«Avante!» Nº 1352

14-06-2002
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Cadeiras

e outras diversões

H á ditos tão certeiros que perduram mesmo depois de as situações que lhes estão na origem se terem desvanecido na memória, dada a tão pouca importância que se lhes (às situações) atribui. Aqui há tempos, ainda as eleições legislativas não tinham apurado resultados e não havia começado o jogo das cadeiras nem o PS contava com a metade de um hemiciclo para prosseguir (sempre dialogante) a sua política de direita, apoiado em quem o venha a ajudar, um comediante da nossa praça - talvez o único humorista que conseguiu vicejar e fazer-nos rir e pensar, apesar das escorregadelas a que se sujeita -, fazia esta pergunta no seu programa de TV: «Onde é que o Bloco de Esquerda se vai sentar? À esquerda do PCP? À direita do PCP? Ou lá atrás, ao colo dos jornalistas onde nunca deixou de estar?» Era mais ou menos esta a pergunta, cito-a de memória e recordo, no barulho dos aplausos, o entendimento da piada por parte do público.

Lidos os resultados, o BE lá conseguiu duas cadeiras, ficando agora com o problema de as juntar a quem quiser para a política que quiser fazer. Quererá fazer alguma? Da sua pressa anunciada em «renovar» a política e «renovar» a «esquerda», os seus primeiros passos parecem revelar que pretende apenas continuar «sentado ao colo dos jornalistas». Mesmo de pé - como ficou o par de deputados BE durante todo o primeiro dia da Assembleia, na tomada de posse - o agora deputado Louçã, acoplado do seu «adjunto» que o acompanha hoje por toda a parte, mesmo nas partes gagas de protestos «anti-chineses», mesmo de pé ambos continuam sentados. E os «jornalistas» - escrevo com aspas por respeito sincero para com a profissão e os profissionais que se recusam aos fretes mediáticos e ao serviço mais rasteiro dos interesses de quem é dono de jornais e de política - os «jornalistas» arriscam-se a terem de puxar pela imaginação para fornecer algumas ideias «renovadas» e frescas aos deputados BE. Porque não lhes forneceram banquinhos?

O jogo das cadeiras, porém, não se limita ao cantinho do BE. Muita cadeirada se adivinha nas bancadas do PS e à sua direita, para saber quem vai liderar o quê. E, no que toca ao Governo - «novo», como anunciava Guterres, deixando ver como a palavra «renovação» já não é o que era e esconde muitas vezes jogos de poder -, a novidade foi afinal um arrumar de cadeiras e de traseiros mal sentados.

Alguns ministros, que entretanto engordaram na primeira fase da política de direita de Guterres, tiverem direito agora a duas cadeiras. Caso de Jorge Coelho, que arrecada a das Obras Públicas, mesmo a calhar para o seu jeito inaugurativo, e a da Presidência, a jeito da sua propensão truculenta de «grande dinamizador» de um governo cuja estratégia não tem alma mas está carregada de «espírito de serviço» aos interesses do grande capital. Por falar em capital, outro «pesado» do ministério, Pina Moura, acumula a Economia e as Finanças - duas cadeiras para melhor servir, a golpes de privatização e de imposto.

Outras mudanças de assento são menos claras para o entendimento comum. Claro que fica a matar a Fernando Gomes o ministério das polícias, o seu pendor é esse. E que se compreende o afastamento de Miranda Calha, que não calhava ao desportivismo do ministro. Mas já não se entende que o eterno secretário de Estado do Desporto, agora com a medalha de haver contribuído para o êxito da candidatura portuguesa para o Euro 2004, seja despedido e vá para a... Defesa, quando se revelou um ponta de lança. Se é natural que Cravinho haja recusado a Defesa - ele que manifestou a sua queda para o lado civil da engenharia - já não se percebe o que fará no pelouro um jurista como Castro Caldas, acolitado pelo infeliz Calha, ainda por cima com a espada da Justiça sobre a cabeça. Talvez o «futebol» venha a explicar tudo.

O resto, ainda que misterioso apareça, são apenas cadeiras. Como a que deram à ministra de Belém, uma cadeirinha da «igualdade» para continuar, em lugar inferior, a acompanhar os negócios do Estado.

Alguns protagonistas, ao que parece, talvez nem venham a aquecer os lugares.

Entretanto, falemos de nós. Dos comunistas, que não jogam às cadeiras nem ao calhas.

No dia da tomada de posse, o grupo parlamentar do Partido Comunista Português teve um gesto significativo que, como era de esperar por parte da generalidade dos órgãos de comunicação social, não teve a retumbância que atribuem às cadeiral política. O PCP anunciou a entrega na Mesa da Assembleia da República, logo que no dia seguinte fosse eleita, de cinco projectos de lei.

Trata-se de uma iniciativa a que o nosso jornal dá relevo e que deveria merecer a atenção de todos os que da política mantêm uma ideia de dignidade, de verdade e de responsabilidade, mesmo aos que discordam das medidas propostas, porque são medidas com um conteúdo de classe a que se mostram adversos. O PCP avança, como prioridades, com projectos de lei de aumento do salário mínimo; aumento das pensões de reforma; reposição da idade da reforma das mulheres aos 62 anos; baixa das tarifas de electricidade; medidas para garantir a eleição do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação.

Avançar com estes projectos é uma urgência porque se pretende responder a questões que urgem. Mas tem ainda o mérito de mostrar naturalmente, como afirmou Octávio Teixeira, «o nosso inquestionável empenhamento na concretização dos nossos compromissos eleitorais».— Leandro Martins

«Avante!» Nº 1352 - 28.Outubro.1999

Cadeiras

e outras diversões

H á ditos tão certeiros que perduram mesmo depois de as situações que lhes estão na origem se terem desvanecido na memória, dada a tão pouca importância que se lhes (às situações) atribui. Aqui há tempos, ainda as eleições legislativas não tinham apurado resultados e não havia começado o jogo das cadeiras nem o PS contava com a metade de um hemiciclo para prosseguir (sempre dialogante) a sua política de direita, apoiado em quem o venha a ajudar, um comediante da nossa praça - talvez o único humorista que conseguiu vicejar e fazer-nos rir e pensar, apesar das escorregadelas a que se sujeita -, fazia esta pergunta no seu programa de TV: «Onde é que o Bloco de Esquerda se vai sentar? À esquerda do PCP? À direita do PCP? Ou lá atrás, ao colo dos jornalistas onde nunca deixou de estar?» Era mais ou menos esta a pergunta, cito-a de memória e recordo, no barulho dos aplausos, o entendimento da piada por parte do público.

Lidos os resultados, o BE lá conseguiu duas cadeiras, ficando agora com o problema de as juntar a quem quiser para a política que quiser fazer. Quererá fazer alguma? Da sua pressa anunciada em «renovar» a política e «renovar» a «esquerda», os seus primeiros passos parecem revelar que pretende apenas continuar «sentado ao colo dos jornalistas». Mesmo de pé - como ficou o par de deputados BE durante todo o primeiro dia da Assembleia, na tomada de posse - o agora deputado Louçã, acoplado do seu «adjunto» que o acompanha hoje por toda a parte, mesmo nas partes gagas de protestos «anti-chineses», mesmo de pé ambos continuam sentados. E os «jornalistas» - escrevo com aspas por respeito sincero para com a profissão e os profissionais que se recusam aos fretes mediáticos e ao serviço mais rasteiro dos interesses de quem é dono de jornais e de política - os «jornalistas» arriscam-se a terem de puxar pela imaginação para fornecer algumas ideias «renovadas» e frescas aos deputados BE. Porque não lhes forneceram banquinhos?

O jogo das cadeiras, porém, não se limita ao cantinho do BE. Muita cadeirada se adivinha nas bancadas do PS e à sua direita, para saber quem vai liderar o quê. E, no que toca ao Governo - «novo», como anunciava Guterres, deixando ver como a palavra «renovação» já não é o que era e esconde muitas vezes jogos de poder -, a novidade foi afinal um arrumar de cadeiras e de traseiros mal sentados.

Alguns ministros, que entretanto engordaram na primeira fase da política de direita de Guterres, tiverem direito agora a duas cadeiras. Caso de Jorge Coelho, que arrecada a das Obras Públicas, mesmo a calhar para o seu jeito inaugurativo, e a da Presidência, a jeito da sua propensão truculenta de «grande dinamizador» de um governo cuja estratégia não tem alma mas está carregada de «espírito de serviço» aos interesses do grande capital. Por falar em capital, outro «pesado» do ministério, Pina Moura, acumula a Economia e as Finanças - duas cadeiras para melhor servir, a golpes de privatização e de imposto.

Outras mudanças de assento são menos claras para o entendimento comum. Claro que fica a matar a Fernando Gomes o ministério das polícias, o seu pendor é esse. E que se compreende o afastamento de Miranda Calha, que não calhava ao desportivismo do ministro. Mas já não se entende que o eterno secretário de Estado do Desporto, agora com a medalha de haver contribuído para o êxito da candidatura portuguesa para o Euro 2004, seja despedido e vá para a... Defesa, quando se revelou um ponta de lança. Se é natural que Cravinho haja recusado a Defesa - ele que manifestou a sua queda para o lado civil da engenharia - já não se percebe o que fará no pelouro um jurista como Castro Caldas, acolitado pelo infeliz Calha, ainda por cima com a espada da Justiça sobre a cabeça. Talvez o «futebol» venha a explicar tudo.

O resto, ainda que misterioso apareça, são apenas cadeiras. Como a que deram à ministra de Belém, uma cadeirinha da «igualdade» para continuar, em lugar inferior, a acompanhar os negócios do Estado.

Alguns protagonistas, ao que parece, talvez nem venham a aquecer os lugares.

Entretanto, falemos de nós. Dos comunistas, que não jogam às cadeiras nem ao calhas.

No dia da tomada de posse, o grupo parlamentar do Partido Comunista Português teve um gesto significativo que, como era de esperar por parte da generalidade dos órgãos de comunicação social, não teve a retumbância que atribuem às cadeiral política. O PCP anunciou a entrega na Mesa da Assembleia da República, logo que no dia seguinte fosse eleita, de cinco projectos de lei.

Trata-se de uma iniciativa a que o nosso jornal dá relevo e que deveria merecer a atenção de todos os que da política mantêm uma ideia de dignidade, de verdade e de responsabilidade, mesmo aos que discordam das medidas propostas, porque são medidas com um conteúdo de classe a que se mostram adversos. O PCP avança, como prioridades, com projectos de lei de aumento do salário mínimo; aumento das pensões de reforma; reposição da idade da reforma das mulheres aos 62 anos; baixa das tarifas de electricidade; medidas para garantir a eleição do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação.

Avançar com estes projectos é uma urgência porque se pretende responder a questões que urgem. Mas tem ainda o mérito de mostrar naturalmente, como afirmou Octávio Teixeira, «o nosso inquestionável empenhamento na concretização dos nossos compromissos eleitorais».— Leandro Martins

«Avante!» Nº 1352 - 28.Outubro.1999

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