"A festa calou a crítica" em Coimbra 2003

20-07-2003
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"A Festa Calou a Crítica" em Coimbra 2003

Por POR ÁLVARO VIEIRA

Sábado, 12 de Julho de 2003 "É quase um milagre que ainda não tenha acontecido", confessa Abílio Hernandez, presidente da Coimbra 2003 Capital Nacional da Cultura (CCNC). O "milagre" são os vários espectáculos do evento que estiveram prestes a ser cancelados por os intervenientes não terem sido pagos atempadamente. A meio da CCNC, diz Hernandez, já é possível confirmar que o modelo de gestão é "inadequado": "Um evento deste género tem que ter autonomia financeira. Os documentos passam pelos nossos serviços, pela Direcção Regional de Cultura do Centro (DRCC), pelo Ministério da Cultura (MC) - três instâncias. Demoramos seis meses para pagar algumas dívidas. Os credores têm revelado uma paciência tremenda." Apesar desta situação, "a corrigir quando se decidirem novas 'capitais'", Hernandez faz um "balanço extremamente positivo" da primeira metade da capital. "120 mil pessoas já passaram pelos nossos eventos", compraz-se. Mas ainda se apoia em estimativas. O facto de a CCNC assentar numa parceria de sete instituições - a equipa nomeada pelo MC, a Câmara, a Universidade, o Politécnico, a Associação Comercial e Industrial de Coimbra, a Fundação Bissaya Barreto e a Comissão de Coordenação da Região Centro -, dificulta a reunião dos dados. Mas Hernandez também tem números para justificar a expressão "adesão notável": a exposição "De Nariz no Ar" teve mais de 17 mil visitantes; "Escultura de Coimbra: Do Gótico ao Maneirismo" foi vista por 15 mil pessoas; seis mil pessoas assistiram ao Festival de Percussão e quase cinco mil à ópera "Inês de Castro". O "Projecto Vicente" já se relacionou com mais de 20 mil jovens. Abílio Hernandez garante que o público da CCNC "já não é só o da Praça da República". Aponta o projecto "Mo(nu)mentos": "As freguesias têm enchido as igrejas para ouvir a Orquestra de Câmara de Coimbra. É gente que não vai ao Teatro Académico Gil Vicente, mas para quem as igrejas são espaços familiares, acolhedores." Públicos e críticas A questão dos públicos da CCNC esteve particularmente em foco no debate "Capitalizar a Cultura", organizado, na quarta-feira, pelo Bloco de Esquerda. Aí, o sociólogo Carlos Fortuna e António Augusto Barros, director d'A Escola da Noite e presidente da Cena Lusófona - Associação Portuguesa para o Intercâmbio Teatral, censuraram a CCNC por não ter preparado estudos sobre o público e equipamentos da cidade, nem sobre a experiência de Coimbra 1992 - Capital Nacional do Teatro. Fortuna, que se demitiu há meses do conselho consultivo da CCNC acusando Hernandez de "centralismo", afirmou que "a festa calou a crítica" à Coimbra 2003. Admitiu que "a razoável e diversificada oferta de eventos" tenha "adormecido" as pessoas, mas ressalvou que a CCNC continua a não dialogar com os cidadãos. Paulo Varela Gomes considerou natural que a festa tivesse calado a crítica, dada a "pobreza" da vida cultural da cidade, até 2003. "E desde quando a festa não apagou a crítica? Na Lisboa'94, só a quem não foram feitas encomendas", enfatizou o arquitecto, para quem o Teatro e a Arquitectura são as únicas áreas em que Coimbra verdadeiramente "existe". Abílio Hernandez não foi convidado para o debate, mas sugere que, se tivesse estado presente, defenderia que "foi o trabalho [realizado pela CCNC] que matou a crítica". Garante que a CCNC tem estado atenta à questão dos espaços. "Foi inaugurada a Oficina Municipal do Teatro, modificámos o Museu dos Transportes, a galeria da Escola Jaime Cortesão. Abriu o Centro de Artes Visuais [dos Encontros de Fotografia, que não integram a CCNC e cujo director, Albano Silva Pereira, se incompatibilizou com Hernandez], abriu o Pavilhão Centro de Portugal. Abriram espaços por acção directa nossa, outros pela da Câmara e outras instituições. Mostrámos como podem ser utilizados os jardins Botânico e da Sereia, a Praça Velha e os museus. Sempre disse que Coimbra não devia ter medo da CCNC, por ter só um teatro", insiste. Coimbra 2003 não tem uma equipa de programadores com autonomia para gerir orçamentos sectoriais. Por isso, a CCNC, apesar de também ter feito algumas encomendas e "concessionado" áreas - como na relação estabelecida com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra -, alimentou-se sobretudo de propostas, cujo último juiz foi Abílio Hernandez como decorria das resoluções do Governo. Hernandez não se queixa dessa responsabilidade e até discordaria de uma "capital" com organização e projectos assentes em concursos públicos. "Não me vejo a dirigir uma equipa resultante de um concurso. Há uma relação de confiança necessária." Admite, contudo, ter errado ao prescindir de publicar os critérios de selecção dos projectos a incluir no programa. E reconhece "falhas" nas respostas que deveria ter dado aos criadores preteridos. Aguarda-se uma declaração do ministro da Cultura sobre o facto de a CCNC ter adjudicado a execução do programa para a Música a uma empresa do programador musical do evento. A DRCC suspendeu os pagamentos ao programador e remeteu o caso à apreciação do ministro. Hernandez desvaloriza o diferendo com a DRCC: "Até hoje, não tivemos nenhum problema que não pudesse ser resolvido." O ministro da Cultura também já tem os resultados da auditoria realizada à CCNC, que o habilitará a responder de forma documentada ao requerimento apresentado, em Abril, pelo deputado social-democrata Miguel Coleta. O deputado pediu informações a Pedro Roseta sobre a exclusão dos Encontros de Fotografia da CCNC e sobre a relação de pessoas ligadas à programação com empresas e instituições que nela intervinham. Hernandez sublinha que a auditoria sempre esteve prevista e diz aguardar tranquilamente a intervenção do ministro. INSERT "Um evento deste género tem que ter autonomia financeira. Os documentos passam pelos nossos serviços, pela Direcção Regional de Cultura do Centro, pelo Ministério da Cultura - três instâncias. Demoramos seis meses para pagar algumas dívidas. Os credores têm revelado uma paciência tremenda" Abílio Hernandez OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE "A festa calou a crítica" em Coimbra 2003

Onde estão as pessoas que enchem as salas à noite?

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Por POR ÁLVARO VIEIRA

Sábado, 12 de Julho de 2003 "É quase um milagre que ainda não tenha acontecido", confessa Abílio Hernandez, presidente da Coimbra 2003 Capital Nacional da Cultura (CCNC). O "milagre" são os vários espectáculos do evento que estiveram prestes a ser cancelados por os intervenientes não terem sido pagos atempadamente. A meio da CCNC, diz Hernandez, já é possível confirmar que o modelo de gestão é "inadequado": "Um evento deste género tem que ter autonomia financeira. Os documentos passam pelos nossos serviços, pela Direcção Regional de Cultura do Centro (DRCC), pelo Ministério da Cultura (MC) - três instâncias. Demoramos seis meses para pagar algumas dívidas. Os credores têm revelado uma paciência tremenda." Apesar desta situação, "a corrigir quando se decidirem novas 'capitais'", Hernandez faz um "balanço extremamente positivo" da primeira metade da capital. "120 mil pessoas já passaram pelos nossos eventos", compraz-se. Mas ainda se apoia em estimativas. O facto de a CCNC assentar numa parceria de sete instituições - a equipa nomeada pelo MC, a Câmara, a Universidade, o Politécnico, a Associação Comercial e Industrial de Coimbra, a Fundação Bissaya Barreto e a Comissão de Coordenação da Região Centro -, dificulta a reunião dos dados. Mas Hernandez também tem números para justificar a expressão "adesão notável": a exposição "De Nariz no Ar" teve mais de 17 mil visitantes; "Escultura de Coimbra: Do Gótico ao Maneirismo" foi vista por 15 mil pessoas; seis mil pessoas assistiram ao Festival de Percussão e quase cinco mil à ópera "Inês de Castro". O "Projecto Vicente" já se relacionou com mais de 20 mil jovens. Abílio Hernandez garante que o público da CCNC "já não é só o da Praça da República". Aponta o projecto "Mo(nu)mentos": "As freguesias têm enchido as igrejas para ouvir a Orquestra de Câmara de Coimbra. É gente que não vai ao Teatro Académico Gil Vicente, mas para quem as igrejas são espaços familiares, acolhedores." Públicos e críticas A questão dos públicos da CCNC esteve particularmente em foco no debate "Capitalizar a Cultura", organizado, na quarta-feira, pelo Bloco de Esquerda. Aí, o sociólogo Carlos Fortuna e António Augusto Barros, director d'A Escola da Noite e presidente da Cena Lusófona - Associação Portuguesa para o Intercâmbio Teatral, censuraram a CCNC por não ter preparado estudos sobre o público e equipamentos da cidade, nem sobre a experiência de Coimbra 1992 - Capital Nacional do Teatro. Fortuna, que se demitiu há meses do conselho consultivo da CCNC acusando Hernandez de "centralismo", afirmou que "a festa calou a crítica" à Coimbra 2003. Admitiu que "a razoável e diversificada oferta de eventos" tenha "adormecido" as pessoas, mas ressalvou que a CCNC continua a não dialogar com os cidadãos. Paulo Varela Gomes considerou natural que a festa tivesse calado a crítica, dada a "pobreza" da vida cultural da cidade, até 2003. "E desde quando a festa não apagou a crítica? Na Lisboa'94, só a quem não foram feitas encomendas", enfatizou o arquitecto, para quem o Teatro e a Arquitectura são as únicas áreas em que Coimbra verdadeiramente "existe". Abílio Hernandez não foi convidado para o debate, mas sugere que, se tivesse estado presente, defenderia que "foi o trabalho [realizado pela CCNC] que matou a crítica". Garante que a CCNC tem estado atenta à questão dos espaços. "Foi inaugurada a Oficina Municipal do Teatro, modificámos o Museu dos Transportes, a galeria da Escola Jaime Cortesão. Abriu o Centro de Artes Visuais [dos Encontros de Fotografia, que não integram a CCNC e cujo director, Albano Silva Pereira, se incompatibilizou com Hernandez], abriu o Pavilhão Centro de Portugal. Abriram espaços por acção directa nossa, outros pela da Câmara e outras instituições. Mostrámos como podem ser utilizados os jardins Botânico e da Sereia, a Praça Velha e os museus. Sempre disse que Coimbra não devia ter medo da CCNC, por ter só um teatro", insiste. Coimbra 2003 não tem uma equipa de programadores com autonomia para gerir orçamentos sectoriais. Por isso, a CCNC, apesar de também ter feito algumas encomendas e "concessionado" áreas - como na relação estabelecida com o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra -, alimentou-se sobretudo de propostas, cujo último juiz foi Abílio Hernandez como decorria das resoluções do Governo. Hernandez não se queixa dessa responsabilidade e até discordaria de uma "capital" com organização e projectos assentes em concursos públicos. "Não me vejo a dirigir uma equipa resultante de um concurso. Há uma relação de confiança necessária." Admite, contudo, ter errado ao prescindir de publicar os critérios de selecção dos projectos a incluir no programa. E reconhece "falhas" nas respostas que deveria ter dado aos criadores preteridos. Aguarda-se uma declaração do ministro da Cultura sobre o facto de a CCNC ter adjudicado a execução do programa para a Música a uma empresa do programador musical do evento. A DRCC suspendeu os pagamentos ao programador e remeteu o caso à apreciação do ministro. Hernandez desvaloriza o diferendo com a DRCC: "Até hoje, não tivemos nenhum problema que não pudesse ser resolvido." O ministro da Cultura também já tem os resultados da auditoria realizada à CCNC, que o habilitará a responder de forma documentada ao requerimento apresentado, em Abril, pelo deputado social-democrata Miguel Coleta. O deputado pediu informações a Pedro Roseta sobre a exclusão dos Encontros de Fotografia da CCNC e sobre a relação de pessoas ligadas à programação com empresas e instituições que nela intervinham. Hernandez sublinha que a auditoria sempre esteve prevista e diz aguardar tranquilamente a intervenção do ministro. INSERT "Um evento deste género tem que ter autonomia financeira. Os documentos passam pelos nossos serviços, pela Direcção Regional de Cultura do Centro, pelo Ministério da Cultura - três instâncias. Demoramos seis meses para pagar algumas dívidas. Os credores têm revelado uma paciência tremenda" Abílio Hernandez OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE "A festa calou a crítica" em Coimbra 2003

Onde estão as pessoas que enchem as salas à noite?

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