" e na "Retórica". Mas o autor grego defendia inteligência na gestão emocional, equilíbrio entre emoção e intelecto. Foi Ferro quem chamou as emoções à cena de palco no Parlamento. Fê-lo para desculpabilizar o "charivari" nos corredores e escadaria, para "despolitizar" as imagens. Mas as imagens são de políticos em festa no Parlamento - pelo que Ferro emocionalizou a política, colocou as emoções acima do discurso político, fez da expressão pública das emoções o próprio discurso político. Como no teatro, bastavam gestos: na tarde do evento, das traseiras do Parlamento até ao gabinete, Ferro não falou, apenas exprimiu emoções através de gestos, isto é, usou os sentimentos como "elementos não discursivos" (Jeff Goodwin et al, "Passionate Politics", 2001). No evento dramático de Pedroso, a própria emoção afirmou-se "como comunicação" (Anthony Giddens, "The Transformation of Intimacy", 1992). As emoções vistas na chegada de Pedroso ao Parlamento, certamente genuínas, são no ecrã inautênticas: porque se trata de um pseudo-evento dramático e em que a expressão política se faz através da emotividade. São "emoções manufacturadas" (Simon Williams, "Emotion and Social Theory", 2001) para serem vistas no palco mediático. Como nos "talk-shows" e "reality-shows", verifica-se a "tendência convencional dos nossos dias" de "representar a emoção como formulação e autenticação de experiências" (J.M. Barbalet, "Emoção, Teoria Social e Estrutura Social"). Daí resulta que esta autenticidade encenada é uma "autenticidade artificialmente forjada" (Stjepan Mestrovic, "Postemotional Society", 1997). Em resumo: A direcção do PS transformou a libertação de Pedroso num pseudo-evento inscrito na esfera pública e do Estado e operou a sua dramatização e teatralização, legitimando que nos "media" e na opinião pública se fizesse o mesmo. A emocionalização não é uma despolitização, mas outra forma de politizar. O PS, enquanto "pólo de autoridade" usou a "influência e a produção de emoções, que os meios audiovisuais de massas desviam em seu proveito" (Balandier). Ao chamar o teatro, as emoções e a visualidade televisiva a esta acção política, a direcção do PS deu mais um passo na actual "colonização do sistema político pelas regras dos discursos mediáticos", a qual poderá provocar uma "profunda alteração da vida política" (Thomas Meyer, "Media Democracy"). Como consequência, o público tenderá a responder à política como a um fenómeno do domínio da estética, neste caso do melodrama. Se Ferro transforma o caso Pedroso num drama televisivo, então o público vivê-lo-á também nessa dimensão e com mais razão os "media". Na consciente dramatização a que procedeu no episódio da libertação de Pedroso, a direcção do PS cometeu um erro crasso: encenou-o com se fosse o fim do quarto acto, quando a libertação poderá ter sido apenas o fim do primeiro acto. Daí o silêncio que depois impôs a si mesma. Tarde demais. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Internet ganha terreno à televisão

Uso de palavrões aumenta na televisão norte-americana

A controvérsia: Novo director do "Notícias de Leiria" é também presidente da administração e deputado municipal

Iraque: Repórteres Sem Fronteiras exigem fim dos entraves à liberdade de imprensa

"Embedded": Programas de incorporação de jornalistas vão generalizar-se

Protesto: Técnicos de TV em greve interrompem Academia de Estrelas em directo

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