EXPRESSO: País

13-08-2002
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20/7/2002

Críticos à espera das expulsões Os processos disciplinares aos três renovadores estão praticamente concluídos Luiz Carvalho Carlos Carvalhas: ainda não há confirmação oficial da data para a divulgação pública das sanções aos renovadores COM a resposta de Carlos Brito, Carlos Luís Figueira e Edgar Correia às «notas de culpa» que lhes foram dirigidas pela direcção do PCP, o fim dos processos disciplinares aos três críticos - e consequentes sanções - é esperado a qualquer momento. Há, no entanto, que ter em conta que o Secretariado ainda não ouviu as testemunhas indicadas por Edgar Correia na sua nota de defesa: João Cunha Serra, Manuela Esteves e Mário Jorge. Ontem à tarde, o gabinete de imprensa do PCP garantia não ter ainda «qualquer indicação» que aponte para o anúncio das medidas disciplinares. COM a resposta de Carlos Brito, Carlos Luís Figueira e Edgar Correia às «notas de culpa» que lhes foram dirigidas pela direcção do PCP, o fim dos processos disciplinares aos três críticos - e consequentes sanções - é esperado a qualquer momento. Há, no entanto, que ter em conta que o Secretariado ainda não ouviu as testemunhas indicadas por Edgar Correia na sua nota de defesa: João Cunha Serra, Manuela Esteves e Mário Jorge. Ontem à tarde, o gabinete de imprensa do PCP garantia não ter aindaque aponte para o anúncio das medidas disciplinares. De todo o modo, o processo está longe de poder considerar-se concluído. Como escrevia Carlos Luís Figueira na carta de resposta que, na segunda-feira, enviou ao Secretariado: «Deixo claro que irei, em defesa da minha honra e dos direitos que como cidadão me estão assegurados constitucionalmente, até onde puder. Disso podereis estar certos». E, recorde-se, estes três militantes admitem a possibilidade de recorrer da decisão para o Tribunal Constitucional. De facto, dispõe a Lei Orgânica deste tribunal que «qualquer militante de um partido político pode impugnar, com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatutária, as decisões punitivas dos respectivos órgãos partidários». E, além de impugnar, o militante pode também pedir a suspensão da deliberação, no prazo de cinco dias depois de conhecida a sanção. A semana que passou foi palco de mais um conflito entre a direcção e os críticos, a propósito do abaixo-assinado entregue terça-feira na Soeiro Pereira Gomes e que reclama o cancelamento dos processos disciplinares, recusando ainda a «abertura de quaisquer outros do mesmo tipo». O documento, com 1071 subscritores, foi entregue por José Tavares, ex-membro do Comité Central, e Viriato Jordão, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Telecomunicações. Entre os subscritores, constavam os nomes de Odete Santos, João Saraiva, Eduardo Costa e Carlos Carvalho e a polémica surgiu. Defendeu o gabinete de imprensa do PCP que «a completa ou integral autenticidade daquela relação de nomes não pode ser garantida por ninguém», afirmando ainda que os nomes acima citados «não correspondem respectivamente à (subscrição) da deputada do PCP, à do chefe de Gabinete do grupo parlamentar do PCP, à do responsável pelos professores da Organização Regional de Lisboa e à do membro do Conselho Nacional da CGTP-IN». Os críticos responderam que «a nota do gabinete de imprensa do PCP e o seu responsável (Vítor Dias) exibem, afinal, a falta de seriedade de processos que pretendem atribuir aos militantes que intervêm contra as sanções». Quanto aos nomes envolvidos «nas torpes insinuações», esclareceram que Odete Santos é militante do PCP desde antes do 25 de Abril e foi adjunta do Gabinete do ministro do Trabalho Avelino Gonçalves, «na mesma altura em que Carlos Carvalhas aí desempenhou funções»; João Saraiva é ex-trabalhador do jornal «O Século», reformado; Eduardo Costa um simpatizante do PCP que «subscreveu presencialmente» o abaixo-assinado; e Carlos Carvalho é jornalista e militante do PCP da Organização Concelhia de Serpa. Mais reacções Entretanto, 15 dos 36 membros da Direcção Regional do Algarve (DORAL) insurgiram-se contra a desmarcação de um plenário agendado para discutir a situação interna do PCP, no decurso do «Jantar da Indignação» que em Faro reuniu cerca de 120 militantes e simpatizantes comunistas. Estes militantes defendem que a DORAL deveria ter sido ouvida nos processo de sanções abertos pelo Secretariado e que as férias de alguns dos membros da direcção regional não justificam o adiamento da discussão, «considerando que no quadro da actual política de direita levada a cabo pelo governo PSD/PP, o reforço da unidade do PCP e da sua actividade política são indispensáveis não só ao partido mas também ao país». Na sua tomada de posição, estes 16 militantes, em que se inclui Carlos Leal, funcionário da DORAL, e António Goulart, coordenador da União dos Sindicatos do Algarve, manifestam «o seu profundo desagrado pelo facto de a DORAL não ter sido auscultada sobre a instauração de processos disciplinares» a Carlos Luís Figueira e a Carlos Brito, pertencentes a este órgão, e o seu «veemente repúdio» por todos os processos decididos pela direcção do partido a «prestigiados camaradas». Exigem, assim, «o seu cancelamento e a não abertura de outros similares». Entretanto, mais quatro concelhias do Algarve manifestaram-se contra as sanções: Vila Real de Santo António, Aljezur, S. Brás de Alportel e Alcoutim.

Conceição Branco e Maria Teresa Oliveira

Certezas e vícios SE QUISESSE resumir numa expressão simples e facilmente captável por toda a gente o que hoje distingue os comunistas entre si, diria que, para uns, a luta continua porque a vitória é certa e, para outros, a luta continua porque a vitória é incerta. É na dicotomia certeza/incerteza que, em Portugal, se deve procurar o essencial e a raiz das contradições que actualmente se verificam. Foi a progressiva tomada de consciência da tensão contida na incerteza da vitória final que criou as condições subjectivas para a instalação da divergência, relativamente à inevitabilidade da vitória do campo comunista e ao modo como a alcançar. Quando, em tese, a vitória é dada como certa, a luta política constitui-se como um acto litúrgico centrado na organização partidária, que sabe, comanda e dirige as operações de transferência da velha sociedade capitalista para a nova sociedade comunista. Uma espécie de mudança de instalações, em que o partido desempenharia o papel de transportadora que conhece antecipadamente o ponto de partida, o trajecto a percorrer e o ponto de chegada. Nesta perspectiva, a organização partidária desenvolve-se no sentido de um dispositivo estatutariamente consolidado, em que impera o sistema de valores assente na obediência a uma direcção, a manipulação atrabiliária dos factos e dos acontecimentos e a ocultação da informação como fenómeno de dominação e de poder. Esta é uma visão da ideologia que tem como corolário uma espécie de lego social em que a única incerteza admissível seria o intervalo que separa «um passo à frente» de «dois passos atrás». A confiança salvífica no determinismo histórico e a leitura dogmática que faz dele, levou a direcção do partido dos comunistas portugueses a derivar por um tipo de gestão corrente da actividade partidária e da intervenção política. Não se dando conta de que, em política, a certeza é geradora de todos os vícios partidários, o principal dos quais é a preguiça ideológica. É por isso que não se deve confundir certeza com competência e capacidade para fazer as coisas certas. Isso só é tendencialmente verdade se se estiver apto a dominar os mecanismos que melhor combinam a teoria, a evidência dos factos, a conjuntura e os objectivos. O que manifestamente não é o que se está a passar com a direcção do PCP. A teoria dos factores externos desenvolvida pelos dirigentes comunistas para explicar os seus fracassos de há dez anos a esta parte é disso o melhor exemplo. Mas tão grave como esta explicação, e tão contrária à melhor tradição dos comunistas, é, por exemplo, os dirigentes do PCP, por intermédios dos seus analistas oficiais, esconderem-se atrás dos resultados eleitorais do PCF, nas presidenciais e legislativas para branquear os seus próprios erros e derrotas. A introdução da incerteza na luta política dos comunistas tem vários efeitos. O principal é considerar que o comunismo é mais uma caminhada da humanidade, no sentido da superação do modo e das relações de produção capitalista, do que um ponto de chegada, cuja antecâmara conhecida era o sistema existente nos países do bloco soviético. Se tomarmos esta premissa como hipótese de trabalho, a incerteza colocada na vitória do comunismo torna imperativa a necessidade de, a cada processo a desenvolver nessa direcção e ao conjunto de processos no seu todo, corresponderem outras tantas metas pelas quais se tem de lutar. Não chega aos comunistas manterem-se no papel de espectadores da agudização das contradições no seio do capitalismo, encostados à soleira do que há-de chegar. É-lhes exigido que intervenham activa e assertivamente no sentido de irem conquistando posições e consolidando formações não-capitalistas no seio da própria sociedade capitalista. Trabalhar sobre a incerteza obriga, por outro lado, a considerar que a base social de apoio a este tipo de estratégia política deva ser obrigatoriamente ampla, heterogénea, porventura recheada de elementos contraditórios, mas que pode ser plenamente conseguida se, em vez de se tomar o marxismo e o leninismo como um criptograma, se considerarem, na expressão de Umberto Eco, como obras abertas interpretáveis e orientadoras da visão política do que se pode ir configurando como uma sociedade comunista. Como não é isto que se está a verificar no PCP, assiste-se a uma espécie de greve dos acontecimentos, como já alguém designou o afundamento do bloco soviético. A tentativa e erro, o principal e mais experimentado suporte metodológico de toda a aprendizagem, está no centro da aproximação da vitória do comunismo pela via da incerteza. Não para se persistir no erro mas para centrar a intervenção política na tentativa, com a consciência de que o erro é uma das contingências que se podem verificar. É neste aspecto que a questão da organização partidária assume tanto relevo e é tão importante. Numa lógica em que a incerteza dos resultados da acção política é geradora de uma forte tensão partidária, o risco da incerteza se converter numa vitória irreversível da certeza só teria lugar na condição de a rotina, a preguiça, o raquitismo teórico e a repressão interna serem eleitos como os principais valores partidários. É para prevenir estes riscos que advogo um partido mais de militantes do que de funcionários. Pela simples razão de que a vitória não era certa.

Cipriano Justo (médico, militante comunista)

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COM a resposta de Carlos Brito, Carlos Luís Figueira e Edgar Correia às «notas de culpa» que lhes foram dirigidas pela direcção do PCP, o fim dos processos disciplinares aos três críticos - e consequentes sanções - é esperado a qualquer momento. Há, no entanto, que ter em conta que o Secretariado ainda não ouviu as testemunhas indicadas por Edgar Correia na sua nota de defesa: João Cunha Serra, Manuela Esteves e Mário Jorge. Ontem à tarde, o gabinete de imprensa do PCP garantia não ter aindaque aponte para o anúncio das medidas disciplinares. De todo o modo, o processo está longe de poder considerar-se concluído. Como escrevia Carlos Luís Figueira na carta de resposta que, na segunda-feira, enviou ao Secretariado: «Deixo claro que irei, em defesa da minha honra e dos direitos que como cidadão me estão assegurados constitucionalmente, até onde puder. Disso podereis estar certos». E, recorde-se, estes três militantes admitem a possibilidade de recorrer da decisão para o Tribunal Constitucional. De facto, dispõe a Lei Orgânica deste tribunal que «qualquer militante de um partido político pode impugnar, com fundamento em ilegalidade ou violação de regra estatutária, as decisões punitivas dos respectivos órgãos partidários». E, além de impugnar, o militante pode também pedir a suspensão da deliberação, no prazo de cinco dias depois de conhecida a sanção. A semana que passou foi palco de mais um conflito entre a direcção e os críticos, a propósito do abaixo-assinado entregue terça-feira na Soeiro Pereira Gomes e que reclama o cancelamento dos processos disciplinares, recusando ainda a «abertura de quaisquer outros do mesmo tipo». O documento, com 1071 subscritores, foi entregue por José Tavares, ex-membro do Comité Central, e Viriato Jordão, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Telecomunicações. Entre os subscritores, constavam os nomes de Odete Santos, João Saraiva, Eduardo Costa e Carlos Carvalho e a polémica surgiu. Defendeu o gabinete de imprensa do PCP que «a completa ou integral autenticidade daquela relação de nomes não pode ser garantida por ninguém», afirmando ainda que os nomes acima citados «não correspondem respectivamente à (subscrição) da deputada do PCP, à do chefe de Gabinete do grupo parlamentar do PCP, à do responsável pelos professores da Organização Regional de Lisboa e à do membro do Conselho Nacional da CGTP-IN». Os críticos responderam que «a nota do gabinete de imprensa do PCP e o seu responsável (Vítor Dias) exibem, afinal, a falta de seriedade de processos que pretendem atribuir aos militantes que intervêm contra as sanções». Quanto aos nomes envolvidos «nas torpes insinuações», esclareceram que Odete Santos é militante do PCP desde antes do 25 de Abril e foi adjunta do Gabinete do ministro do Trabalho Avelino Gonçalves, «na mesma altura em que Carlos Carvalhas aí desempenhou funções»; João Saraiva é ex-trabalhador do jornal «O Século», reformado; Eduardo Costa um simpatizante do PCP que «subscreveu presencialmente» o abaixo-assinado; e Carlos Carvalho é jornalista e militante do PCP da Organização Concelhia de Serpa. Mais reacções Entretanto, 15 dos 36 membros da Direcção Regional do Algarve (DORAL) insurgiram-se contra a desmarcação de um plenário agendado para discutir a situação interna do PCP, no decurso do «Jantar da Indignação» que em Faro reuniu cerca de 120 militantes e simpatizantes comunistas. Estes militantes defendem que a DORAL deveria ter sido ouvida nos processo de sanções abertos pelo Secretariado e que as férias de alguns dos membros da direcção regional não justificam o adiamento da discussão, «considerando que no quadro da actual política de direita levada a cabo pelo governo PSD/PP, o reforço da unidade do PCP e da sua actividade política são indispensáveis não só ao partido mas também ao país». Na sua tomada de posição, estes 16 militantes, em que se inclui Carlos Leal, funcionário da DORAL, e António Goulart, coordenador da União dos Sindicatos do Algarve, manifestam «o seu profundo desagrado pelo facto de a DORAL não ter sido auscultada sobre a instauração de processos disciplinares» a Carlos Luís Figueira e a Carlos Brito, pertencentes a este órgão, e o seu «veemente repúdio» por todos os processos decididos pela direcção do partido a «prestigiados camaradas». Exigem, assim, «o seu cancelamento e a não abertura de outros similares». Entretanto, mais quatro concelhias do Algarve manifestaram-se contra as sanções: Vila Real de Santo António, Aljezur, S. Brás de Alportel e Alcoutim.

Conceição Branco e Maria Teresa Oliveira

Certezas e vícios SE QUISESSE resumir numa expressão simples e facilmente captável por toda a gente o que hoje distingue os comunistas entre si, diria que, para uns, a luta continua porque a vitória é certa e, para outros, a luta continua porque a vitória é incerta. É na dicotomia certeza/incerteza que, em Portugal, se deve procurar o essencial e a raiz das contradições que actualmente se verificam. Foi a progressiva tomada de consciência da tensão contida na incerteza da vitória final que criou as condições subjectivas para a instalação da divergência, relativamente à inevitabilidade da vitória do campo comunista e ao modo como a alcançar. Quando, em tese, a vitória é dada como certa, a luta política constitui-se como um acto litúrgico centrado na organização partidária, que sabe, comanda e dirige as operações de transferência da velha sociedade capitalista para a nova sociedade comunista. Uma espécie de mudança de instalações, em que o partido desempenharia o papel de transportadora que conhece antecipadamente o ponto de partida, o trajecto a percorrer e o ponto de chegada. Nesta perspectiva, a organização partidária desenvolve-se no sentido de um dispositivo estatutariamente consolidado, em que impera o sistema de valores assente na obediência a uma direcção, a manipulação atrabiliária dos factos e dos acontecimentos e a ocultação da informação como fenómeno de dominação e de poder. Esta é uma visão da ideologia que tem como corolário uma espécie de lego social em que a única incerteza admissível seria o intervalo que separa «um passo à frente» de «dois passos atrás». A confiança salvífica no determinismo histórico e a leitura dogmática que faz dele, levou a direcção do partido dos comunistas portugueses a derivar por um tipo de gestão corrente da actividade partidária e da intervenção política. Não se dando conta de que, em política, a certeza é geradora de todos os vícios partidários, o principal dos quais é a preguiça ideológica. É por isso que não se deve confundir certeza com competência e capacidade para fazer as coisas certas. Isso só é tendencialmente verdade se se estiver apto a dominar os mecanismos que melhor combinam a teoria, a evidência dos factos, a conjuntura e os objectivos. O que manifestamente não é o que se está a passar com a direcção do PCP. A teoria dos factores externos desenvolvida pelos dirigentes comunistas para explicar os seus fracassos de há dez anos a esta parte é disso o melhor exemplo. Mas tão grave como esta explicação, e tão contrária à melhor tradição dos comunistas, é, por exemplo, os dirigentes do PCP, por intermédios dos seus analistas oficiais, esconderem-se atrás dos resultados eleitorais do PCF, nas presidenciais e legislativas para branquear os seus próprios erros e derrotas. A introdução da incerteza na luta política dos comunistas tem vários efeitos. O principal é considerar que o comunismo é mais uma caminhada da humanidade, no sentido da superação do modo e das relações de produção capitalista, do que um ponto de chegada, cuja antecâmara conhecida era o sistema existente nos países do bloco soviético. Se tomarmos esta premissa como hipótese de trabalho, a incerteza colocada na vitória do comunismo torna imperativa a necessidade de, a cada processo a desenvolver nessa direcção e ao conjunto de processos no seu todo, corresponderem outras tantas metas pelas quais se tem de lutar. Não chega aos comunistas manterem-se no papel de espectadores da agudização das contradições no seio do capitalismo, encostados à soleira do que há-de chegar. É-lhes exigido que intervenham activa e assertivamente no sentido de irem conquistando posições e consolidando formações não-capitalistas no seio da própria sociedade capitalista. Trabalhar sobre a incerteza obriga, por outro lado, a considerar que a base social de apoio a este tipo de estratégia política deva ser obrigatoriamente ampla, heterogénea, porventura recheada de elementos contraditórios, mas que pode ser plenamente conseguida se, em vez de se tomar o marxismo e o leninismo como um criptograma, se considerarem, na expressão de Umberto Eco, como obras abertas interpretáveis e orientadoras da visão política do que se pode ir configurando como uma sociedade comunista. Como não é isto que se está a verificar no PCP, assiste-se a uma espécie de greve dos acontecimentos, como já alguém designou o afundamento do bloco soviético. A tentativa e erro, o principal e mais experimentado suporte metodológico de toda a aprendizagem, está no centro da aproximação da vitória do comunismo pela via da incerteza. Não para se persistir no erro mas para centrar a intervenção política na tentativa, com a consciência de que o erro é uma das contingências que se podem verificar. É neste aspecto que a questão da organização partidária assume tanto relevo e é tão importante. Numa lógica em que a incerteza dos resultados da acção política é geradora de uma forte tensão partidária, o risco da incerteza se converter numa vitória irreversível da certeza só teria lugar na condição de a rotina, a preguiça, o raquitismo teórico e a repressão interna serem eleitos como os principais valores partidários. É para prevenir estes riscos que advogo um partido mais de militantes do que de funcionários. Pela simples razão de que a vitória não era certa.

Cipriano Justo (médico, militante comunista)

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