«Avante!» Nº 1488

17-06-2002
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Compreensões

A TALHE DE FOICE • Henrique Custódio

S egundo o Público, a ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite teve uma intervenção directa no «dossier» fiscal do Benfica, ao assinar um despacho em que corroborou o parecer da administração tributária sobre a avaliação das acções da sociedade desportiva (SAD) do clube. E, ao fazê-lo, favoreceu de facto e objectivamente o Benfica, ao assim aceitar os títulos da SAD como garantia idónea para a impugnação da dívida fiscal, quando podia (e devia) recusá-los, exigindo que a administração fiscal pedisse ao clube uma garantia bancária – como, de resto, o faz com qualquer contribuinte.

E a questão é exactamente esta: sim ou não, o Governo favoreceu o Benfica em matéria fiscal?

Perante estes factos, é evidente que sim.

Perante estes factos, é igualmente claro que a ministra mentiu na Assembleia da República. Com descaramento e premeditação. Misturando alhos com bugalhos, ao jurar a pés juntos que não firmara «qualquer compromisso» com o Benfica, quando o que se lhe perguntava era sobre o seu assentimento oficial à aceitação das acções da SAD como garantia.

Assentimento que afinal a ministra deu, segundo o Público.

Assentimento que a ministra escamoteou em plena Assembleia da República, como todo o País viu.

Adverte o aforismo latino que à mulher de César não basta ser séria – também é preciso parecê-lo.

O que todos vimos por parte da ministra Manuela Ferreira Leite, nesta matéria do Benfica, pode parecer tudo, menos sério.

Na verdade, ao procurar iludir a questão jogando com as palavras (nomeadamente negando o «acordo» que não terá havido para fugir à explicação do «consentimento» que assinou), Manuela Ferreira Leite fez outra coisa ainda mais inadmissível – negou ou escondeu a sua intervenção directa no assunto, nomeadamente quando assinou o despacho que permitiu à SAD do Benfica apresentar acções como garantia ao fisco.

Ora um despacho destes, assinado pela própria ministra, tem obrigatoriamente que ser fundamentado e transparente, sobretudo quando se refere a um clube cuja direcção, na campanha eleitoral, deu pública e notória nota de envolvimento e compromisso com o partido que agora lidera o Governo.

Nada disto a ministra fez. Ao contrário, negou a evidência, procurou desresponsabilizar-se ora atribuindo ao anterior Governo os seus próprios actos nesta matéria, ora escudando-se atabalhoadamente na própria administração fiscal que tutela, como se esta decisão sobre o Benfica, eminentemente política, ficasse neste caso estranhamente ao arbítrio dos serviços!

Manuela Ferreira Leite parece cultivar uma imagem disciplinadora e draconiana, mesmo que isso se traduza em milhares de despedimentos cujo drama e brutalidade a rarefacção dos números e das contabilidades não deixa ver e, por isso, não incomodarão a governante.

Aliás, a indiferença perante as opiniões negativas a seu respeito já foi devidamente afirmada e garantida pela própria ministra, que assim procurou demonstrar não temer críticas ou pressões e, melhor ainda, que nada nem ninguém a impedirá de cumprir os objectivos disciplinadores a que se propôs.

Ora esta tergiversação na Assembleia da República é um rude golpe nessa imagem de austera severidade.

Com ela, os portugueses ficaram a saber uma coisa de ciência certa.

A de que a «disciplina orçamental» da ministra Manuela Ferreira Leite só se aplica a quem trabalha e cumpre. Os grandes – devedores ou não – esses podem contar com o apoio e compreensão da ministra e do Governo...

«Avante!» Nº 1488 - 6.Junho.2002

Compreensões

A TALHE DE FOICE • Henrique Custódio

S egundo o Público, a ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite teve uma intervenção directa no «dossier» fiscal do Benfica, ao assinar um despacho em que corroborou o parecer da administração tributária sobre a avaliação das acções da sociedade desportiva (SAD) do clube. E, ao fazê-lo, favoreceu de facto e objectivamente o Benfica, ao assim aceitar os títulos da SAD como garantia idónea para a impugnação da dívida fiscal, quando podia (e devia) recusá-los, exigindo que a administração fiscal pedisse ao clube uma garantia bancária – como, de resto, o faz com qualquer contribuinte.

E a questão é exactamente esta: sim ou não, o Governo favoreceu o Benfica em matéria fiscal?

Perante estes factos, é evidente que sim.

Perante estes factos, é igualmente claro que a ministra mentiu na Assembleia da República. Com descaramento e premeditação. Misturando alhos com bugalhos, ao jurar a pés juntos que não firmara «qualquer compromisso» com o Benfica, quando o que se lhe perguntava era sobre o seu assentimento oficial à aceitação das acções da SAD como garantia.

Assentimento que afinal a ministra deu, segundo o Público.

Assentimento que a ministra escamoteou em plena Assembleia da República, como todo o País viu.

Adverte o aforismo latino que à mulher de César não basta ser séria – também é preciso parecê-lo.

O que todos vimos por parte da ministra Manuela Ferreira Leite, nesta matéria do Benfica, pode parecer tudo, menos sério.

Na verdade, ao procurar iludir a questão jogando com as palavras (nomeadamente negando o «acordo» que não terá havido para fugir à explicação do «consentimento» que assinou), Manuela Ferreira Leite fez outra coisa ainda mais inadmissível – negou ou escondeu a sua intervenção directa no assunto, nomeadamente quando assinou o despacho que permitiu à SAD do Benfica apresentar acções como garantia ao fisco.

Ora um despacho destes, assinado pela própria ministra, tem obrigatoriamente que ser fundamentado e transparente, sobretudo quando se refere a um clube cuja direcção, na campanha eleitoral, deu pública e notória nota de envolvimento e compromisso com o partido que agora lidera o Governo.

Nada disto a ministra fez. Ao contrário, negou a evidência, procurou desresponsabilizar-se ora atribuindo ao anterior Governo os seus próprios actos nesta matéria, ora escudando-se atabalhoadamente na própria administração fiscal que tutela, como se esta decisão sobre o Benfica, eminentemente política, ficasse neste caso estranhamente ao arbítrio dos serviços!

Manuela Ferreira Leite parece cultivar uma imagem disciplinadora e draconiana, mesmo que isso se traduza em milhares de despedimentos cujo drama e brutalidade a rarefacção dos números e das contabilidades não deixa ver e, por isso, não incomodarão a governante.

Aliás, a indiferença perante as opiniões negativas a seu respeito já foi devidamente afirmada e garantida pela própria ministra, que assim procurou demonstrar não temer críticas ou pressões e, melhor ainda, que nada nem ninguém a impedirá de cumprir os objectivos disciplinadores a que se propôs.

Ora esta tergiversação na Assembleia da República é um rude golpe nessa imagem de austera severidade.

Com ela, os portugueses ficaram a saber uma coisa de ciência certa.

A de que a «disciplina orçamental» da ministra Manuela Ferreira Leite só se aplica a quem trabalha e cumpre. Os grandes – devedores ou não – esses podem contar com o apoio e compreensão da ministra e do Governo...

«Avante!» Nº 1488 - 6.Junho.2002

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