Uma freguesia à procura de uma vogal

10-07-2003
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Uma Freguesia à Procura de Uma Vogal

Por FRANCISCO NEVES

Quinta-feira, 03 de Julho de 2003

Entre o ruído festivo ou revoltado causado pelas recentes votações parlamentares relativas aos novos concelhos poucos terão dado conta do drama absurdo vivido terça-feira por uma freguesia rural do Alentejo. Por causa de uma vogal.

Entre as dezenas de textos votados terça-feira em São Bento estava um projecto de lei patrocinado pelo deputado socialista por Évora Capoulas Santos que mais não pedia que a inclusão de um "u" na designação da freguesia de Nossa Senhora da Torega, localidade do concelho de Évora com pouco menos de mil habitantes. O texto, com um único artigo, mais não faria do que dar à terra o nome que quase sempre teve - Nossa Senhora da Tourega. Mas foi chumbado pela maioria PSD/PP.

A aldeia, que já existia no tempo de Geraldo Sem-Pavor, cavaleiro de D. Afonso Henriques, pelo menos desde o século XVI que era apelidada de Tourega, topónimo que durou até ao malfadado ano de 1960, quando um erro tipográfico da lista oficial das freguesias sincopou a palavra, tornando-a Torega. O texto a votar anteontem propunha-se corrigir o lapso. Uma reparação tornada mais urgente por Nossa Senhora da Tourega estar a discutir o seu símbolo heráldico, que se quer limpo de erros.

A coisa parecia simples: o regresso da vogal fora ponderado e unanimemente acolhido nas mais diversas instâncias: assembleia de freguesia, Câmara de Évora, Assembleia Municipal de Évora, comissão parlamentar do poder local; o projecto de lei tinha apenas um artigo. Era simples. Até encalhar num "lapso" daqueles cujo voto mais importava. O relatório da comissão parlamentar e o guião de votação entregue aos deputados da maioria davam a entender que a mudança de topónimo pretendia não só restaurar o nome de "Tourega" como também retirar-lhe o "Nossa Senhora da", argumentou o deputado por Évora do PSD Miguel Raimundo. "E isso a freguesia nunca quis", acrescentou. Mas, se tivessem lido o texto que se lhes pedia que votassem teriam visto que não era assim. Capoulas Santos estava ontem espantado com o incidente. "Os que votaram contra nem sequer leram o texto. Ficaram-se pelo guião!"

Pior ficou o presidente da junta, João José Valverde, que terá ameaçado entregar ao governador civil de Évora a chaves da autarquia quando soube da ligeireza de Lisboa. Na junta, uma funcionária certamente falava por ele quando dizia ao telefone: "Isto são coisas que caem muito mal".

Agora das duas uma, explicou Miguel Raimundo: ou se consegue o acordo da Mesa da Assembleia para nova votação ainda hoje, ou o renitente "u" vai continuar fugido por mais um ano.

Uma Freguesia à Procura de Uma Vogal

Por FRANCISCO NEVES

Quinta-feira, 03 de Julho de 2003

Entre o ruído festivo ou revoltado causado pelas recentes votações parlamentares relativas aos novos concelhos poucos terão dado conta do drama absurdo vivido terça-feira por uma freguesia rural do Alentejo. Por causa de uma vogal.

Entre as dezenas de textos votados terça-feira em São Bento estava um projecto de lei patrocinado pelo deputado socialista por Évora Capoulas Santos que mais não pedia que a inclusão de um "u" na designação da freguesia de Nossa Senhora da Torega, localidade do concelho de Évora com pouco menos de mil habitantes. O texto, com um único artigo, mais não faria do que dar à terra o nome que quase sempre teve - Nossa Senhora da Tourega. Mas foi chumbado pela maioria PSD/PP.

A aldeia, que já existia no tempo de Geraldo Sem-Pavor, cavaleiro de D. Afonso Henriques, pelo menos desde o século XVI que era apelidada de Tourega, topónimo que durou até ao malfadado ano de 1960, quando um erro tipográfico da lista oficial das freguesias sincopou a palavra, tornando-a Torega. O texto a votar anteontem propunha-se corrigir o lapso. Uma reparação tornada mais urgente por Nossa Senhora da Tourega estar a discutir o seu símbolo heráldico, que se quer limpo de erros.

A coisa parecia simples: o regresso da vogal fora ponderado e unanimemente acolhido nas mais diversas instâncias: assembleia de freguesia, Câmara de Évora, Assembleia Municipal de Évora, comissão parlamentar do poder local; o projecto de lei tinha apenas um artigo. Era simples. Até encalhar num "lapso" daqueles cujo voto mais importava. O relatório da comissão parlamentar e o guião de votação entregue aos deputados da maioria davam a entender que a mudança de topónimo pretendia não só restaurar o nome de "Tourega" como também retirar-lhe o "Nossa Senhora da", argumentou o deputado por Évora do PSD Miguel Raimundo. "E isso a freguesia nunca quis", acrescentou. Mas, se tivessem lido o texto que se lhes pedia que votassem teriam visto que não era assim. Capoulas Santos estava ontem espantado com o incidente. "Os que votaram contra nem sequer leram o texto. Ficaram-se pelo guião!"

Pior ficou o presidente da junta, João José Valverde, que terá ameaçado entregar ao governador civil de Évora a chaves da autarquia quando soube da ligeireza de Lisboa. Na junta, uma funcionária certamente falava por ele quando dizia ao telefone: "Isto são coisas que caem muito mal".

Agora das duas uma, explicou Miguel Raimundo: ou se consegue o acordo da Mesa da Assembleia para nova votação ainda hoje, ou o renitente "u" vai continuar fugido por mais um ano.

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