Pelo futebol morre o peixe

04-06-2002
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EDITORIAL

Pelo Futebol Morre o Peixe

Por JOSÉ MANUEL FERNANDES

Terça-feira, 4 de Junho de 2002 A história que se conta nestas páginas é pouco edificante - e mostra como o futebol e os grandes clubes continuam a ter um poder que a razão desconhece. É uma história que mancha tanto este como o anterior governo, um porque começou a negociar uma má solução, outro porque foi divulgando meias-mentiras, ou verdades incompletas, para acabar por viabilizar a má solução que vinha de trás. No retrato, e porque é este o Governo que temos e o que temos de julgar com mais severidade - o outro já foi julgado a 17 de Março -, a verdade é que a forma tortuosa encontrada por Manuela Ferreira Leite para viabilizar a entrega de acções da SAD do Benfica como garantia de pagamento de uma fracção em disputa de uma dívida legal é fatal. É fatal porque acabou por mostrar o rabo do gato que estava escondido. E é sobretudo fatal porque afecta a sua imagem de rigor draconiano. O Governo já tinha um "calcanhar de Aquiles" neste processo: a presença no seu seio, como secretário de Estado, de Vasco Valdez, precisamente o homem que negociara com o anterior Governo e com a administração fiscal em nome do Benfica. Agora, e como à mulher de César não basta ser séria, tem de parecer séria, a forma trapalhona e comprometedora como Ferreira Leite geriu o "dossier" desde o debate parlamentar da passada sexta-feira mostrou fragilidades que farão todos os contribuintes interrogar-se sobre se hoje, como no passado, é pelo "futebol que morre peixe", isto é, se quando se chega ao futebol o Estado continua a encolher as garras e a esquecer o rigor. Se assim for é um triste sinal, até porque foi pelo futebol e em nome do futebol que o primeiro Governo de António Guterres sofreu a sua primeira grande derrota política: o chumbo do "totonegócio". Independentemente da discussão técnica sobre a validade, ou não, da decisão da administração fiscal agora avalizada pela ministra, o importante é o sinal dado à opinião pública. O sinal de que, no fisco, continua a haver filhos e enteados. Para este Governo, nesta altura, isto é especialmente grave. Para Guterres o "totonegócio" foi um epifenómeno rapidamente esquecido porque não estava no coração das prioridades governativas. Para Barroso é diferente. Como se pode ver pelas sondagens, os portugueses estão divididos e confusos. Muitos continuam a crer que colocar ordem nas contas públicas é a principal prioridade do Governo - mas a maioria não está a gostar de isso estar a ser feito subindo impostos como o IVA. Pedir sacrifícios a uns e condescender com outros é, neste quadro, politicamente suicida - e é assim que o cidadão comum está a ler o que se passou com o Benfica. Mais: o tempo em que o clubes eram intocáveis também já lá vai. Haverá sempre energúmenos para se manifestarem se um Governo mandar penhorar um estádio e as suas retretes, mas a maioria aplaudirá. Essa maioria já percebeu que há clubes que vivem muito acima das suas possibilidades e não querem mais que o Estado lhes ponha a mão por baixo. Havendo rigor, tem de haver rigor para todos. Sem medo. Sem recuos. Até porque, imaginando nós o que por aí vai na construção dos estádios para o 2004, não tarda que pela primeira brecha que se abrir na firmeza governamental se precipite nova enxurrada de "buracos orçamentais". Ora esta decisão de Pilatos de Manuela Ferreira Leite já abriu essa brecha. E a ministra cometerá um erro fatal se não o reconhecer: os erros do passado e os pecados do anterior Governo não podem servir-lhe de desculpa. Para além de que é feio atirar com a responsabilidade para os seus subordinados da administração fiscal. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Ferreira Leite despachou a favor do Benfica

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