Suplemento Pública

27-08-2003
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Por EXÉRCITO DE SALVAÇÃO

Segunda-feira, 18 de Agosto de 2003 %Maria João Freitas O Exército de Salvação nasceu em Inglaterra, em plena Revolução Industrial, numa sociedade que passava por uma das maiores transformações da sua história. Em 1865, enquanto passeava na zona leste de Londres, uma das mais degradadas da cidade, o pastor William Booth encontrou um grupo de cristãos que falava do amor de Deus a um grupo de transeuntes em frente a um pub. Estes cristãos convidaram o pastor a dizer umas palavras àquelas pessoas e Booth falou de uma forma tão apaixonada e convincente que várias pessoas manifestaram a intenção de o seguir. Foi neste dia 2 de Julho que nasceu o Exército de Salvação. De regresso a casa, Booth tinha encontrado a sua vocação, que começa sempre com um chamamento: falar aos mais pobres e desfavorecidos da sociedade. Fundou a "Missão Cristã" (mais tarde substituída por "Exército de Salvação") e as pessoas a quem ele se dirigia eram maioritariamente seres da noite como bêbedos e prostitutas. Um dos apelos mais frequentes de Booth aos seus colaboradores era o de "buscar as piores almas". Homem pragmático, ele advertia que "uma pessoa de estômago vazio e com frio não tem condições para ouvir a palavra da salvação". Era preciso alimentar os famintos e vestir os pobres. Foi assim que se iniciou a vasta obra social pela qual o Exército de Salvação é conhecido em todo o mundo. O slogan "sopa, sabão e salvação" tornou-se um marco do Exército e abalou as estruturas e os métodos das igrejas da Inglaterra de então. Hoje, os dois "s" no uniforme de cada salvacionista significam "Salvos para servir". De Inglaterra, este movimento cristão espalhou-se pelos cinco continentes. Presente em 103 países, chegou a Portugal oficialmente em 1971. Começando no Porto, a obra salvacionista rapidamente se estendeu pelo país. Actualmente, o Exército de Salvação tem dois lares para a terceira Idade (Colares e Praia das Maçãs), um centro de acolhimento para crianças em risco (Sintra), um centro para os sem abrigo (Lisboa), uma colónia de férias para crianças e jovens (Praia das Maçãs), dois centros de dia para reformados (Porto e Lisboa), três apoios domiciliários (Porto, Lisboa e Colares), um centro de conferências, um centro de recolha e distribuição de roupas e mobílias usadas (Lisboa) e vários centros de distribuição de alimentos a famílias carenciadas (Porto, Lisboa, Amadora, Sintra e São Brás de Alportel). Além destas instituições, o Exército de Salvação promove gratuitamente a ocupação de tempos livres, com aulas de música, aulas de alfabetização, aulas de português a estrangeiros e passeios para reformados, entre outros. No período de Natal o Exército de Salvação entrega cerca de 700 prendas a crianças desfavorecidas e cerca de 500 cabazes a famílias de baixo rendimento e promove cinco almoços para pessoas que passam esta época festiva sozinhas. Durante todo o ano, duas noites por semana, distribui sopa e sanduíches na cidade de Lisboa. Na missão do Exército de Salvação estão envolvidos três tipos de pessoas: os oficiais, os salvacionistas e os voluntários. O Exército tem este nome porque possui uma estrutura semelhante à militar e submete os seus recrutas a um treino cuidadoso. Caso o recruta complete com sucesso o treino, é promovido a oficial, podendo fazer carreira até se tornar coronel. Os oficiais são missionários a tempo inteiro e têm responsabilidade no desenvolvimento da obra no país em que servem. Os salvacionistas são estudantes ou trabalhadores que dão parte do seu tempo livre para trabalharem nos vários programas que a organização promove e os voluntários, pessoas de todas as idades, raças e religiões, identificam-se com o espírito altruísta e humanitário promovido pelo movimento e ajudam no seu tempo livre. A história do Exército de Salvação é a história da vida de pessoas transformadas pelo amor ao próximo. Sem voluntários, o Exército de Salvação não poderia cumprir a sua missão. A nível internacional, o Exército de Salvação tem uma vastíssima obra social, desde lares para idosos, mães solteiras e crianças, centros para toxicodependentes e para pessoas maltratadas, centros de recolha e distribuição de alimentos, roupas e mobílias, serviços de visita a presos, centros para invisuais e centros para infectados com o vírus da sida. Pela sua obra, a organização já foi nomeada por quatro vezes para o Nobel da Paz. Mas, apesar de tudo isto, ainda passa despercebida à maioria dos portugueses. Todas as cidades escondem violência, tragédia e um número indeterminado de sem abrigo. Já toda a gente tropeçou em desalojados, quase sempre com uma sensação de desconforto (que resulta da culpa por termos o conforto que lhes falta). Cruzamo-nos com eles e é impossível passarem despercebidos, com os olhos tristes e a alma amarrotada. Fenómeno complexo e extremo da exclusão social, os sem abrigo são o "lixo social" que a sociedade prefere ignorar. Ser sem abrigo é fazer de um banco de jardim uma cama. De um jornal o seu cobertor. De umas escadas de um beco escuro um sofá. De um caixote do lixo o frigorífico onde se tira a comida para o jantar. Ser sem abrigo é ter como despertador a sirene de um carro da polícia ou de uma ambulância. É ter os olhos habituados aos olhos da noite e desabituados do olhar de quem passa. No fundo, é não ter nada daquilo que as pessoas à volta parecem ter. O Exército de Salvação alerta para esta problemática diariamente visível (embora a maior parte finja não a ver) e apela à solidariedade, numa luta contra a desumanização urbana. A que porta bater? O mundo está do outro lado. Sem chave de casa no bolso, os filhos da noite vivem nas ruas da cidade com os seus corpos móveis privados de intimidade e protecção. Sabem o que significam as pedras da calçada, os bancos de jardim e os caixotes do lixo. Para eles, lá fora e cá dentro são sinónimos. No coração secreto da noite imensa, procuram a sua estrela no céu, a estrela que os devia guiar mas os abandonou. A mesma estrela que às vezes desce do céu para fechar os olhos que choram de frio ou desespero. A agência de publicidade J. Walter Thompson começou a trabalhar com o Exército de Salvação em 1994. Desde então, desenvolve duas campanhas anuais na altura dos peditórios, perto da Páscoa e do Natal. Os objectivos de comunicação para as campanhas são aumentar a notoriedade do trabalho do Exército de Salvação e levar as pessoas a contribuir. As campanhas são oferecidas pela J. Walter Thompson e dependem igualmente da boa vontade dos meios. A campanha "Invisíveis", com os anúncios "João", "Maria" e "Miguel", ganhou diversos prémios, entre eles um Sol de Bronze para a Melhor Campanha de Imprensa no FIAP, o Troféu D.N. para a Melhor Campanha de Imprensa de 2002 e o sempre cobiçado Leão de Ouro (é apenas o terceiro ganho por Portugal) em Cannes, na categoria Imprensa/Causas Sociais. Mas o melhor prémio que esta campanha pode alcançar é a sua eficácia junto ao consumidor, que no fundo somos todos nós, os com abrigo. Sob a direcção criativa de João Espírito Santo, o redactor Rui Soares e o director de arte Pedro Magalhães partiram de um facto: as pessoas ignoram os desalojados. Por comodidade e cobardia, fingem não ver o que se passa à sua volta. E o que não se vê, é como se não existisse. Durante duas noites, a dupla criativa percorreu muitas das ruas da cidade de olhos bem abertos, à procura dos cenários ideais, aliás reais, para as fotografias que eles próprios se encarregaram de tirar. Uma causa real deve ter cenários reais, para transmitir com o maior realismo a crueza do problema. Nestes cenários densos e físicos, o preto e branco destes bocados da cidade viva que são as fotografias, é intencional e pretende reforçar o dramatismo de quem vive sem um tecto. Para muitos, a noite é igual em todos os lugares. As ruas escuras e desertas (talvez não tão desertas como parecem), são as casas dos sem abrigo, as diversas moradas de uma vida sem casa. Os anúncios para os desalojados não têm pessoas. Apenas uma legenda a indicar o lugar onde se encontram. O facto de terem nome próprio, apelido e idade confere-lhes autenticidade e realismo, mesmo na sua invisibilidade. Quanto à sua definição social, a sua profissão é sem-abrigo e não dentista, professor, padeiro, estudante ou motorista. Miguel Costa, 12 anos, dorme à porta de uma casa onde há uma família, camas, conforto e comida, perto de um gerador de electricidade, questionando-se o que estará por detrás daquela porta. João Pereira, de 70 anos, encontrou uma cama num banco de madeira de um jardim, até que o expulsem de lá para outro banco noutro jardim. Maria Santos, 47 anos, fez o seu quarto nas escadas do metro. Amanhã, logo se vê onde é o seu quarto, na imóvel geometria das ruas da cidade. A noite, a solidão e o desprezo são as companhias destes fantasmas que aparecem e ganham vida quando a vida desaparece das ruas. Vivem na rua por necessidade, em intimidade com as pedras da calçada e com os olhos que passam e fingem não ver. Mas "até quando vai fingir que não os vê?", interpela o texto. A invisibilidade é o que não se vê no espaço e foi o tema desta campanha premiada e inesquecível. Em campanhas anteriores, esta dupla já tinha desenvolvido outros conceitos igualmente relevantes para os sem abrigo. Como a campanha de 2001 onde o tema é o futuro, aquilo que não se consegue ver no tempo porque ainda não aconteceu. Também aqui os anúncios são de uma extrema simplicidade. Três rostos, o de uma criança, de um homem e de um idoso, têm duas legendas possíveis e antagónicas. Assim, a criança tanto pode ser um analfabeto como um futuro médico. O homem de meia idade pode ser um sem abrigo ou ter um quarto e o homem mais velho pode ser esquecido ou protegido. Uma linha separa os seus destinos, que serão decididos pela colocação de uma cruz num destes items. Sem saber para que futuro este presente os arrasta, mas sabendo que isso está nas nossas mãos. Porque o futuro de centenas de pessoas só depende de um donativo para servir o próximo. Um pequeno gesto pode mudar tudo e a distância entre um futuro digno e com perspectivas e a errância nas ruas da cidade é (assustadoramente) ténue. Até porque está nas mãos de quem folheia a revista e vê o anúncio. E afinal, basta dar. Dar um prato de sopa, dar aconselhamento, dar ajuda, dar dinheiro, dar esperança. Dar e assim ajudar o Exército de Salvação a cumprir a sua missão através do envio de donativos, seja em forma de roupa, mobílias, alimentos, dinheiro ou legados. E, passe a publicidade, basta ligar para o 213 528 137 (no caso dos donativos de roupa e mobiliário) ou para o 217 802 930 (para a contribuição com dinheiro e legados). Em troca, vai sentir-se em paz consigo, pelo menos até voltar a ver um sem abrigo na rua (o que pode acontecer mais depressa do que desejaria). Caso os seus olhos não prefiram fingir que não vêem. Mas depois de ver estes anúncios no conforto da sua casa, que olhos ou que alma podem fingir que não vêem? OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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Depoimento de Rui Maggioli

Conversa com vista para...

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DESAFIOS

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Por EXÉRCITO DE SALVAÇÃO

Segunda-feira, 18 de Agosto de 2003 %Maria João Freitas O Exército de Salvação nasceu em Inglaterra, em plena Revolução Industrial, numa sociedade que passava por uma das maiores transformações da sua história. Em 1865, enquanto passeava na zona leste de Londres, uma das mais degradadas da cidade, o pastor William Booth encontrou um grupo de cristãos que falava do amor de Deus a um grupo de transeuntes em frente a um pub. Estes cristãos convidaram o pastor a dizer umas palavras àquelas pessoas e Booth falou de uma forma tão apaixonada e convincente que várias pessoas manifestaram a intenção de o seguir. Foi neste dia 2 de Julho que nasceu o Exército de Salvação. De regresso a casa, Booth tinha encontrado a sua vocação, que começa sempre com um chamamento: falar aos mais pobres e desfavorecidos da sociedade. Fundou a "Missão Cristã" (mais tarde substituída por "Exército de Salvação") e as pessoas a quem ele se dirigia eram maioritariamente seres da noite como bêbedos e prostitutas. Um dos apelos mais frequentes de Booth aos seus colaboradores era o de "buscar as piores almas". Homem pragmático, ele advertia que "uma pessoa de estômago vazio e com frio não tem condições para ouvir a palavra da salvação". Era preciso alimentar os famintos e vestir os pobres. Foi assim que se iniciou a vasta obra social pela qual o Exército de Salvação é conhecido em todo o mundo. O slogan "sopa, sabão e salvação" tornou-se um marco do Exército e abalou as estruturas e os métodos das igrejas da Inglaterra de então. Hoje, os dois "s" no uniforme de cada salvacionista significam "Salvos para servir". De Inglaterra, este movimento cristão espalhou-se pelos cinco continentes. Presente em 103 países, chegou a Portugal oficialmente em 1971. Começando no Porto, a obra salvacionista rapidamente se estendeu pelo país. Actualmente, o Exército de Salvação tem dois lares para a terceira Idade (Colares e Praia das Maçãs), um centro de acolhimento para crianças em risco (Sintra), um centro para os sem abrigo (Lisboa), uma colónia de férias para crianças e jovens (Praia das Maçãs), dois centros de dia para reformados (Porto e Lisboa), três apoios domiciliários (Porto, Lisboa e Colares), um centro de conferências, um centro de recolha e distribuição de roupas e mobílias usadas (Lisboa) e vários centros de distribuição de alimentos a famílias carenciadas (Porto, Lisboa, Amadora, Sintra e São Brás de Alportel). Além destas instituições, o Exército de Salvação promove gratuitamente a ocupação de tempos livres, com aulas de música, aulas de alfabetização, aulas de português a estrangeiros e passeios para reformados, entre outros. No período de Natal o Exército de Salvação entrega cerca de 700 prendas a crianças desfavorecidas e cerca de 500 cabazes a famílias de baixo rendimento e promove cinco almoços para pessoas que passam esta época festiva sozinhas. Durante todo o ano, duas noites por semana, distribui sopa e sanduíches na cidade de Lisboa. Na missão do Exército de Salvação estão envolvidos três tipos de pessoas: os oficiais, os salvacionistas e os voluntários. O Exército tem este nome porque possui uma estrutura semelhante à militar e submete os seus recrutas a um treino cuidadoso. Caso o recruta complete com sucesso o treino, é promovido a oficial, podendo fazer carreira até se tornar coronel. Os oficiais são missionários a tempo inteiro e têm responsabilidade no desenvolvimento da obra no país em que servem. Os salvacionistas são estudantes ou trabalhadores que dão parte do seu tempo livre para trabalharem nos vários programas que a organização promove e os voluntários, pessoas de todas as idades, raças e religiões, identificam-se com o espírito altruísta e humanitário promovido pelo movimento e ajudam no seu tempo livre. A história do Exército de Salvação é a história da vida de pessoas transformadas pelo amor ao próximo. Sem voluntários, o Exército de Salvação não poderia cumprir a sua missão. A nível internacional, o Exército de Salvação tem uma vastíssima obra social, desde lares para idosos, mães solteiras e crianças, centros para toxicodependentes e para pessoas maltratadas, centros de recolha e distribuição de alimentos, roupas e mobílias, serviços de visita a presos, centros para invisuais e centros para infectados com o vírus da sida. Pela sua obra, a organização já foi nomeada por quatro vezes para o Nobel da Paz. Mas, apesar de tudo isto, ainda passa despercebida à maioria dos portugueses. Todas as cidades escondem violência, tragédia e um número indeterminado de sem abrigo. Já toda a gente tropeçou em desalojados, quase sempre com uma sensação de desconforto (que resulta da culpa por termos o conforto que lhes falta). Cruzamo-nos com eles e é impossível passarem despercebidos, com os olhos tristes e a alma amarrotada. Fenómeno complexo e extremo da exclusão social, os sem abrigo são o "lixo social" que a sociedade prefere ignorar. Ser sem abrigo é fazer de um banco de jardim uma cama. De um jornal o seu cobertor. De umas escadas de um beco escuro um sofá. De um caixote do lixo o frigorífico onde se tira a comida para o jantar. Ser sem abrigo é ter como despertador a sirene de um carro da polícia ou de uma ambulância. É ter os olhos habituados aos olhos da noite e desabituados do olhar de quem passa. No fundo, é não ter nada daquilo que as pessoas à volta parecem ter. O Exército de Salvação alerta para esta problemática diariamente visível (embora a maior parte finja não a ver) e apela à solidariedade, numa luta contra a desumanização urbana. A que porta bater? O mundo está do outro lado. Sem chave de casa no bolso, os filhos da noite vivem nas ruas da cidade com os seus corpos móveis privados de intimidade e protecção. Sabem o que significam as pedras da calçada, os bancos de jardim e os caixotes do lixo. Para eles, lá fora e cá dentro são sinónimos. No coração secreto da noite imensa, procuram a sua estrela no céu, a estrela que os devia guiar mas os abandonou. A mesma estrela que às vezes desce do céu para fechar os olhos que choram de frio ou desespero. A agência de publicidade J. Walter Thompson começou a trabalhar com o Exército de Salvação em 1994. Desde então, desenvolve duas campanhas anuais na altura dos peditórios, perto da Páscoa e do Natal. Os objectivos de comunicação para as campanhas são aumentar a notoriedade do trabalho do Exército de Salvação e levar as pessoas a contribuir. As campanhas são oferecidas pela J. Walter Thompson e dependem igualmente da boa vontade dos meios. A campanha "Invisíveis", com os anúncios "João", "Maria" e "Miguel", ganhou diversos prémios, entre eles um Sol de Bronze para a Melhor Campanha de Imprensa no FIAP, o Troféu D.N. para a Melhor Campanha de Imprensa de 2002 e o sempre cobiçado Leão de Ouro (é apenas o terceiro ganho por Portugal) em Cannes, na categoria Imprensa/Causas Sociais. Mas o melhor prémio que esta campanha pode alcançar é a sua eficácia junto ao consumidor, que no fundo somos todos nós, os com abrigo. Sob a direcção criativa de João Espírito Santo, o redactor Rui Soares e o director de arte Pedro Magalhães partiram de um facto: as pessoas ignoram os desalojados. Por comodidade e cobardia, fingem não ver o que se passa à sua volta. E o que não se vê, é como se não existisse. Durante duas noites, a dupla criativa percorreu muitas das ruas da cidade de olhos bem abertos, à procura dos cenários ideais, aliás reais, para as fotografias que eles próprios se encarregaram de tirar. Uma causa real deve ter cenários reais, para transmitir com o maior realismo a crueza do problema. Nestes cenários densos e físicos, o preto e branco destes bocados da cidade viva que são as fotografias, é intencional e pretende reforçar o dramatismo de quem vive sem um tecto. Para muitos, a noite é igual em todos os lugares. As ruas escuras e desertas (talvez não tão desertas como parecem), são as casas dos sem abrigo, as diversas moradas de uma vida sem casa. Os anúncios para os desalojados não têm pessoas. Apenas uma legenda a indicar o lugar onde se encontram. O facto de terem nome próprio, apelido e idade confere-lhes autenticidade e realismo, mesmo na sua invisibilidade. Quanto à sua definição social, a sua profissão é sem-abrigo e não dentista, professor, padeiro, estudante ou motorista. Miguel Costa, 12 anos, dorme à porta de uma casa onde há uma família, camas, conforto e comida, perto de um gerador de electricidade, questionando-se o que estará por detrás daquela porta. João Pereira, de 70 anos, encontrou uma cama num banco de madeira de um jardim, até que o expulsem de lá para outro banco noutro jardim. Maria Santos, 47 anos, fez o seu quarto nas escadas do metro. Amanhã, logo se vê onde é o seu quarto, na imóvel geometria das ruas da cidade. A noite, a solidão e o desprezo são as companhias destes fantasmas que aparecem e ganham vida quando a vida desaparece das ruas. Vivem na rua por necessidade, em intimidade com as pedras da calçada e com os olhos que passam e fingem não ver. Mas "até quando vai fingir que não os vê?", interpela o texto. A invisibilidade é o que não se vê no espaço e foi o tema desta campanha premiada e inesquecível. Em campanhas anteriores, esta dupla já tinha desenvolvido outros conceitos igualmente relevantes para os sem abrigo. Como a campanha de 2001 onde o tema é o futuro, aquilo que não se consegue ver no tempo porque ainda não aconteceu. Também aqui os anúncios são de uma extrema simplicidade. Três rostos, o de uma criança, de um homem e de um idoso, têm duas legendas possíveis e antagónicas. Assim, a criança tanto pode ser um analfabeto como um futuro médico. O homem de meia idade pode ser um sem abrigo ou ter um quarto e o homem mais velho pode ser esquecido ou protegido. Uma linha separa os seus destinos, que serão decididos pela colocação de uma cruz num destes items. Sem saber para que futuro este presente os arrasta, mas sabendo que isso está nas nossas mãos. Porque o futuro de centenas de pessoas só depende de um donativo para servir o próximo. Um pequeno gesto pode mudar tudo e a distância entre um futuro digno e com perspectivas e a errância nas ruas da cidade é (assustadoramente) ténue. Até porque está nas mãos de quem folheia a revista e vê o anúncio. E afinal, basta dar. Dar um prato de sopa, dar aconselhamento, dar ajuda, dar dinheiro, dar esperança. Dar e assim ajudar o Exército de Salvação a cumprir a sua missão através do envio de donativos, seja em forma de roupa, mobílias, alimentos, dinheiro ou legados. E, passe a publicidade, basta ligar para o 213 528 137 (no caso dos donativos de roupa e mobiliário) ou para o 217 802 930 (para a contribuição com dinheiro e legados). Em troca, vai sentir-se em paz consigo, pelo menos até voltar a ver um sem abrigo na rua (o que pode acontecer mais depressa do que desejaria). Caso os seus olhos não prefiram fingir que não vêem. Mas depois de ver estes anúncios no conforto da sua casa, que olhos ou que alma podem fingir que não vêem? OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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