FIM DO MILÉNIO

25-10-2002
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JANEIRO. Primeira clonagem de um macaco anunciada (dia 13) nos Estados Unidos. FEVEREIRO. A sonda «NEAR» aproxima-se, a 14, do asteróide Eros, o maior dos que orbitam o Sol entre Marte e Júpiter. A 28 de Outubro faria uma maior aproximação, obtendo imagens e dados que revelaram a estrutura e composição desse objecto. MARÇO. Um inquérito (dia 5) revelou que os portugueses colocam o ambiente em quinto lugar das suas preocupações, depois da droga, do desemprego, da saúde e da exclusão social. ABRIL. «Vacina» contra o cancro, descoberta por investigadores da Universidade do Porto, está a ser testada em humanos nos Estados Unidos. MAIO. A «guerra» da co-incineração reacende-se com a apresentação do relatório da Comissão Científica Independente. Manuel Alegre ameaça sair do PS. JUNHO. Divulgadas, a 21 e a 24, imagens da superfície de Marte que indiciam a existência de mares há milhões de anos. JULHO. Dois grupos de cientistas americanos afirmam ter restaurado a visão em doentes com córneas criadas em laboratório. AGOSTO. Ar do Porto apresenta valores preocupantes de toxinas e furanos; no dia 2, o ministro do Ambiente diz que mandará fechar as incineradoras hospitalares. SETEMBRO. Cientistas portugueses e franceses descobrem (DN, dia 9) o mecanismo de fusão das células sexuais das plantas. José Carlos Machado, do IPATIMUP, galardoado, a 27, pelos seus trabalhos sobre o desenvolvimento do carcinoma gástrico. OUTUBRO. Um casal do Colorado, EUA, usou testes genéticos para ter um novo filho com um tipo específico de células compatíveis para salvar da morte, por transplante de medula, a sua irmã de seis anos, desencadeando uma polémica a nível mundial. NOVEMBRO. A conferência de Haia sobre o aquecimento global do planeta foi «suspensa», dia 25, por falta de entendimento entre a União Europeia e o grupo de países liderado pelos EUA.Cientistas anunciam, a 30, êxito de uma vacina contra o Ebola testada em macacos. DEZEMBRO. Descoberto o mais antigo antepassado do homem, no Quénia, um fóssil com seis milhões de anos.Encerramento oficial, a 16, da central nuclear de Chernobyl.

A primeira edição

do Livro da Vida JOSÉ DAVID LOPES

A tarefa demorou mais de dez anos e envolveu o esforço de um número indeterminado de cientistas de instituições públicas e privadas, mas quando, em fins de Junho, foi anunciada a sequenciação do genoma humano ficou aberto o caminho para uma nova era da medicina, que marcará, em definitivo, o novo século, trazendo esperança para a cura de milhares de doenças genéticas. A ocasião foi suficientemente solene para levar o Presidente Clinton, dos Estados Unidos, e o primeiro-ministro Tony Blair, da Grã-Bretanha, a anunciarem em simultâneo, a 26 de Junho, através de videoconferência, o fim do ciclópico trabalho das duas entidades mais envolvidas no projecto, as quais estavam envolvidas, havia meses, numa desesperada corrida contra o tempo, cada uma delas desejando ser a primeira a «editar» o Livro da Vida: o Human Genome Project, um esforço internacional financiado por fundos públicos, e a Celera Genomics, de Craig Venter, que abandonara o HGP, alegadamente, devido à lentidão do trabalho de sequenciação. Complicadas negociações levaram ao anúncio em conjunto, apesar de a Celera Genomics se ter adiantado na sequenciação, graças não só ao dinamismo de Craig Venter mas também às novas técnicas de leitura de ADN e aos poderosos computadores que permitiram a decifração do «alfabeto genético» que codifica o ser humano. E porquê a corrida e porquê o compromisso, que a Celera apenas parcialmente assumiu? Porque conhecer o genoma e identificar os milhares de genes necessários para construir um ser humano – e também os responsáveis pelas suas doenças – pode também significar o maior negócio do século XXI. O «esboço» do Livro da Vida é apenas isso: um instrumento de trabalho. Mas é essencial para conhecer todos os genes e o modo como funcionam e interagem. Quem o descobrir, poderá, em princípio, patentear esses genes e ganhar fortunas inimagináveis à custa da descoberta da cura das mais de cinco mil doenças hereditárias que se julgam existir, para além de outras, como o cancro. Foi essa corrida que a Celera, em parte, não ganhou, comprometendo-se a disponibilizar a sua sequenciação a toda a comunidade científica. Mas, seja como for, tanto o HGP como a Celera abriram o caminho para o futuro.

O folhetim da co-incineração M. J. M.

A co-incineração de resíduos perigosos foi o grande tema que dominou, este ano, o espaço do ambiente em Portugal. A polémica vinha do ano anterior e tinha sido avivada, em Dezembro, com afirmações do ministro José Sócrates sobre a irreversibilidade do processo, a menos que a Comissão Científica Independente, com elementos nomeados pelo Governo e pelo Parlamento, o desaconselhasse, por eventuais riscos para a saúde pública. A comissão apresentou o seu relatório a 19 de Junho e, para surpresa de todos os opositores da co-incineração, não só recomendou que o processo fosse por diante como indicou as cimenteiras onde, no entender dos cientistas, deveria decorrer: Souselas e Outão. O caso, que já há muito saíra do domínio científico, saltou em força para o campo político, criando, inclusive, clivagens no PS, com os seus deputados por Coimbra, encabeçados por Manuel Alegre, a chumbarem esta solução. O relatório da comissão não chega, concluiu a Assembleia da República. E foi então decidida a nomeação de um Grupo de Trabalho Médico, para avaliar o risco para as populações. Os médicos apresentaram o seu relatório em Dezembro, concluindo, com um voto contra (Massano Cardoso), que «o processo não tem consequências gravosas para a saúde», apesar de recomendarem mais estudos e um rastreio epidemiológico das populações de Souselas e Outão. No fim do mês, Sócrates respirava de alívio e os opositores do processo ameaçavam voltar à luta, sem que ninguém, aparentemente, se lembrasse que a lei que permite a co-incineração em cimenteiras fora já promulgada pelo Presidente da República em fins de Julho. COMENTÁRIO O grande debate do século J. D. L.

Em finais do ano, o Parlamento britânico aprovou por larga maioria um alargamento da lei que regula a utilização de embriões humanos para investigação científica. O objectivo desta investigação, como se sabe, é usar as células estaminais ou indiferenciadas, a partir das quais se formam todos os tecidos do corpo, para tentar a cura de doenças degenerativas, como as de Alzheimer e de Parkinson, ou para criar órgãos para transplantes.

A decisão não foi pacificamente aceite pelos que encaram a pesquisa com embriões e a clonagem de células como primeiro passo para a criação de clones humanos. É certo que a tecnologia já existe e ninguém pode prever se algum cientista ultrapassará, eventualmente, esse tabu. Mas interessa mais criar mecanismos para que isso nunca venha a acontecer que criar obstáculos a investigações que podem salvar vidas humanas. Neste debate, que continuará a marcar os próximos anos, é bom que prevaleça a razão e que os conceitos de ética percam alguns «contágios» obscurantistas.

JANEIRO. Primeira clonagem de um macaco anunciada (dia 13) nos Estados Unidos. FEVEREIRO. A sonda «NEAR» aproxima-se, a 14, do asteróide Eros, o maior dos que orbitam o Sol entre Marte e Júpiter. A 28 de Outubro faria uma maior aproximação, obtendo imagens e dados que revelaram a estrutura e composição desse objecto. MARÇO. Um inquérito (dia 5) revelou que os portugueses colocam o ambiente em quinto lugar das suas preocupações, depois da droga, do desemprego, da saúde e da exclusão social. ABRIL. «Vacina» contra o cancro, descoberta por investigadores da Universidade do Porto, está a ser testada em humanos nos Estados Unidos. MAIO. A «guerra» da co-incineração reacende-se com a apresentação do relatório da Comissão Científica Independente. Manuel Alegre ameaça sair do PS. JUNHO. Divulgadas, a 21 e a 24, imagens da superfície de Marte que indiciam a existência de mares há milhões de anos. JULHO. Dois grupos de cientistas americanos afirmam ter restaurado a visão em doentes com córneas criadas em laboratório. AGOSTO. Ar do Porto apresenta valores preocupantes de toxinas e furanos; no dia 2, o ministro do Ambiente diz que mandará fechar as incineradoras hospitalares. SETEMBRO. Cientistas portugueses e franceses descobrem (DN, dia 9) o mecanismo de fusão das células sexuais das plantas. José Carlos Machado, do IPATIMUP, galardoado, a 27, pelos seus trabalhos sobre o desenvolvimento do carcinoma gástrico. OUTUBRO. Um casal do Colorado, EUA, usou testes genéticos para ter um novo filho com um tipo específico de células compatíveis para salvar da morte, por transplante de medula, a sua irmã de seis anos, desencadeando uma polémica a nível mundial. NOVEMBRO. A conferência de Haia sobre o aquecimento global do planeta foi «suspensa», dia 25, por falta de entendimento entre a União Europeia e o grupo de países liderado pelos EUA.Cientistas anunciam, a 30, êxito de uma vacina contra o Ebola testada em macacos. DEZEMBRO. Descoberto o mais antigo antepassado do homem, no Quénia, um fóssil com seis milhões de anos.Encerramento oficial, a 16, da central nuclear de Chernobyl.

A primeira edição

do Livro da Vida JOSÉ DAVID LOPES

A tarefa demorou mais de dez anos e envolveu o esforço de um número indeterminado de cientistas de instituições públicas e privadas, mas quando, em fins de Junho, foi anunciada a sequenciação do genoma humano ficou aberto o caminho para uma nova era da medicina, que marcará, em definitivo, o novo século, trazendo esperança para a cura de milhares de doenças genéticas. A ocasião foi suficientemente solene para levar o Presidente Clinton, dos Estados Unidos, e o primeiro-ministro Tony Blair, da Grã-Bretanha, a anunciarem em simultâneo, a 26 de Junho, através de videoconferência, o fim do ciclópico trabalho das duas entidades mais envolvidas no projecto, as quais estavam envolvidas, havia meses, numa desesperada corrida contra o tempo, cada uma delas desejando ser a primeira a «editar» o Livro da Vida: o Human Genome Project, um esforço internacional financiado por fundos públicos, e a Celera Genomics, de Craig Venter, que abandonara o HGP, alegadamente, devido à lentidão do trabalho de sequenciação. Complicadas negociações levaram ao anúncio em conjunto, apesar de a Celera Genomics se ter adiantado na sequenciação, graças não só ao dinamismo de Craig Venter mas também às novas técnicas de leitura de ADN e aos poderosos computadores que permitiram a decifração do «alfabeto genético» que codifica o ser humano. E porquê a corrida e porquê o compromisso, que a Celera apenas parcialmente assumiu? Porque conhecer o genoma e identificar os milhares de genes necessários para construir um ser humano – e também os responsáveis pelas suas doenças – pode também significar o maior negócio do século XXI. O «esboço» do Livro da Vida é apenas isso: um instrumento de trabalho. Mas é essencial para conhecer todos os genes e o modo como funcionam e interagem. Quem o descobrir, poderá, em princípio, patentear esses genes e ganhar fortunas inimagináveis à custa da descoberta da cura das mais de cinco mil doenças hereditárias que se julgam existir, para além de outras, como o cancro. Foi essa corrida que a Celera, em parte, não ganhou, comprometendo-se a disponibilizar a sua sequenciação a toda a comunidade científica. Mas, seja como for, tanto o HGP como a Celera abriram o caminho para o futuro.

O folhetim da co-incineração M. J. M.

A co-incineração de resíduos perigosos foi o grande tema que dominou, este ano, o espaço do ambiente em Portugal. A polémica vinha do ano anterior e tinha sido avivada, em Dezembro, com afirmações do ministro José Sócrates sobre a irreversibilidade do processo, a menos que a Comissão Científica Independente, com elementos nomeados pelo Governo e pelo Parlamento, o desaconselhasse, por eventuais riscos para a saúde pública. A comissão apresentou o seu relatório a 19 de Junho e, para surpresa de todos os opositores da co-incineração, não só recomendou que o processo fosse por diante como indicou as cimenteiras onde, no entender dos cientistas, deveria decorrer: Souselas e Outão. O caso, que já há muito saíra do domínio científico, saltou em força para o campo político, criando, inclusive, clivagens no PS, com os seus deputados por Coimbra, encabeçados por Manuel Alegre, a chumbarem esta solução. O relatório da comissão não chega, concluiu a Assembleia da República. E foi então decidida a nomeação de um Grupo de Trabalho Médico, para avaliar o risco para as populações. Os médicos apresentaram o seu relatório em Dezembro, concluindo, com um voto contra (Massano Cardoso), que «o processo não tem consequências gravosas para a saúde», apesar de recomendarem mais estudos e um rastreio epidemiológico das populações de Souselas e Outão. No fim do mês, Sócrates respirava de alívio e os opositores do processo ameaçavam voltar à luta, sem que ninguém, aparentemente, se lembrasse que a lei que permite a co-incineração em cimenteiras fora já promulgada pelo Presidente da República em fins de Julho. COMENTÁRIO O grande debate do século J. D. L.

Em finais do ano, o Parlamento britânico aprovou por larga maioria um alargamento da lei que regula a utilização de embriões humanos para investigação científica. O objectivo desta investigação, como se sabe, é usar as células estaminais ou indiferenciadas, a partir das quais se formam todos os tecidos do corpo, para tentar a cura de doenças degenerativas, como as de Alzheimer e de Parkinson, ou para criar órgãos para transplantes.

A decisão não foi pacificamente aceite pelos que encaram a pesquisa com embriões e a clonagem de células como primeiro passo para a criação de clones humanos. É certo que a tecnologia já existe e ninguém pode prever se algum cientista ultrapassará, eventualmente, esse tabu. Mas interessa mais criar mecanismos para que isso nunca venha a acontecer que criar obstáculos a investigações que podem salvar vidas humanas. Neste debate, que continuará a marcar os próximos anos, é bom que prevaleça a razão e que os conceitos de ética percam alguns «contágios» obscurantistas.

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