Carta aberta aos portuenses

05-04-2002
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Carta Aberta Aos Portuenses

Segunda-feira, 4 de Março de 2002

(A propósito do Plano de Pormenor das Antas e do urbanismo em geral da cidade do Porto)

Os abaixo-assinados entendem que a polémica em torno do Plano de Pormenor das Antas (PPA), tal como tem vindo a ser mediatizada, especialmente pela televisão, está desfocada do cerne do problema, escamoteando algumas questões de vital importância. A presente carta aberta visa, assim, refocalizar o debate no que ele nos parece ter de essencial, reconduzindo-o ao quadro mais vasto em que se desenrola.

Comecemos por enumerar alguns factos: o PPA, cujo fundamento jurídico são as Normas Provisórias que se vieram substituir ao Plano Director Municipal em Setembro de 2000, foi aprovado por uma decisão da Assembleia Municipal de Novembro de 2001. Sucede que, por existirem dúvidas quanto à correcta contagem do prazo de discussão do PPA, este veio a ser prorrogado, posteriormente, até 29 de Janeiro de 2002.

A consequência legal deste facto é que o PPA existente tem de voltar a ser apreciado pela Assembleia Municipal, sendo que a aprovação de Novembro de 2001 fica nula e sem efeito. Essa reapreciação deverá ser feita à luz dos contributos apresentados pelos cidadãos ou suas associações, ficando a Câmara obrigada a concertar os vários interesses em presença, tal como previsto nos artigos 76.° e 77.° do Decreto-Lei n.° 380/99. Ora é sabido que houve 129 contributos, de maior ou menor alcance, tendentes à reformulação do PPA existente.

Significa isto que as obras lançadas ao abrigo do PPA foram lançadas precipitadamente, carecendo, no momento presente, de fundamento legal.

Acresce que as Normas Provisórias que lhe servem de suporte jurídico são actualmente objecto de um pedido de impugnação, apresentado no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto. Cidadãos há que têm as mais sérias dúvidas quanto à sua legalidade, visando esse pedido elucidar, preto no branco, se são de facto legais ou ilegais.

Caso as Normas Provisórias se encontrem feridas de ilegalidade, todos os actos administrativos praticados ao abrigo das mesmas - entre os quais a aprovação de Novembro de 2001 do PPA - são, pelo menos, anuláveis. Dum ponto de vista jurídico - e admitindo que vivemos num Estado de direito - esta é uma questão fulcral e inescapável. No entanto, para a maioria dos actores em presença, e talvez para a maioria da opinião pública, obnubilada por tanta poeira que lhe é lançada aos olhos, dir-se-ia que ela não existe. (...)

Esse juízo dever-lhe-ia permitir cortar a direito, denunciando ou confirmando a legalidade das Normas Provisórias, e actuando em conformidade. A consequência da primeira hipótese seria o retorno ao Plano Director Municipal (PDM) anterior. Nesse caso, todo o edifício construído com base nas Normas Provisórias desabaria.

Uma tal decisão exigiria uma competência, inteligência e coragem tão raras quanto necessárias se queremos que o primado do Direito seja reposto na governação da Câmara do Porto.

A decisão que a Assembleia Municipal será chamada a tomar sobre o PPA não pode escamotear esta questão essencial. A Assembleia Municipal não poderá fazer de conta que ela não existe.

Vincamos que se trata de repor o primado do Direito: é que nos lembramos bem do acórdão de 7 de Fevereiro de 2002 do Supremo Tribunal Administrativo do Porto que declarou nula a licença emitida pela Câmara do Porto, em 1994, para a construção do Centro Comercial do Bom Sucesso. Razões evocadas: vícios graves em actos administrativos e a violação do PDM. (...)

Hoje, vemos o Porto como um território no qual a ilegalidade tem vingado e compensado, no qual impera a lei do mais forte (com a cumplicidade, sob uma aparência de complacência, dos responsáveis autárquicos), sujeito a uma predação desenfreada, praticada ao arrepio de todas as regras: construções e "urbanizações" que vão surgindo à toa, como as metástases de um cancro, densificando até ao congestionamento as zonas que ocupam, alheias a qualquer ideia de continuidade ou de integração no espaço construído envolvente, a qualquer ideia de escala, de malha urbana. (...)

É desnecessário recordar que tudo isto se faz em detrimento dos cidadãos e da cidade: a apropriação e "consumo" privados do espaço urbano, sobretudo do espaço não consolidado (mas que tende a migrar para o miolo da cidade), priva a comunidade das infra-estruturas e dos espaços públicos de que necessita e atenta contra os interesses das gerações presentes e futuras, numa "lógica" que se resume numa frase: lucros privados, custos públicos.

Contra este "modelo" de cidade deliberadamente fragmentada, em expansão caótica, submetida ao jogo cru dos interesses privados, contra esta cidade "do tempo breve", como lhe chama o arquitecto e urbanista Vittorio Gregotti, construída à sombra de uma "legalidade virtual", e que Nuno Cardoso designava sonsamente por "cidade densa", defendemos uma cidade voltada antes de mais para as pessoas que a habitam, na qual o urbanismo seja concebido na perspectiva da duração, do "tempo longo" (...).

Se bem percebemos, foi também contra o "modelo" de "cidade densa" e por um modelo de cidade vivível que Rui Rio foi eleito presidente da Câmara. É que a cidade que encontrou está à beira da rotura e a sua dinâmica urbanística é insustentável. (...)

Julgamos também que não restam dúvidas sobre o modelo de cidade que pretendemos. Recordamos as três condições que, a nosso ver, lhe são subjacentes: a reposição do direito na governação da cidade; uma prática urbanística sustentável, virada para as pessoas; e por último, mas não de somenos, a participação cívica dos portuenses. A presente carta aberta pretende ser uma pedra para esse edifício.

Abílio Santos, Ana Paula Gago, Joaquim Henriques, Jorge Mesquita, Maria José Morais, Nuno Quental e Paula Afonso

Carta Aberta Aos Portuenses

Segunda-feira, 4 de Março de 2002

(A propósito do Plano de Pormenor das Antas e do urbanismo em geral da cidade do Porto)

Os abaixo-assinados entendem que a polémica em torno do Plano de Pormenor das Antas (PPA), tal como tem vindo a ser mediatizada, especialmente pela televisão, está desfocada do cerne do problema, escamoteando algumas questões de vital importância. A presente carta aberta visa, assim, refocalizar o debate no que ele nos parece ter de essencial, reconduzindo-o ao quadro mais vasto em que se desenrola.

Comecemos por enumerar alguns factos: o PPA, cujo fundamento jurídico são as Normas Provisórias que se vieram substituir ao Plano Director Municipal em Setembro de 2000, foi aprovado por uma decisão da Assembleia Municipal de Novembro de 2001. Sucede que, por existirem dúvidas quanto à correcta contagem do prazo de discussão do PPA, este veio a ser prorrogado, posteriormente, até 29 de Janeiro de 2002.

A consequência legal deste facto é que o PPA existente tem de voltar a ser apreciado pela Assembleia Municipal, sendo que a aprovação de Novembro de 2001 fica nula e sem efeito. Essa reapreciação deverá ser feita à luz dos contributos apresentados pelos cidadãos ou suas associações, ficando a Câmara obrigada a concertar os vários interesses em presença, tal como previsto nos artigos 76.° e 77.° do Decreto-Lei n.° 380/99. Ora é sabido que houve 129 contributos, de maior ou menor alcance, tendentes à reformulação do PPA existente.

Significa isto que as obras lançadas ao abrigo do PPA foram lançadas precipitadamente, carecendo, no momento presente, de fundamento legal.

Acresce que as Normas Provisórias que lhe servem de suporte jurídico são actualmente objecto de um pedido de impugnação, apresentado no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto. Cidadãos há que têm as mais sérias dúvidas quanto à sua legalidade, visando esse pedido elucidar, preto no branco, se são de facto legais ou ilegais.

Caso as Normas Provisórias se encontrem feridas de ilegalidade, todos os actos administrativos praticados ao abrigo das mesmas - entre os quais a aprovação de Novembro de 2001 do PPA - são, pelo menos, anuláveis. Dum ponto de vista jurídico - e admitindo que vivemos num Estado de direito - esta é uma questão fulcral e inescapável. No entanto, para a maioria dos actores em presença, e talvez para a maioria da opinião pública, obnubilada por tanta poeira que lhe é lançada aos olhos, dir-se-ia que ela não existe. (...)

Esse juízo dever-lhe-ia permitir cortar a direito, denunciando ou confirmando a legalidade das Normas Provisórias, e actuando em conformidade. A consequência da primeira hipótese seria o retorno ao Plano Director Municipal (PDM) anterior. Nesse caso, todo o edifício construído com base nas Normas Provisórias desabaria.

Uma tal decisão exigiria uma competência, inteligência e coragem tão raras quanto necessárias se queremos que o primado do Direito seja reposto na governação da Câmara do Porto.

A decisão que a Assembleia Municipal será chamada a tomar sobre o PPA não pode escamotear esta questão essencial. A Assembleia Municipal não poderá fazer de conta que ela não existe.

Vincamos que se trata de repor o primado do Direito: é que nos lembramos bem do acórdão de 7 de Fevereiro de 2002 do Supremo Tribunal Administrativo do Porto que declarou nula a licença emitida pela Câmara do Porto, em 1994, para a construção do Centro Comercial do Bom Sucesso. Razões evocadas: vícios graves em actos administrativos e a violação do PDM. (...)

Hoje, vemos o Porto como um território no qual a ilegalidade tem vingado e compensado, no qual impera a lei do mais forte (com a cumplicidade, sob uma aparência de complacência, dos responsáveis autárquicos), sujeito a uma predação desenfreada, praticada ao arrepio de todas as regras: construções e "urbanizações" que vão surgindo à toa, como as metástases de um cancro, densificando até ao congestionamento as zonas que ocupam, alheias a qualquer ideia de continuidade ou de integração no espaço construído envolvente, a qualquer ideia de escala, de malha urbana. (...)

É desnecessário recordar que tudo isto se faz em detrimento dos cidadãos e da cidade: a apropriação e "consumo" privados do espaço urbano, sobretudo do espaço não consolidado (mas que tende a migrar para o miolo da cidade), priva a comunidade das infra-estruturas e dos espaços públicos de que necessita e atenta contra os interesses das gerações presentes e futuras, numa "lógica" que se resume numa frase: lucros privados, custos públicos.

Contra este "modelo" de cidade deliberadamente fragmentada, em expansão caótica, submetida ao jogo cru dos interesses privados, contra esta cidade "do tempo breve", como lhe chama o arquitecto e urbanista Vittorio Gregotti, construída à sombra de uma "legalidade virtual", e que Nuno Cardoso designava sonsamente por "cidade densa", defendemos uma cidade voltada antes de mais para as pessoas que a habitam, na qual o urbanismo seja concebido na perspectiva da duração, do "tempo longo" (...).

Se bem percebemos, foi também contra o "modelo" de "cidade densa" e por um modelo de cidade vivível que Rui Rio foi eleito presidente da Câmara. É que a cidade que encontrou está à beira da rotura e a sua dinâmica urbanística é insustentável. (...)

Julgamos também que não restam dúvidas sobre o modelo de cidade que pretendemos. Recordamos as três condições que, a nosso ver, lhe são subjacentes: a reposição do direito na governação da cidade; uma prática urbanística sustentável, virada para as pessoas; e por último, mas não de somenos, a participação cívica dos portuenses. A presente carta aberta pretende ser uma pedra para esse edifício.

Abílio Santos, Ana Paula Gago, Joaquim Henriques, Jorge Mesquita, Maria José Morais, Nuno Quental e Paula Afonso

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