Intervenção da Deputada Odete Santos

30-03-2004
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Proposta de Lei nº 67/VII, sobre o novo "Regime Jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais"

Intervenção da Deputada Odete Santos

Reunião Plenária de 10 de Abril de 1997

Senhor Presidente

Senhores Deputados

Senhores Membros do Governo:

A Assembleia da República aprovou já na generalidade dois projectos de Lei do P.C.P. sobre reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Com tal aprovação, finalmente obtida depois de goradas três iniciativas legislativas anteriores, os sinistrados do trabalho, ficaram na expectativa de ver o final de uma caminhada dolorosa, pejada de mortes, de sofrimentos, de penúria. Dramas causados normalmente, por uma organização do trabalho de vistas muito curtas, visando apenas o lucro imediato, ainda que à custa de direitos fundamentais dos trabalhadores e suas famílias, como o direito à vida.

Esperava-se desta Proposta do Governo que ela tivesse adquirido as críticas feitas à legislação vigente, vigente há já 32 anos!

Foi tempo de aprender que quanto mais caro se torna reparar mais se investe na prevenção. E mais se defende o Homem integral, o que trabalha, mas não deixa de ser um Homem social, distinto da máquina porque do seu trabalho nasce a transformação do próprio Homem.

Foi tempo de aprender que havia necessidade de um novo enquadramento jurídico da reparação dos acidentes de trabalho, como o afirmou a UGT na consulta pública sobre os Projectos de Lei do P.C.P. e nas críticas que aos mesmos fez por não serem ainda a revolução jurídica que a U.G.T. defendia. Aliás, e frontalmente, o P.C.P. sempre afirmou que os seus projectos eram apenas um primeiro passo, destinada a pôr cobro de imediato, às pensões de miséria dos sinistrados do trabalho, eram projectos de emergência a que devia seguir-se um sistema social, e não privado, de reparação do infortúnio laboral. O único sistema, que por não visar o lucro à custa de sinistros e doenças, permitirá reformas arrojadas.

Desta feita, na consulta pública sobre a proposta de lei do Governo, não pudemos contar com a opinião da UGT que sobre a mesma não se pronunciou, ficando nós na dúvida sobre se é agora a UGT que dá o seu aval ao Governo nesta Proposta de Lei, ou se por pudor se teve de abster para não repetir em tom agora muito mais crítico, o que disse sobre os Projectos de Lei do P.CP.

Depois do debate e da audição promovida pela Comissão de Trabalho sobre as iniciativas do P.C.P., melhor fora que não se registassem alguns avanços na proposta do Governo.

Regista-se o fim do conceito de retribuição base, e o cálculo das pensões e indemnizações sobre a real retribuição do trabalhador.

Regista-se o alargamento do conceito de acidente de trabalho, nomeadamente por forma a englobar os acidentes em trajecto; o subsídio por morte no valor de 12 salários mínimos nacionais, o aumento das despesas de funeral, o aumento da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, ainda não caracterizado como reparação pelos danos morais.

Registamos tudo isso. Mas registamos também aspectos profundamente negativos, denunciados pela CGTP e a que julgamos que se associaria com gosto a UGT , face às suas posições anteriores nesta matéria.

Na verdade, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, apenas se atribui aos casos de incapacidade absoluta ou incapacidade igual ou superior a 70%. E não constituindo estes o maior número de sinistrados do trabalho, as seguradoras não viram mal em ceder neste aspecto, fingindo dar resposta à exigência de reparação por danos morais.

Cederam aqui e nos outros casos apontados em troca de outros ganhos que a proposta não disfarça.

Embora a reparação , segundo a proposta, seja calculada com base no salário real do trabalhador, a verdade é que não se propõe a reparação total relativamente à desvalorização sofrida. Apenas se propõe a reparação de uma percentagem dessa desvalorização: 80, 50 ou 65 por cento da desvalorização conforme os casos. Assim, nem sequer os danos patrimoniais sofridos pelo trabalhador são reparados, quanto mais os danos morais efectivamente sofridos pelos trabalhadores e suas famílias.

Acresce que em relação às desvalorizações inferiores a 30%, aquelas em que se situa o grande número de sinistrados, o Governo propõe que as pensões sejam obrigatoriamente remidas, apenas com base em 50% da redução sofrida na capacidade de ganho e com base numa tabela que por ora desconhecemos, mas que certamente tem a preparação com a prestimosa cooperação das seguradoras e do Instituto de Seguros de Portugal. Se um trabalhador tiver 20% de desvalorização apenas receberá um capital, calculado por uma fórmula que não nos fornece, como se tivesse apenas 10% de desvalorização.

É bom que se diga que nesta área, na das desvalorizações inferiores a 30% se situam as pensões mais degradadas, aquelas que segundo a actual legislação nunca puderam ter qualquer actualização. O quadro da remição assenta assim, numa base de cálculo baixa, para a grande maioria de sinistrados do trabalho. E com a remição obrigatória, as seguradoras livram-se de uma penada da obrigação de terem constituídas as provisões matemáticas, libertando-as para as utilizarem como lhes aprouver.

Isto é inadmissível.

Como inadmissível é que num diploma que pretende ser o que não é - um novo regime jurídico de reparação do infortúnio laboral - se não preveja actualização anual das pensões. A aprovação deste diploma tal como está, produziria a curto prazo a degradação das pensões, principal queixa dos sinistrados do trabalho.

Importa também denunciar que a alteração do que se encontra previsto no nº 2 da actual lei 2.127, parece redundar num manifesto prejuízo para os trabalhadores, e num benefício para as seguradoras.

Efectivamente, o artigo 2º da proposta de lei exclui da sua aplicação aqueles que em conjunto ou isoladamente, trabalhem na dependência económica da pessoa servida.

A actual lei equipara-os a trabalhadores por conta de outrem, obrigatoriamente segurados pela entidade recebedora do serviço.

Com a alteração, o que vai suceder é que as pessoas em determinados regimes, ilegais, como os trabalhadores com recibo verde, vão ter que provar a subordinação jurídica, para conseguirem da entidade patronal a reparação pelo sinistro.

Mas a situação é ainda mais grave. É que estes trabalhadores vão ser instados a fazer seguro como trabalhadores independentes, facto que já se passa hoje na função pública, ma administração hospitalar.

Com o que se enchem as carteiras de clientes das seguradoras privadas.

Esta proposta surge ao arrepio da evolução que na prática vem sucedendo acerca dos elementos característicos do contrato de trabalho. É que nestes dias, em que a precarização laboral assume formas cada vez mais sofisticadas, o que verdadeiramente caracteriza o trabalho por conta de outrem já não é a subordinação jurídica, mas a subordinação económica.

Deve ainda assinalar-se um artigo emblemático desta Proposta de Lei - o artigo 29º.

Se é verdade que este artigo tem de coordenar-se com a proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, a verdade também é que a redacção do nº2 do artigo 29º, não reafirmando a proibição, aqui tanto mais necessária quanto é certo que as entidades empregadoras se desfazem dos trabalhadores sinistrados como de um trapo velho e sem uso, esse dispositivo é de uma maneira infeliz a aceitação de despedimento sem justa causa, de trabalhadores sinistrados.

E passando por cima do artigo 38º da Proposta, onde se anuncia a fusão do Fundo de garantia e Actualização de pensões com o Fundo de actualização de pensões tão desejada pelas seguradoras para através dessa fusão exigirem do Estado o financiamento das actualizações das pensões pagas e ainda a pagar, far-se-á um convite aos senhores Deputados: enumerem os assuntos que ficam para regulamentação. Ele é a regulamentação do conceito de familiar a cargo, das tabelas de remições de pensões, do conceito de trajecto para o trabalho, da ocupação dos trabalhadores em caso de incapacidade temporária parcial, do tal Fundo de Garantia, da ocupação dos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho...

Como é que é possível, depois de tantas iniquidades produzidas para a legislação em vigor, chegar a esta altura sem ter tudo definido por forma a resultar claro o sentido da Proposta de lei.

Senhor Presidente

senhores Deputados

Senhores Membros do Governo:

Compreende-se pelo exame da Proposta, por que motivo, desde a aprovação na generalidade dos Projectos de lei do P.C.P., tantos trabalhadores se nos dirigiram insistindo pela aprovação dos mesmos na especialidade.

É que as nossas iniciativas legislativas, apesar de serem ainda um primeiro passo, consideram já o trabalhador como um homem social.

Proposta de Lei nº 67/VII, sobre o novo "Regime Jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais"

Intervenção da Deputada Odete Santos

Reunião Plenária de 10 de Abril de 1997

Senhor Presidente

Senhores Deputados

Senhores Membros do Governo:

A Assembleia da República aprovou já na generalidade dois projectos de Lei do P.C.P. sobre reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Com tal aprovação, finalmente obtida depois de goradas três iniciativas legislativas anteriores, os sinistrados do trabalho, ficaram na expectativa de ver o final de uma caminhada dolorosa, pejada de mortes, de sofrimentos, de penúria. Dramas causados normalmente, por uma organização do trabalho de vistas muito curtas, visando apenas o lucro imediato, ainda que à custa de direitos fundamentais dos trabalhadores e suas famílias, como o direito à vida.

Esperava-se desta Proposta do Governo que ela tivesse adquirido as críticas feitas à legislação vigente, vigente há já 32 anos!

Foi tempo de aprender que quanto mais caro se torna reparar mais se investe na prevenção. E mais se defende o Homem integral, o que trabalha, mas não deixa de ser um Homem social, distinto da máquina porque do seu trabalho nasce a transformação do próprio Homem.

Foi tempo de aprender que havia necessidade de um novo enquadramento jurídico da reparação dos acidentes de trabalho, como o afirmou a UGT na consulta pública sobre os Projectos de Lei do P.C.P. e nas críticas que aos mesmos fez por não serem ainda a revolução jurídica que a U.G.T. defendia. Aliás, e frontalmente, o P.C.P. sempre afirmou que os seus projectos eram apenas um primeiro passo, destinada a pôr cobro de imediato, às pensões de miséria dos sinistrados do trabalho, eram projectos de emergência a que devia seguir-se um sistema social, e não privado, de reparação do infortúnio laboral. O único sistema, que por não visar o lucro à custa de sinistros e doenças, permitirá reformas arrojadas.

Desta feita, na consulta pública sobre a proposta de lei do Governo, não pudemos contar com a opinião da UGT que sobre a mesma não se pronunciou, ficando nós na dúvida sobre se é agora a UGT que dá o seu aval ao Governo nesta Proposta de Lei, ou se por pudor se teve de abster para não repetir em tom agora muito mais crítico, o que disse sobre os Projectos de Lei do P.CP.

Depois do debate e da audição promovida pela Comissão de Trabalho sobre as iniciativas do P.C.P., melhor fora que não se registassem alguns avanços na proposta do Governo.

Regista-se o fim do conceito de retribuição base, e o cálculo das pensões e indemnizações sobre a real retribuição do trabalhador.

Regista-se o alargamento do conceito de acidente de trabalho, nomeadamente por forma a englobar os acidentes em trajecto; o subsídio por morte no valor de 12 salários mínimos nacionais, o aumento das despesas de funeral, o aumento da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, ainda não caracterizado como reparação pelos danos morais.

Registamos tudo isso. Mas registamos também aspectos profundamente negativos, denunciados pela CGTP e a que julgamos que se associaria com gosto a UGT , face às suas posições anteriores nesta matéria.

Na verdade, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, apenas se atribui aos casos de incapacidade absoluta ou incapacidade igual ou superior a 70%. E não constituindo estes o maior número de sinistrados do trabalho, as seguradoras não viram mal em ceder neste aspecto, fingindo dar resposta à exigência de reparação por danos morais.

Cederam aqui e nos outros casos apontados em troca de outros ganhos que a proposta não disfarça.

Embora a reparação , segundo a proposta, seja calculada com base no salário real do trabalhador, a verdade é que não se propõe a reparação total relativamente à desvalorização sofrida. Apenas se propõe a reparação de uma percentagem dessa desvalorização: 80, 50 ou 65 por cento da desvalorização conforme os casos. Assim, nem sequer os danos patrimoniais sofridos pelo trabalhador são reparados, quanto mais os danos morais efectivamente sofridos pelos trabalhadores e suas famílias.

Acresce que em relação às desvalorizações inferiores a 30%, aquelas em que se situa o grande número de sinistrados, o Governo propõe que as pensões sejam obrigatoriamente remidas, apenas com base em 50% da redução sofrida na capacidade de ganho e com base numa tabela que por ora desconhecemos, mas que certamente tem a preparação com a prestimosa cooperação das seguradoras e do Instituto de Seguros de Portugal. Se um trabalhador tiver 20% de desvalorização apenas receberá um capital, calculado por uma fórmula que não nos fornece, como se tivesse apenas 10% de desvalorização.

É bom que se diga que nesta área, na das desvalorizações inferiores a 30% se situam as pensões mais degradadas, aquelas que segundo a actual legislação nunca puderam ter qualquer actualização. O quadro da remição assenta assim, numa base de cálculo baixa, para a grande maioria de sinistrados do trabalho. E com a remição obrigatória, as seguradoras livram-se de uma penada da obrigação de terem constituídas as provisões matemáticas, libertando-as para as utilizarem como lhes aprouver.

Isto é inadmissível.

Como inadmissível é que num diploma que pretende ser o que não é - um novo regime jurídico de reparação do infortúnio laboral - se não preveja actualização anual das pensões. A aprovação deste diploma tal como está, produziria a curto prazo a degradação das pensões, principal queixa dos sinistrados do trabalho.

Importa também denunciar que a alteração do que se encontra previsto no nº 2 da actual lei 2.127, parece redundar num manifesto prejuízo para os trabalhadores, e num benefício para as seguradoras.

Efectivamente, o artigo 2º da proposta de lei exclui da sua aplicação aqueles que em conjunto ou isoladamente, trabalhem na dependência económica da pessoa servida.

A actual lei equipara-os a trabalhadores por conta de outrem, obrigatoriamente segurados pela entidade recebedora do serviço.

Com a alteração, o que vai suceder é que as pessoas em determinados regimes, ilegais, como os trabalhadores com recibo verde, vão ter que provar a subordinação jurídica, para conseguirem da entidade patronal a reparação pelo sinistro.

Mas a situação é ainda mais grave. É que estes trabalhadores vão ser instados a fazer seguro como trabalhadores independentes, facto que já se passa hoje na função pública, ma administração hospitalar.

Com o que se enchem as carteiras de clientes das seguradoras privadas.

Esta proposta surge ao arrepio da evolução que na prática vem sucedendo acerca dos elementos característicos do contrato de trabalho. É que nestes dias, em que a precarização laboral assume formas cada vez mais sofisticadas, o que verdadeiramente caracteriza o trabalho por conta de outrem já não é a subordinação jurídica, mas a subordinação económica.

Deve ainda assinalar-se um artigo emblemático desta Proposta de Lei - o artigo 29º.

Se é verdade que este artigo tem de coordenar-se com a proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, a verdade também é que a redacção do nº2 do artigo 29º, não reafirmando a proibição, aqui tanto mais necessária quanto é certo que as entidades empregadoras se desfazem dos trabalhadores sinistrados como de um trapo velho e sem uso, esse dispositivo é de uma maneira infeliz a aceitação de despedimento sem justa causa, de trabalhadores sinistrados.

E passando por cima do artigo 38º da Proposta, onde se anuncia a fusão do Fundo de garantia e Actualização de pensões com o Fundo de actualização de pensões tão desejada pelas seguradoras para através dessa fusão exigirem do Estado o financiamento das actualizações das pensões pagas e ainda a pagar, far-se-á um convite aos senhores Deputados: enumerem os assuntos que ficam para regulamentação. Ele é a regulamentação do conceito de familiar a cargo, das tabelas de remições de pensões, do conceito de trajecto para o trabalho, da ocupação dos trabalhadores em caso de incapacidade temporária parcial, do tal Fundo de Garantia, da ocupação dos trabalhadores afectados de lesão ou doença que lhes reduza a capacidade de trabalho ou de ganho...

Como é que é possível, depois de tantas iniquidades produzidas para a legislação em vigor, chegar a esta altura sem ter tudo definido por forma a resultar claro o sentido da Proposta de lei.

Senhor Presidente

senhores Deputados

Senhores Membros do Governo:

Compreende-se pelo exame da Proposta, por que motivo, desde a aprovação na generalidade dos Projectos de lei do P.C.P., tantos trabalhadores se nos dirigiram insistindo pela aprovação dos mesmos na especialidade.

É que as nossas iniciativas legislativas, apesar de serem ainda um primeiro passo, consideram já o trabalhador como um homem social.

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