Análise: O debate que não existiu

09-09-2003
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Análise: O Debate Que Não Existiu

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Quinta-feira, 04 de Setembro de 2003 Foi um ministro da Saúde na defensiva e entrando em contradição nas próprias explicações que ontem se apresentou perante a Comissão Permanente da Assembleia da República para debater a dimensão das consequências da vaga de calor sobre o número de mortos, bem como a actuação dos serviços do Sistema Nacional de Saúde. Apresentando-se a um debate intercalar, já que assumiu que o apuramento dos dados finais não está fechado, o ministro optou por apresentar números. Assim, ficou a saber-se oficialmente que no Serviço Nacional de Saúde se verificaram, este ano e durante a vaga de calor, mais 545 mortes do que na última quinzena de Julho, sendo que as ocorrências às urgências subiram em mais de 44 mil utentes em relação ao ano passado. Face à amplitude dos números o ministro tentou esvaziar o peso dos mesmos e optou por fazer juras na competência dos serviços, desdobrou-se em elogios aos funcionários e quase ignorou a falta de condições materiais com que operam a maioria dos hospitais públicos - optou mesmo por erguer em exemplo das boas condições a existência de ar condicionado num hospital em Castelo Branco. Manifestamente nervoso e na tentativa de minorar os efeitos de desgaste político que esta questão provocou sobre o seu mandato governativo, Luís Filipe Pereira chegou mesmo a referir um critério de análise dos óbitos, que diz pertencer a uma forma de classificação de doenças da Organização Mundial de Saúde, para afirmar que, "directamente provocados por 'golpe de calor' ou decorrentes da 'onda de calor' como 'factor precipitante'", depois de analisadas cinquenta por cento das certidões de óbito, verificaram-se quatro mortes. Não explicou, porém, quais as outras causas de morte que se verificaram este Verão para provocar o aumento de 545 óbitos, e repetiu várias vezes a sua convicção de que o sistema funcionou. Dispôs-se a ir à Comissão de Assuntos Sociais para debater os números definitivos. Admitindo que há "problemas, é demagógico dizer o contrário", jurou: "Não há notícia de ruptura." Quanto a novas medidas de prevenção, bem como a explicação das razões por que as estruturas do Estado e o Governo não apostaram em prevenção e campanhas promocionais na televisão e na rádio, o ministro quase passou ao lado da questão. Mas se foi um ministro manifestamente pouco preparado para o debate em causa e detentor de justificações contraditórias que se apresentou à Assembleia, a prestação das bancadas da maioria também foi envergonhada. Isto enquanto a oposição parecia apenas fazer perguntas para ir a jogo e gastar o tempo de debate atribuído quase sem colocar as questões que a intervenção do ministro levantava. O PSD e o CDS só depois da segunda ronda de perguntas da oposição é que colocaram os seus deputados a intervir. E mesmo assim para fazerem intervenções que se limitaram a marcar presença. Ana Manso, responsável pelas questões de Saúde na bancada do PSD, ainda fez questão de frisar que o seu grupo parlamentar existia para apoiar o Governo, mas abordou generalidades, numa intervenção lida que foi pouco seguida pela câmara. Já o deputado do CDS João Almeida, nem sequer gastou muito tempo e, de relevante, apenas lamentou os mortos - os mortos, aliás, foram lamentados por todos os grupos parlamentares, bem como pelo ministro, que afirmou: "Uma morte que fosse justificaria a minha vinda." Pela oposição, apenas Afonso Candal teve um arrojo de ginástica mental para tentar explorar as contradições inerentes ao discurso do ministro, ainda que já o debate estivesse longo e só quando interveio pela segunda vez. Mas não conseguiu colocar em termos definitivos e sem campo para o ministro reagir a situação caricata de haver apenas quatro mortos por "golpe de calor" e a sua intervenção perdeu-se sem surtir efeito. De resto, o PS fez suceder nas perguntas as suas figuras de proa relacionadas com o sector da Saúde. E em momento algum procurou politizar a questão de forma a colocar em risco ou em menoridade o ministro do PSD que ali se apresentava e que manifestamente estava fragilizado ao chegar à Assembleia, mas que acabou por sair mais descansado. Além de Candal, Luís Carito fez algumas críticas às falhas da governação de Luís Filipe Pereira, mas perderam-se no ruído do debate, bem como surgiu como inócua a intervenção de Nelson Baltasar. Por fim, ex-ministra do sector e actual membro do Secretariado, Maria de Belém Roseira, prejudicada pela falta de tempo, mais não fez do que acusar o ministro de não ter dado a cara na comunicação social, durante aquele período. Quanto ao PCP, o líder parlamentar, Bernardino Soares, passou ao lado do debate, repetindo que não comentava previsões, projecções e estatísticas. Já Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda, tentou descolar da discussão imediata, para abordar a questão da prevenção, mas não teve eco, já que só Luís Carito, do PS, acabaria, no final no debate, por voltar ao assunto. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Governo só atribui quatro mortes à vaga de calor

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Face à amplitude dos números o ministro tentou esvaziar o peso dos mesmos e optou por fazer juras na competência dos serviços, desdobrou-se em elogios aos funcionários e quase ignorou a falta de condições materiais com que operam a maioria dos hospitais públicos - optou mesmo por erguer em exemplo das boas condições a existência de ar condicionado num hospital em Castelo Branco. Manifestamente nervoso e na tentativa de minorar os efeitos de desgaste político que esta questão provocou sobre o seu mandato governativo, Luís Filipe Pereira chegou mesmo a referir um critério de análise dos óbitos, que diz pertencer a uma forma de classificação de doenças da Organização Mundial de Saúde, para afirmar que, "directamente provocados por 'golpe de calor' ou decorrentes da 'onda de calor' como 'factor precipitante'", depois de analisadas cinquenta por cento das certidões de óbito, verificaram-se quatro mortes. Não explicou, porém, quais as outras causas de morte que se verificaram este Verão para provocar o aumento de 545 óbitos, e repetiu várias vezes a sua convicção de que o sistema funcionou. Dispôs-se a ir à Comissão de Assuntos Sociais para debater os números definitivos. Admitindo que há "problemas, é demagógico dizer o contrário", jurou: "Não há notícia de ruptura." Quanto a novas medidas de prevenção, bem como a explicação das razões por que as estruturas do Estado e o Governo não apostaram em prevenção e campanhas promocionais na televisão e na rádio, o ministro quase passou ao lado da questão. Mas se foi um ministro manifestamente pouco preparado para o debate em causa e detentor de justificações contraditórias que se apresentou à Assembleia, a prestação das bancadas da maioria também foi envergonhada. Isto enquanto a oposição parecia apenas fazer perguntas para ir a jogo e gastar o tempo de debate atribuído quase sem colocar as questões que a intervenção do ministro levantava. O PSD e o CDS só depois da segunda ronda de perguntas da oposição é que colocaram os seus deputados a intervir. E mesmo assim para fazerem intervenções que se limitaram a marcar presença. Ana Manso, responsável pelas questões de Saúde na bancada do PSD, ainda fez questão de frisar que o seu grupo parlamentar existia para apoiar o Governo, mas abordou generalidades, numa intervenção lida que foi pouco seguida pela câmara. Já o deputado do CDS João Almeida, nem sequer gastou muito tempo e, de relevante, apenas lamentou os mortos - os mortos, aliás, foram lamentados por todos os grupos parlamentares, bem como pelo ministro, que afirmou: "Uma morte que fosse justificaria a minha vinda." Pela oposição, apenas Afonso Candal teve um arrojo de ginástica mental para tentar explorar as contradições inerentes ao discurso do ministro, ainda que já o debate estivesse longo e só quando interveio pela segunda vez. Mas não conseguiu colocar em termos definitivos e sem campo para o ministro reagir a situação caricata de haver apenas quatro mortos por "golpe de calor" e a sua intervenção perdeu-se sem surtir efeito. De resto, o PS fez suceder nas perguntas as suas figuras de proa relacionadas com o sector da Saúde. E em momento algum procurou politizar a questão de forma a colocar em risco ou em menoridade o ministro do PSD que ali se apresentava e que manifestamente estava fragilizado ao chegar à Assembleia, mas que acabou por sair mais descansado. Além de Candal, Luís Carito fez algumas críticas às falhas da governação de Luís Filipe Pereira, mas perderam-se no ruído do debate, bem como surgiu como inócua a intervenção de Nelson Baltasar. Por fim, ex-ministra do sector e actual membro do Secretariado, Maria de Belém Roseira, prejudicada pela falta de tempo, mais não fez do que acusar o ministro de não ter dado a cara na comunicação social, durante aquele período. Quanto ao PCP, o líder parlamentar, Bernardino Soares, passou ao lado do debate, repetindo que não comentava previsões, projecções e estatísticas. Já Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda, tentou descolar da discussão imediata, para abordar a questão da prevenção, mas não teve eco, já que só Luís Carito, do PS, acabaria, no final no debate, por voltar ao assunto. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Governo só atribui quatro mortes à vaga de calor

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