A filosofia da Casa do Gaiato "está ultrapassada"

15-12-2004
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A Filosofia da Casa do Gaiato "Está Ultrapassada"

Por ALEXANDRA CAMPOS

Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2004 A Casa do Gaiato assenta numa "filosofia que teve muito valor na altura (em que o padre Américo a criou), mas hoje está ultrapassada", considera Joana Marques Vidal, procuradora-geral adjunta e especialista em Direito de Menores. Se a auditoria da Inspecção da Segurança Social detectou uma série de problemas, é necessário "tomar atitudes em conformidade". Caso os responsáveis pela instituição não aceitem proceder a alterações, a Segurança Social, em conjunto como Ministério Público, deve constituir equipas e intervir na Obra da Rua, defende. As instituições têm que se adaptar à evolução da forma como são concebidos os direitos e estar abertas a alterar a sua filosofia, observa a magistrada, sublinhando que aquilo que hoje sabemos sobre as crianças "obriga-nos a ter uma atitude diferente" do passado. "Já visitei algumas instituições de freiras que fizeram o seu caminho, evoluíram para pequenos lares", exemplifica. Apesar de não existir um modelo único definido para as instituições de acolhimento de menores, Portugal dispõe de um quadro legal com um conjunto de princípios que se baseia na Constituição, na Convenção dos Direitos da Criança, e está contemplado na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em 1999. Estes princípios têm que ser respeitados, sustenta Joana Marques Vidal, sublinhando que as instituições não podem assumir-se, à partida, como a família das crianças: "Isso é anticonstitucional e ilegal". A Lei de Protecção elenca os direitos dos menores institucionalizados, e o de manter contactos regulares com a família ou pessoas com que mantenham especial relação afectiva é um deles, lembra. Considera ainda que, apesar de fazerem a apologia da pobreza, os responsáveis da Obra da Rua não a podem impor aos outros. E nem o facto de não serem subsidiados pelo Estado - porque nunca quiseram receber apoios da Segurança Social - lhes confere o direito de tratar as crianças da maneira que entendem, acrescenta. Na opinião do ex-bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, o Estado, que, ao longo de 30 anos, não cuidou da situação dos menores acolhidos na Casa Pia de Lisboa, não tem legitimidade para "incomodar" a Casa do Gaiato. Para a procuradora, Júdice "não está a ver bem a questão". "Então, como o Estado falha, deve permitir-se tudo e mais alguma coisa? O Estado tem que fazer tudo para que as crianças cresçam de uma forma saudável. E, se não tem alternativas, tem que as criar". Connflito entre modernidade e visão tradicionalista Ressalvando que não comentam a situação específica da Casa do Gaiato, outros especialistas aceitaram falar mesmo assim sobre as orientações gerais a que devem obedecer hoje as instituições para menores em risco. Luís Villas Boas, responsável pelo Refúgio Aboim Ascensão (Faro), centro de acolhimento para crianças até aos cinco anos, defende que Portugal "deve inflectir de uma posição depositária para outra de acolhimento precoce, científico e seguro". "A família é o único tecido onde a criança pode desenvolver-se", sustenta o psicólogo, recomendando que se "ponha fim de vez à parentalidade institucional". Quanto à polémica sobre a Casa do Gaiato, Villas Boas entende que tem por base "um conflito entre a modernidade e a legalidade e a convicção cristã e uma visão tradicionalista". Ainda antes de o escândalo da Casa Pia de Lisboa rebentar, já a maior instituição de acolhimento de menores do país se tinha fragmentado na sua organização interna, criando módulos de 30 crianças sob a supervisão de um responsável, lembra Maria do Rosário Carneiro, presidente da comissão parlamentar que coordenou a elaboração da Lei de Protecção de 1999. Os centros devem organizar-se em pequenos núcleos para poderem recriar um ambiente familiar, diz a deputada, frisando que é necessário "revisitar e repensar" as instituições e apostar num "investimento objectivo nas famílias". O Estado não tem legitimidade para pôr em causa o modelo da instituições de acolhimento de menores, mas compete-lhe defender os direitos das crianças, que poderão ser infringidos por eventuais perversidades inerentes a esse modelo, sustenta Manuel Sarmento, investigador do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho. Na actualidade, o debate sobre a institucionalização das crianças tem sido intenso, mas não há consensos completamente estruturados. Seja como for, há uma corrente com abordagem psicossocial que diz que "todas as instituições maltratam", o que decorre do isolamento da sociedade, em primeira instância. "Em todas as instituições totais tem havido identificação de situações de dominação e abusos", nota. A alternativa? As instituições não são imediatamente substituíveis, até porque Portugal não dispõe de redes sociais consolidadas de acolhimento e guarda, lamenta. Além disso, "tem havido um esforço de criação de multiplicidade de respostas, mas não há uma integração dessas respostas". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Auditoria nacional à Casa do Gaiato avaliada pela comissão de protecção de menores

Fugas e reinserções

Ministro fala de "indícios de natureza criminal"

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O padre Américo "já deve ter dado milhares de voltas na sepultura"

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Por ALEXANDRA CAMPOS

Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2004 A Casa do Gaiato assenta numa "filosofia que teve muito valor na altura (em que o padre Américo a criou), mas hoje está ultrapassada", considera Joana Marques Vidal, procuradora-geral adjunta e especialista em Direito de Menores. Se a auditoria da Inspecção da Segurança Social detectou uma série de problemas, é necessário "tomar atitudes em conformidade". Caso os responsáveis pela instituição não aceitem proceder a alterações, a Segurança Social, em conjunto como Ministério Público, deve constituir equipas e intervir na Obra da Rua, defende. As instituições têm que se adaptar à evolução da forma como são concebidos os direitos e estar abertas a alterar a sua filosofia, observa a magistrada, sublinhando que aquilo que hoje sabemos sobre as crianças "obriga-nos a ter uma atitude diferente" do passado. "Já visitei algumas instituições de freiras que fizeram o seu caminho, evoluíram para pequenos lares", exemplifica. Apesar de não existir um modelo único definido para as instituições de acolhimento de menores, Portugal dispõe de um quadro legal com um conjunto de princípios que se baseia na Constituição, na Convenção dos Direitos da Criança, e está contemplado na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada em 1999. Estes princípios têm que ser respeitados, sustenta Joana Marques Vidal, sublinhando que as instituições não podem assumir-se, à partida, como a família das crianças: "Isso é anticonstitucional e ilegal". A Lei de Protecção elenca os direitos dos menores institucionalizados, e o de manter contactos regulares com a família ou pessoas com que mantenham especial relação afectiva é um deles, lembra. Considera ainda que, apesar de fazerem a apologia da pobreza, os responsáveis da Obra da Rua não a podem impor aos outros. E nem o facto de não serem subsidiados pelo Estado - porque nunca quiseram receber apoios da Segurança Social - lhes confere o direito de tratar as crianças da maneira que entendem, acrescenta. Na opinião do ex-bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, o Estado, que, ao longo de 30 anos, não cuidou da situação dos menores acolhidos na Casa Pia de Lisboa, não tem legitimidade para "incomodar" a Casa do Gaiato. Para a procuradora, Júdice "não está a ver bem a questão". "Então, como o Estado falha, deve permitir-se tudo e mais alguma coisa? O Estado tem que fazer tudo para que as crianças cresçam de uma forma saudável. E, se não tem alternativas, tem que as criar". Connflito entre modernidade e visão tradicionalista Ressalvando que não comentam a situação específica da Casa do Gaiato, outros especialistas aceitaram falar mesmo assim sobre as orientações gerais a que devem obedecer hoje as instituições para menores em risco. Luís Villas Boas, responsável pelo Refúgio Aboim Ascensão (Faro), centro de acolhimento para crianças até aos cinco anos, defende que Portugal "deve inflectir de uma posição depositária para outra de acolhimento precoce, científico e seguro". "A família é o único tecido onde a criança pode desenvolver-se", sustenta o psicólogo, recomendando que se "ponha fim de vez à parentalidade institucional". Quanto à polémica sobre a Casa do Gaiato, Villas Boas entende que tem por base "um conflito entre a modernidade e a legalidade e a convicção cristã e uma visão tradicionalista". Ainda antes de o escândalo da Casa Pia de Lisboa rebentar, já a maior instituição de acolhimento de menores do país se tinha fragmentado na sua organização interna, criando módulos de 30 crianças sob a supervisão de um responsável, lembra Maria do Rosário Carneiro, presidente da comissão parlamentar que coordenou a elaboração da Lei de Protecção de 1999. Os centros devem organizar-se em pequenos núcleos para poderem recriar um ambiente familiar, diz a deputada, frisando que é necessário "revisitar e repensar" as instituições e apostar num "investimento objectivo nas famílias". O Estado não tem legitimidade para pôr em causa o modelo da instituições de acolhimento de menores, mas compete-lhe defender os direitos das crianças, que poderão ser infringidos por eventuais perversidades inerentes a esse modelo, sustenta Manuel Sarmento, investigador do Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho. Na actualidade, o debate sobre a institucionalização das crianças tem sido intenso, mas não há consensos completamente estruturados. Seja como for, há uma corrente com abordagem psicossocial que diz que "todas as instituições maltratam", o que decorre do isolamento da sociedade, em primeira instância. "Em todas as instituições totais tem havido identificação de situações de dominação e abusos", nota. A alternativa? As instituições não são imediatamente substituíveis, até porque Portugal não dispõe de redes sociais consolidadas de acolhimento e guarda, lamenta. Além disso, "tem havido um esforço de criação de multiplicidade de respostas, mas não há uma integração dessas respostas". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Auditoria nacional à Casa do Gaiato avaliada pela comissão de protecção de menores

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