Uma semana depois

23-01-2005
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Uma Semana Depois

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Domingo, 02 de Janeiro de 2005

s dimensões do maremoto de 26 de Dezembro são as daquelas tragédias naturais que ocorrem uma vez em cada geração. Mais: no Índico um maremoto destas dimensões não ocorria desde a explosão de Krakatoa e o terramoto que o provocou foi o quarto mais forte do último século, o mais violento dos últimos 40 anos, libertando uma energia equivalente a 30 mil bombas de Hiroshima.

Estamos pois perante uma tragédia natural que, mesmo não sendo a que mais vidas reclamou em tempos recentes - um terramoto na China em 1976 matou mais de 600 mil pessoas e um ciclone no Bangladesh em 1970 meio milhão -, levou a destruição de uma dúzia de países diferentes e atingiu populações das mais pobres do planeta. Isso leva-nos a algumas curtas reflexões.

A primeira reflexão é sobre como foi possível que os sistemas desenvolvidos para avisar as populações da aproximação de um maremoto não tenham funcionado. Nesta edição do PÚBLICO um especialista, Costas Synolakis, explica como, desde o maremoto provocado pelo terramoto do Alaska de 1946 se desenvolveu um sistema de alerta para todo o Pacífico que já salvou milhares de vidas. Os japoneses têm tirado especial partido deste sistema que permite monitorizar um fenómeno que é conhecido com o nome com que eles próprios o baptizaram - tsunami - uma vez que, ao contrário dos terramotos, em que a ciência ainda não descobriu forma de os prever, os maremotos só surgem depois da terra tremer e as suas ondas gigantes levam algum tempo a atingirem as costas (neste caso os cientistas teriam entre 90 e 150 minutos para lançarem o alerta).

No Pacífico esse sistema funciona, não requer investimentos fora do razoável e é coordenado pelas Nações Unidas. No Índico não existe nada. É certo que os tsunamis são aí mais raros, e também é verdade que nenhum dos países da região tem a capacidade económica e científica dos Estados Unidos ou do Japão, mas o que agora se passou mostra que mesmo podendo estas catástrofes ocorrer apenas uma vez em cada século, a montagem de um sistema semelhante no Índico deve entrar, desde já, na agenda internacional.

A segunda reflexão tem a ver com a necessidade de não esquecermos depressa o que se passou. O tsunami mereceu por estes dias um destaque raro, que foi ainda maior porque uma das regiões afectadas é um dos paraísos de férias da Europa rica e, entre as vítimas, haverá centenas de europeus (aliás vimos muitos mais imagens desses paraísos turísticos do que das costas miseráveis da ilha de Sumatra, onde a destruição foi muito maior, o que diz muito sobre as agendas informativas internacionais).

O choque colocou pressão sobre os governos para enviarem ajuda de emergência e multiplicaram-se as iniciativas da sociedade civil para recolher fundos e canalizá-los para países que são dos mais pobres do Mundo. Esta onda de solidariedade foi fácil de formar, mais difícil será mantê-la a médio e longo prazo. Os médicos que acorreram ajudarão por certo a mitigar os riscos de epidemias, mas um dia regressarão, tal como terminarão os medicamentos enviados nos aviões filmados pelas televisões. Depois disso haverá milhares de comunidades que terão de recomeçar as suas vidas do nada, se bem que quase nada fosse o que possuíam; assim como haverá infraestruturas para reconstruir em zonas onde não haverá as mesmas facilidades das praias que atraem - e vão continuar a atrair - turistas de todo o mundo.

Ora o que a experiência nos diz é que o dinheiro da solidariedade, público e privado, tende a ser desviado de um desastre para outro conforme a atenção dos media ou as conveniências de momento. Quando os cadáveres desaparecem dos ecrãs, a atenção da opinião pública e das autoridades esmorece e sucede o que sucedeu com o desastre de há um ano em Bam, no Irão: foram prometidos mil milhões de dólares, até agora chegaram 17 milhões...

A terceira reflexão remete para a nossa própria situação. Grandes maremotos são ainda mais raros no Atlântico, mas todos se recordam do de 1755. Mais: geologicamente a zona onde se geram os terramotos mais violentos que afectam Portugal é também uma zona de subducção como em Sumatra. E aquilo que os banhistas algarvios fizeram há dois anos quando, num dia de Verão, julgaram ver uma onda gigantesca no horizonte - saírem da praia e virem assistir para os molhes - não teria evitado qualquer desastre, antes agravado.

Pior: como escreveu no PÚBLICO Miguel Miranda, do Instituto Geofísico D. Luís, não possuímos a rede mínima de sismógrafos para prever eventos destes. Não seria pois altura de, em colaboração com os parceiros do Atlântico e no quadro da UE, iniciarmos um programa sério de prevenção? Ou vamos esperar que, se formos de novo atingidos por uma catástrofe, tenhamos na sorte de ter por cá alguém com a fibra e visão de um Marquês de Pombal?

Uma Semana Depois

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Domingo, 02 de Janeiro de 2005

s dimensões do maremoto de 26 de Dezembro são as daquelas tragédias naturais que ocorrem uma vez em cada geração. Mais: no Índico um maremoto destas dimensões não ocorria desde a explosão de Krakatoa e o terramoto que o provocou foi o quarto mais forte do último século, o mais violento dos últimos 40 anos, libertando uma energia equivalente a 30 mil bombas de Hiroshima.

Estamos pois perante uma tragédia natural que, mesmo não sendo a que mais vidas reclamou em tempos recentes - um terramoto na China em 1976 matou mais de 600 mil pessoas e um ciclone no Bangladesh em 1970 meio milhão -, levou a destruição de uma dúzia de países diferentes e atingiu populações das mais pobres do planeta. Isso leva-nos a algumas curtas reflexões.

A primeira reflexão é sobre como foi possível que os sistemas desenvolvidos para avisar as populações da aproximação de um maremoto não tenham funcionado. Nesta edição do PÚBLICO um especialista, Costas Synolakis, explica como, desde o maremoto provocado pelo terramoto do Alaska de 1946 se desenvolveu um sistema de alerta para todo o Pacífico que já salvou milhares de vidas. Os japoneses têm tirado especial partido deste sistema que permite monitorizar um fenómeno que é conhecido com o nome com que eles próprios o baptizaram - tsunami - uma vez que, ao contrário dos terramotos, em que a ciência ainda não descobriu forma de os prever, os maremotos só surgem depois da terra tremer e as suas ondas gigantes levam algum tempo a atingirem as costas (neste caso os cientistas teriam entre 90 e 150 minutos para lançarem o alerta).

No Pacífico esse sistema funciona, não requer investimentos fora do razoável e é coordenado pelas Nações Unidas. No Índico não existe nada. É certo que os tsunamis são aí mais raros, e também é verdade que nenhum dos países da região tem a capacidade económica e científica dos Estados Unidos ou do Japão, mas o que agora se passou mostra que mesmo podendo estas catástrofes ocorrer apenas uma vez em cada século, a montagem de um sistema semelhante no Índico deve entrar, desde já, na agenda internacional.

A segunda reflexão tem a ver com a necessidade de não esquecermos depressa o que se passou. O tsunami mereceu por estes dias um destaque raro, que foi ainda maior porque uma das regiões afectadas é um dos paraísos de férias da Europa rica e, entre as vítimas, haverá centenas de europeus (aliás vimos muitos mais imagens desses paraísos turísticos do que das costas miseráveis da ilha de Sumatra, onde a destruição foi muito maior, o que diz muito sobre as agendas informativas internacionais).

O choque colocou pressão sobre os governos para enviarem ajuda de emergência e multiplicaram-se as iniciativas da sociedade civil para recolher fundos e canalizá-los para países que são dos mais pobres do Mundo. Esta onda de solidariedade foi fácil de formar, mais difícil será mantê-la a médio e longo prazo. Os médicos que acorreram ajudarão por certo a mitigar os riscos de epidemias, mas um dia regressarão, tal como terminarão os medicamentos enviados nos aviões filmados pelas televisões. Depois disso haverá milhares de comunidades que terão de recomeçar as suas vidas do nada, se bem que quase nada fosse o que possuíam; assim como haverá infraestruturas para reconstruir em zonas onde não haverá as mesmas facilidades das praias que atraem - e vão continuar a atrair - turistas de todo o mundo.

Ora o que a experiência nos diz é que o dinheiro da solidariedade, público e privado, tende a ser desviado de um desastre para outro conforme a atenção dos media ou as conveniências de momento. Quando os cadáveres desaparecem dos ecrãs, a atenção da opinião pública e das autoridades esmorece e sucede o que sucedeu com o desastre de há um ano em Bam, no Irão: foram prometidos mil milhões de dólares, até agora chegaram 17 milhões...

A terceira reflexão remete para a nossa própria situação. Grandes maremotos são ainda mais raros no Atlântico, mas todos se recordam do de 1755. Mais: geologicamente a zona onde se geram os terramotos mais violentos que afectam Portugal é também uma zona de subducção como em Sumatra. E aquilo que os banhistas algarvios fizeram há dois anos quando, num dia de Verão, julgaram ver uma onda gigantesca no horizonte - saírem da praia e virem assistir para os molhes - não teria evitado qualquer desastre, antes agravado.

Pior: como escreveu no PÚBLICO Miguel Miranda, do Instituto Geofísico D. Luís, não possuímos a rede mínima de sismógrafos para prever eventos destes. Não seria pois altura de, em colaboração com os parceiros do Atlântico e no quadro da UE, iniciarmos um programa sério de prevenção? Ou vamos esperar que, se formos de novo atingidos por uma catástrofe, tenhamos na sorte de ter por cá alguém com a fibra e visão de um Marquês de Pombal?

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