Governo demarca-se da meta de défice zero em 2004

26-04-2002
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Governo Demarca-se da Meta de Défice Zero em 2004

Por LURDES FERREIRA

Terça-feira, 16 de Abril de 2002

Choque fiscal "indispensável" mas adiado

Manuela Ferreira Leite prepara país para medidas "impopulares" depois do agravamento do défice orçamental nos primeiros três meses do ano. Programa prevê extinção de institutos e congela entradas na Função Pública

A nova ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, admitiu ontem que o país não atingirá o défice zero em 2004, tal como prevê o programa de convergência com a União Europeia, depois de anunciar que o défice sem juros do Orçamento do Estado sofreu um agravamento equivalente a 0,5 por cento do PIB, no primeiro trimestre do ano.

Na primeira conferência de imprensa desde que tomou posse como titular das Finanças, considerou que os valores de execução orçamental relativos aos três primeiros meses do ano justificam a tomada de medidas "populares ou impopulares" - não confirmando nem negando, por exemplo, se o IVA subirá -, a revisão do programa de convergência com a União Europeia e a apresentação de um orçamento rectificativo nas próximas semanas. Horas antes, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Marques Mendes, garantira que o orçamento rectificativo está "numa fase avançada de elaboração" e que será submetido ao Parlamento "seguramente em Maio".

Manuela Ferreira Leite escusou-se a identificar as medidas concretas a tomar, remetendo o assunto para o encontro de amanhã entre o Governo e os deputados, no qual serão anunciadas as "medidas a tomar imediatamente para inverter o quadro" e as áreas sobre as quais vão incidir os principais cortes da despesa pública. Com a previsão de congelamento de admissões de novos funcionários públicos, até que os existentes sejam reafectados e requalificados, o programa de Governo avança a extinção dos institutos considerados "desnecessários" ou "redundantes", a "fixação de limites aos compromissos financeiros e ao endividamento" de todas as entidades do sector público administrativo e a criação de um regime de responsabilização para as entidades públicas que gastarem mais do que o autorizado.

Os dados da Direcção-Geral do Orçamento indicam que o saldo primário (sem juros) da execução orçamental do subsector Estado passou de um excedente de 81,6 milhões de euros, no primeiro trimestre de 2001, para um défice de 584,7 milhões de euros, sobretudo explicado pelo agravamento das despesas com pessoal (mais 12 por cento) e por uma receita fiscal a crescer abaixo do previsto. Segundo a ministra, o risco de "não fazer nada" é o de chegar ao final do ano com "0,5 por cento vezes quatro trimestres". Neste cenário, que não considera as outras áreas do Sector Público Administrativo, o défice oficial previsto no OE, de 1,8 por cento, saltaria para um saldo negativo de 3,8 por cento, superior à meta de três por cento "imposta" pela UE. "Os números de uma gravidade quase inesperada", como afirmou, levam Ferreira Leite a afastar-se do compromisso do défice nulo e a antever "sacrifícios superiores ao previsto".

"Vamos ter de rever o programa de convergência e ver a possibilidade de ajustamento" foi a resposta da ministra, que preferiu falar, em contrapartida, de uma "rota verdadeiramente decrescente até 2004". O elemento "inesperado" da evolução orçamental está, segundo defendeu, em ocorrer depois do anunciado programa de controlo da despesa pública, do alerta da Comissão Europeia e dos compromissos assumidos junto de Bruxelas para o efeito. No programa ontem entregue à Assembleia da República, o Executivo liderado por Durão Barroso compromete-se com a execução de um programa de emergência, nos próximos dois anos, para o equilíbrio das contas públicas até 2004, a suportar por um "pacto nacional para o equilíbrio orçamental que envolva parceiros sociais, trabalhadores, empresários, autarquias, regiões autónomas e sociedade civil em geral".

Questionada sobre as medidas a tomar, deixou em aberto tanto a possibilidade de aumentar o IVA como cortar no investimento público, sob o argumento de que o governo terá "de tomar as medidas necessárias populares ou impopulares, face à gravidade da situação", para o que - acrescentou - será necessário "actuar com enorme severidade nas próximas semanas".

No mesmo tom de dramatização, considerou que o aparente descontrolo das finanças públicas "inviabiliza, no curtíssimo prazo algumas propostas que o Governo pensava adoptar imediatamente", numa referência ao choque fiscal, anunciado na campanha eleitoral, e que previa a descida da taxa de IRC, em 10 pontos percentuais. Nesta matéria, o programa do Governo considera que a situação orçamental com que se deparou "inviabiliza a imediata concretização" do choque que é adiado para 2004 apesar de o considerar "indispensável". Em cima da mesa continua a revogação "pura e simples" da tributação das mais-valias para os investimentos em bolsa e a recuperação do regime da taxa liberatória de 10 por cento.

Oliveira Martins recusa derrapagem

O ex-ministro das Finanças, Guilherme d' Oliveira Martins, recusou ontem, em declarações ao PÚBLICO, qualquer derrapagem nas contas públicas nos primeiros três meses de 2002, criticando a sua sucessora pela extrapolação para o resto do ano da execução orçamental do subsector Estado. Alguns dos factos que determinaram o aumento do défice até Março não se repetirão, garantiu o actual vice-presidente do grupo parlamentar do PS, citando como exemplo o crescimento das despesas de capital em cerca de 35 por cento, que resultou de instruções do seu Governo no sentido de antecipar a execução do programa de investimentos e despesas de desenvolvimento da administração central (PIDDAC). Irrepetíveis serão igualmente os acréscimos em 12 por cento dos gastos com pessoal que atribuiu ao pagamento de retroactivos aos professores. Quanto ao crescimento das transferências para outros subsectores justificou-os com o cumprimento das leis de bases da segurança social e das finanças regionais e locais. Apesar de desdramatizar os números apresentados por Manuela Ferreira Leite, Oliveira Martins afirmou que é preciso esperar mais dois ou três meses para tirar conclusões definitivas sobre a execução orçamental e alertou para a necessidade de um apertado controlo sobre as despesas. Quanto às receitas fiscais, que no primeiro trimestre aumentaram 2,2 por cento contra os 6,2 por cento orçamentados para o conjunto do ano, também não o surpreendem e confia que nos próximos meses, com a aceleração da economia, deverão aproximar-se dos valores previstos.

CRC

Governo Demarca-se da Meta de Défice Zero em 2004

Por LURDES FERREIRA

Terça-feira, 16 de Abril de 2002

Choque fiscal "indispensável" mas adiado

Manuela Ferreira Leite prepara país para medidas "impopulares" depois do agravamento do défice orçamental nos primeiros três meses do ano. Programa prevê extinção de institutos e congela entradas na Função Pública

A nova ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite, admitiu ontem que o país não atingirá o défice zero em 2004, tal como prevê o programa de convergência com a União Europeia, depois de anunciar que o défice sem juros do Orçamento do Estado sofreu um agravamento equivalente a 0,5 por cento do PIB, no primeiro trimestre do ano.

Na primeira conferência de imprensa desde que tomou posse como titular das Finanças, considerou que os valores de execução orçamental relativos aos três primeiros meses do ano justificam a tomada de medidas "populares ou impopulares" - não confirmando nem negando, por exemplo, se o IVA subirá -, a revisão do programa de convergência com a União Europeia e a apresentação de um orçamento rectificativo nas próximas semanas. Horas antes, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Marques Mendes, garantira que o orçamento rectificativo está "numa fase avançada de elaboração" e que será submetido ao Parlamento "seguramente em Maio".

Manuela Ferreira Leite escusou-se a identificar as medidas concretas a tomar, remetendo o assunto para o encontro de amanhã entre o Governo e os deputados, no qual serão anunciadas as "medidas a tomar imediatamente para inverter o quadro" e as áreas sobre as quais vão incidir os principais cortes da despesa pública. Com a previsão de congelamento de admissões de novos funcionários públicos, até que os existentes sejam reafectados e requalificados, o programa de Governo avança a extinção dos institutos considerados "desnecessários" ou "redundantes", a "fixação de limites aos compromissos financeiros e ao endividamento" de todas as entidades do sector público administrativo e a criação de um regime de responsabilização para as entidades públicas que gastarem mais do que o autorizado.

Os dados da Direcção-Geral do Orçamento indicam que o saldo primário (sem juros) da execução orçamental do subsector Estado passou de um excedente de 81,6 milhões de euros, no primeiro trimestre de 2001, para um défice de 584,7 milhões de euros, sobretudo explicado pelo agravamento das despesas com pessoal (mais 12 por cento) e por uma receita fiscal a crescer abaixo do previsto. Segundo a ministra, o risco de "não fazer nada" é o de chegar ao final do ano com "0,5 por cento vezes quatro trimestres". Neste cenário, que não considera as outras áreas do Sector Público Administrativo, o défice oficial previsto no OE, de 1,8 por cento, saltaria para um saldo negativo de 3,8 por cento, superior à meta de três por cento "imposta" pela UE. "Os números de uma gravidade quase inesperada", como afirmou, levam Ferreira Leite a afastar-se do compromisso do défice nulo e a antever "sacrifícios superiores ao previsto".

"Vamos ter de rever o programa de convergência e ver a possibilidade de ajustamento" foi a resposta da ministra, que preferiu falar, em contrapartida, de uma "rota verdadeiramente decrescente até 2004". O elemento "inesperado" da evolução orçamental está, segundo defendeu, em ocorrer depois do anunciado programa de controlo da despesa pública, do alerta da Comissão Europeia e dos compromissos assumidos junto de Bruxelas para o efeito. No programa ontem entregue à Assembleia da República, o Executivo liderado por Durão Barroso compromete-se com a execução de um programa de emergência, nos próximos dois anos, para o equilíbrio das contas públicas até 2004, a suportar por um "pacto nacional para o equilíbrio orçamental que envolva parceiros sociais, trabalhadores, empresários, autarquias, regiões autónomas e sociedade civil em geral".

Questionada sobre as medidas a tomar, deixou em aberto tanto a possibilidade de aumentar o IVA como cortar no investimento público, sob o argumento de que o governo terá "de tomar as medidas necessárias populares ou impopulares, face à gravidade da situação", para o que - acrescentou - será necessário "actuar com enorme severidade nas próximas semanas".

No mesmo tom de dramatização, considerou que o aparente descontrolo das finanças públicas "inviabiliza, no curtíssimo prazo algumas propostas que o Governo pensava adoptar imediatamente", numa referência ao choque fiscal, anunciado na campanha eleitoral, e que previa a descida da taxa de IRC, em 10 pontos percentuais. Nesta matéria, o programa do Governo considera que a situação orçamental com que se deparou "inviabiliza a imediata concretização" do choque que é adiado para 2004 apesar de o considerar "indispensável". Em cima da mesa continua a revogação "pura e simples" da tributação das mais-valias para os investimentos em bolsa e a recuperação do regime da taxa liberatória de 10 por cento.

Oliveira Martins recusa derrapagem

O ex-ministro das Finanças, Guilherme d' Oliveira Martins, recusou ontem, em declarações ao PÚBLICO, qualquer derrapagem nas contas públicas nos primeiros três meses de 2002, criticando a sua sucessora pela extrapolação para o resto do ano da execução orçamental do subsector Estado. Alguns dos factos que determinaram o aumento do défice até Março não se repetirão, garantiu o actual vice-presidente do grupo parlamentar do PS, citando como exemplo o crescimento das despesas de capital em cerca de 35 por cento, que resultou de instruções do seu Governo no sentido de antecipar a execução do programa de investimentos e despesas de desenvolvimento da administração central (PIDDAC). Irrepetíveis serão igualmente os acréscimos em 12 por cento dos gastos com pessoal que atribuiu ao pagamento de retroactivos aos professores. Quanto ao crescimento das transferências para outros subsectores justificou-os com o cumprimento das leis de bases da segurança social e das finanças regionais e locais. Apesar de desdramatizar os números apresentados por Manuela Ferreira Leite, Oliveira Martins afirmou que é preciso esperar mais dois ou três meses para tirar conclusões definitivas sobre a execução orçamental e alertou para a necessidade de um apertado controlo sobre as despesas. Quanto às receitas fiscais, que no primeiro trimestre aumentaram 2,2 por cento contra os 6,2 por cento orçamentados para o conjunto do ano, também não o surpreendem e confia que nos próximos meses, com a aceleração da economia, deverão aproximar-se dos valores previstos.

CRC

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