Intervenção do Deputado Honório Novo

07-09-2003
marcar artigo

Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável – Cimeira de Joanesburgo

Intervenção do Deputado Honório Novo

19 Setembro 2002

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

No início do seu discurso, referiu que os resultados da Cimeira de Joanesburgo são moderadamente positivos.

No entanto, depois de ter ouvido a sua intervenção, creio que todos concluímos que o senhor não está moderadamente optimista, está imensamente optimista.

De facto, no seu discurso, pouco ou não é dito sobre o que são as diferenças entre o «antes» e o «depois» de Joanesburgo, entre o que eram as expectativas e as necessidades e o que, de facto, foram os resultados.

Creio que o Sr. Ministro só tem esse discurso tão optimista porque não se deu ao cuidado de notar as diferenças entre o que eram as expectativas e as necessidades e o que são, de facto, os resultados, tão vagos, tão imprecisos e tão insuficientes, da Cimeira de Joanesburgo.

Entretanto, quero colocar-lhe duas ou três questões mais ou menos objectivas — e não vou enveredar pelo que seria expectável da sua parte, Sr. Ministro.

Antes de férias, o senhor veio aqui falar em fiscalidade, no plano da água, pelo que, hoje, era de esperar que viesse apresentar-nos dados concretos, calendários, programações, mas nada disso!

Igualmente antes das férias, em Agosto, foi adoptada a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável. Ora, era de esperar que, hoje, o Sr. Ministro viesse a esta Assembleia falar do calendário e do programa, que, pelos vistos, não tem, no sentido de transformar aquela estratégia num projecto de desenvolvimento sustentável.

Viremo-nos, pois, para a Cimeira de Joanesburgo.

Um objectivo concreto e positivo é o da tentativa de redução para metade do número de pessoas que não têm acesso à água, só que, Sr. Ministro, não há planificação, este compromisso não está associado a qualquer programação financeira. Ora, não lhe parece que a ausência de uma tal planificação e de uma programação financeira pode condenar à morte, à partida, um dos objectivos minimamente aceitáveis e importantes que saiu de Joanesburgo?

Em segundo lugar, pelos vistos, para o Sr. Ministro e para o Governo português, os objectivos das Conferências de Nova Iorque, em 2000, e de Monterrey, em 2002, não são para cumprir.

Esses objectivos eram no sentido da consagração de 0,7% do PIB para ajuda aos países em vias de desenvolvimento, mas o senhor diz-nos que nem sequer vai atingir o objectivo da União Europeia, já que, há pouco, disse-nos que o mesmo era 0,33% do PIB, até 2006, mas admito que se tenha enganado porque o objectivo da União Europeia é o de, até 2006, consagrar 0,39% do PIB para ajuda aos países em vias de desenvolvimento. Portanto, não sei se foi erro ou se se trata de uma intenção do Governo de ficar abaixo do objectivo comunitário.

Gostava, pois, que nos respondesse a estas questões.

(…)

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Terminou sem glória a Cimeira da Terra de Joanesburgo.

Repetiram-se, é natural, os efeitos positivos que, sobretudo desde há dez anos, desde o Rio de Janeiro, este tipo de conferências mundiais produzem na consciencialização mundial sobre a gravidade da situação do desenvolvimento humano.

Renovaram-se, também, quer o conhecimento da situação quer a determinação mais rigorosa dos caminhos que há a percorrer para preservar o planeta e a vida.

Mas para além disso muito pouco de palpável saiu de Joanesburgo. É profunda a distância entre os objectivos proclamados e as medidas concretas adoptadas.

E se é certo que as expectativas criadas em torno de Joanesburgo não eram elevadas, também não é menos verdade que se exigia desta Cimeira muito mais que um simples repositório de intenções em que no fundamental se transformou!

Até porque o caminho que a Humanidade percorreu desde o Rio de Janeiro foi o de agravamento e o da degradação das condições ambientais, económicas e sociais do desenvolvimento humano e, por isso mesmo, se exigia que Joanesburgo invertesse o processo e passasse (finalmente!) das palavras aos actos. Assim não aconteceu, infelizmente.

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Corre-se o risco de assistir à criação de um verdadeiro “apartheid global”, com os ricos cada vez mais ricos e os pobres (e subdesenvolvidos) cada vez mais excluídos e explorados, com um fosso que não pára de crescer, de gerar sempre mais injustiças e de fomentar a justa revolta de cada vez mais milhões de “condenados e espoliados”.

Esta é uma situação profundamente cínica em que os réus são os países ricos, a União Europeia, os Estados Unidos.

É ou não verdade que desde o Rio se fala num objectivo, nunca alcançado, de reservar 0,7% do PIB para ajudar a combater a pobreza, para fazer com que não haja mil milhões de pessoas a viver com menos de 200$00 por dia? E é ou não é verdade que dez anos após o Rio esses países mais ricos não contribuem nem com 0,3%? E é aceitável que, apesar do discurso de vanguarda que os países europeus procuraram assumir nesta Cimeira, a própria União Europeia só tenha como objectivo próprio – ainda por cima a atingir em 2006 - uma ajuda ao desenvolvimento de 0,39% do PIB?

Mas, Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhoras e Senhores Deputados, a frustração com que Joanesburgo nos brindou assume muitos outros contornos:

- desde o bloqueio à adopção de compromissos para que 15% do consumo mundial de energia passasse a ter origem em fontes renováveis, até à ausência de acordo para permitir criar condições favoráveis a uma maior penetração de produtos dos países subdesenvolvidos nos mercados mundiais;

- desde o passar ao lado da questão central do controle das patentes dos medicamentos (apesar das boas intenções adoptadas na frente de combate contra a SIDA), até à marginalização das medidas de combate às catástrofes naturais ou à total falta de credibilidade com que são encarados os objectivos da FAO de combate à fome;

- desde o reiterado bloqueio do maior poluidor mundial ao protocolo de Quioto – aprovado, recorde-se, em 1997 -, à procura de um caminho que privilegia a criação de parcerias que dão corpo aos interesses de multinacionais e marginalizam ou eliminam a responsabilização pública, e que uma série de ONGs (até norte-americanas) considerou serem “dirigidas aos interesses das multinacionais ao invés de dirigidas às necessidades do desenvolvimento sustentável”;

- desde a inqualificável opção americana de, (à margem de um esforço multilateral conjunto para adoptar níveis aceitáveis de ajuda ao desenvolvimento), estabelecer acordos unilaterais que trocam o aumento directo das ajudas americanas pela aceitação sem condições de sistemas que os EUA considerem “de boa governação”, até à ausência de planos concretos para a concretização dos compromissos positivos de redução para metade dos mais de 2 mil milhões de pessoas que não têm acesso à água.

Para além deste objectivo positivo - cuja concretização, no entanto, se deseja – e de uma enorme variedade de expectativas frustradas, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, o concreto do decidido em Joanesburgo não passa muito do “adro da igreja do discurso e das intenções politicamente correctas”.

O plano de acção que sai de Joanesburgo contém muitas dezenas de recomendações para a promoção do desenvolvimento sustentável, quase todas do domínio consultivo e sem carácter vinculativo, que a nada nem a nenhum governo obrigam.

E se este plano de acção constitui, no fundamental, um simples conjunto de recomendações, a Declaração Política da Cimeira estabelece mais de trinta princípios e desafios, muitos dos quais constituem a reposição de decisões há muito adoptadas ou apontam para financiamentos e fundos que em larga medida há muito tempo haviam sido já anunciados e comprometidos.

Não há no fundamental nem objectivos novos nem financiamentos adicionais.

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Não podemos estar de acordo com aqueles que saem de Joanesburgo afirmando que a Cimeira foi um “êxito e um ponto de viragem rumo ao sucesso”.

Esse é o discurso que gera expectativas e alimenta ilusões. Essa é a postura de quem apenas pretende ser politicamente conveniente. Esse é o tom usado por quem – a níveis diferentes – tem também responsabilidades políticas pela frustração, pelo adiar de soluções concretas.

É que, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, para o PCP, de Joanesburgo não sai seguramente a perspectiva de um mundo mais justo e equilibrado construído através do combate firme e rigoroso contra a degradação ambiental e da luta por um desenvolvimento económico e social que garanta, minimamente, a dignidade humana!

Disse.

(…)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados

Quero começar por saudar o Sr. Presidente pela iniciativa deste debate, debate que confirmou, de certa forma, a existência de duas posições sobre a Cimeira de Joanesburgo e as perspectivas que dela decorrem. De um lado estão aqueles que, de forma, porventura conveniente, tecem loas aos resultados de Joanesburgo, não se entendendo bem porquê nem para quê — e o Deputado Manuel Oliveira é um exemplo absolutamente incontornável —, e de outro estão aqueles que, como o PCP, e não só, consideram que faltou vontade política para que a Cimeira de Joanesburgo constituísse um ponto de viragem autêntico, rumo ao desenvolvimento sustentado.

Aos arautos do optimismo, porventura algo irresponsável, chamamos, mais uma vez, a atenção para as ilusões que voltam a semear e para as frustrações que, amanhã, vão voltar a colher, traduzidas, necessariamente, no agravamento da degradação ambiental e, certamente, no fosso entre ricos e pobres.

A estes, especialmente ao Governo, o PCP reitera hoje aqui, no encerramento deste debate, que, apesar dos resultados insuficientes e pouco claros da Cimeira, exercerá, de forma apertada e rigorosa, as suas competências de controle e de fiscalização sobre a forma como o Governo irá ou não cumprir os parcos compromissos positivos assumidos em Joanesburgo.

Em relação à Cimeira de Joanesburgo, Sr.as e Srs. Deputados, e a este debate, há também que assinalar algum retrocesso entre esta Cimeira e a do Rio de Janeiro há 10 anos. Enquanto no Brasil tinha havido um consenso sobre um conceito de desenvolvimento sustentável que punha em causa o modelo de crescimento económico de natureza neoliberal e que procurava pôr limites à aceitação do mercado como critério único para a acção social — espero que todos se recordem —, em Joanesburgo a mensagem assume contornos claramente contraditórios, colocando o essencial das parcerias e dos objectivos na dependência fundamental dos interesses das multinacionais e do mercado global, procurando, ao mesmo tempo, desresponsabilizar, marginalizando ou autodesresponsabilizando, as obrigações públicas inalienáveis nesta matéria.

Este é um caminho perigoso; este é um retrocesso em relação à Conferência do Rio, que importa combater, para evitar que, como alguém disse, «os objectivos do desenvolvimento sustentável possam ser sequestrados pelos interesses das grandes multinacionais».

Não é aceitável, não podemos aceitar, apesar de uma simpatia inconfessada com adeptos de ontem e com adeptos de hoje, mais ou menos reciclados, que, a partir de Joanesburgo, as teses que passem a vigorar para o desenvolvimento sustentável sejam as teses do Banco Mundial.

Sr.as e Srs. Deputados, parafraseando o Forum Social da Cimeira de Joanesburgo, que, curiosamente, aqui não ouvi citado, será difícil caminhar em direcções mais sustentadas e equilibradas do desenvolvimento humano sustentável «se não forem adoptadas reformas económicas e financeiras que repudiem o modelo neoliberal de desenvolvimento e de globalização».

Cimeira Mundial para o Desenvolvimento Sustentável – Cimeira de Joanesburgo

Intervenção do Deputado Honório Novo

19 Setembro 2002

Sr. Presidente,

Sr. Ministro,

No início do seu discurso, referiu que os resultados da Cimeira de Joanesburgo são moderadamente positivos.

No entanto, depois de ter ouvido a sua intervenção, creio que todos concluímos que o senhor não está moderadamente optimista, está imensamente optimista.

De facto, no seu discurso, pouco ou não é dito sobre o que são as diferenças entre o «antes» e o «depois» de Joanesburgo, entre o que eram as expectativas e as necessidades e o que, de facto, foram os resultados.

Creio que o Sr. Ministro só tem esse discurso tão optimista porque não se deu ao cuidado de notar as diferenças entre o que eram as expectativas e as necessidades e o que são, de facto, os resultados, tão vagos, tão imprecisos e tão insuficientes, da Cimeira de Joanesburgo.

Entretanto, quero colocar-lhe duas ou três questões mais ou menos objectivas — e não vou enveredar pelo que seria expectável da sua parte, Sr. Ministro.

Antes de férias, o senhor veio aqui falar em fiscalidade, no plano da água, pelo que, hoje, era de esperar que viesse apresentar-nos dados concretos, calendários, programações, mas nada disso!

Igualmente antes das férias, em Agosto, foi adoptada a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável. Ora, era de esperar que, hoje, o Sr. Ministro viesse a esta Assembleia falar do calendário e do programa, que, pelos vistos, não tem, no sentido de transformar aquela estratégia num projecto de desenvolvimento sustentável.

Viremo-nos, pois, para a Cimeira de Joanesburgo.

Um objectivo concreto e positivo é o da tentativa de redução para metade do número de pessoas que não têm acesso à água, só que, Sr. Ministro, não há planificação, este compromisso não está associado a qualquer programação financeira. Ora, não lhe parece que a ausência de uma tal planificação e de uma programação financeira pode condenar à morte, à partida, um dos objectivos minimamente aceitáveis e importantes que saiu de Joanesburgo?

Em segundo lugar, pelos vistos, para o Sr. Ministro e para o Governo português, os objectivos das Conferências de Nova Iorque, em 2000, e de Monterrey, em 2002, não são para cumprir.

Esses objectivos eram no sentido da consagração de 0,7% do PIB para ajuda aos países em vias de desenvolvimento, mas o senhor diz-nos que nem sequer vai atingir o objectivo da União Europeia, já que, há pouco, disse-nos que o mesmo era 0,33% do PIB, até 2006, mas admito que se tenha enganado porque o objectivo da União Europeia é o de, até 2006, consagrar 0,39% do PIB para ajuda aos países em vias de desenvolvimento. Portanto, não sei se foi erro ou se se trata de uma intenção do Governo de ficar abaixo do objectivo comunitário.

Gostava, pois, que nos respondesse a estas questões.

(…)

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Terminou sem glória a Cimeira da Terra de Joanesburgo.

Repetiram-se, é natural, os efeitos positivos que, sobretudo desde há dez anos, desde o Rio de Janeiro, este tipo de conferências mundiais produzem na consciencialização mundial sobre a gravidade da situação do desenvolvimento humano.

Renovaram-se, também, quer o conhecimento da situação quer a determinação mais rigorosa dos caminhos que há a percorrer para preservar o planeta e a vida.

Mas para além disso muito pouco de palpável saiu de Joanesburgo. É profunda a distância entre os objectivos proclamados e as medidas concretas adoptadas.

E se é certo que as expectativas criadas em torno de Joanesburgo não eram elevadas, também não é menos verdade que se exigia desta Cimeira muito mais que um simples repositório de intenções em que no fundamental se transformou!

Até porque o caminho que a Humanidade percorreu desde o Rio de Janeiro foi o de agravamento e o da degradação das condições ambientais, económicas e sociais do desenvolvimento humano e, por isso mesmo, se exigia que Joanesburgo invertesse o processo e passasse (finalmente!) das palavras aos actos. Assim não aconteceu, infelizmente.

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Corre-se o risco de assistir à criação de um verdadeiro “apartheid global”, com os ricos cada vez mais ricos e os pobres (e subdesenvolvidos) cada vez mais excluídos e explorados, com um fosso que não pára de crescer, de gerar sempre mais injustiças e de fomentar a justa revolta de cada vez mais milhões de “condenados e espoliados”.

Esta é uma situação profundamente cínica em que os réus são os países ricos, a União Europeia, os Estados Unidos.

É ou não verdade que desde o Rio se fala num objectivo, nunca alcançado, de reservar 0,7% do PIB para ajudar a combater a pobreza, para fazer com que não haja mil milhões de pessoas a viver com menos de 200$00 por dia? E é ou não é verdade que dez anos após o Rio esses países mais ricos não contribuem nem com 0,3%? E é aceitável que, apesar do discurso de vanguarda que os países europeus procuraram assumir nesta Cimeira, a própria União Europeia só tenha como objectivo próprio – ainda por cima a atingir em 2006 - uma ajuda ao desenvolvimento de 0,39% do PIB?

Mas, Senhor Presidente, Senhores Membros do Governo, Senhoras e Senhores Deputados, a frustração com que Joanesburgo nos brindou assume muitos outros contornos:

- desde o bloqueio à adopção de compromissos para que 15% do consumo mundial de energia passasse a ter origem em fontes renováveis, até à ausência de acordo para permitir criar condições favoráveis a uma maior penetração de produtos dos países subdesenvolvidos nos mercados mundiais;

- desde o passar ao lado da questão central do controle das patentes dos medicamentos (apesar das boas intenções adoptadas na frente de combate contra a SIDA), até à marginalização das medidas de combate às catástrofes naturais ou à total falta de credibilidade com que são encarados os objectivos da FAO de combate à fome;

- desde o reiterado bloqueio do maior poluidor mundial ao protocolo de Quioto – aprovado, recorde-se, em 1997 -, à procura de um caminho que privilegia a criação de parcerias que dão corpo aos interesses de multinacionais e marginalizam ou eliminam a responsabilização pública, e que uma série de ONGs (até norte-americanas) considerou serem “dirigidas aos interesses das multinacionais ao invés de dirigidas às necessidades do desenvolvimento sustentável”;

- desde a inqualificável opção americana de, (à margem de um esforço multilateral conjunto para adoptar níveis aceitáveis de ajuda ao desenvolvimento), estabelecer acordos unilaterais que trocam o aumento directo das ajudas americanas pela aceitação sem condições de sistemas que os EUA considerem “de boa governação”, até à ausência de planos concretos para a concretização dos compromissos positivos de redução para metade dos mais de 2 mil milhões de pessoas que não têm acesso à água.

Para além deste objectivo positivo - cuja concretização, no entanto, se deseja – e de uma enorme variedade de expectativas frustradas, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, o concreto do decidido em Joanesburgo não passa muito do “adro da igreja do discurso e das intenções politicamente correctas”.

O plano de acção que sai de Joanesburgo contém muitas dezenas de recomendações para a promoção do desenvolvimento sustentável, quase todas do domínio consultivo e sem carácter vinculativo, que a nada nem a nenhum governo obrigam.

E se este plano de acção constitui, no fundamental, um simples conjunto de recomendações, a Declaração Política da Cimeira estabelece mais de trinta princípios e desafios, muitos dos quais constituem a reposição de decisões há muito adoptadas ou apontam para financiamentos e fundos que em larga medida há muito tempo haviam sido já anunciados e comprometidos.

Não há no fundamental nem objectivos novos nem financiamentos adicionais.

Senhor Presidente

Senhoras e Senhores Deputados

Não podemos estar de acordo com aqueles que saem de Joanesburgo afirmando que a Cimeira foi um “êxito e um ponto de viragem rumo ao sucesso”.

Esse é o discurso que gera expectativas e alimenta ilusões. Essa é a postura de quem apenas pretende ser politicamente conveniente. Esse é o tom usado por quem – a níveis diferentes – tem também responsabilidades políticas pela frustração, pelo adiar de soluções concretas.

É que, Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados, para o PCP, de Joanesburgo não sai seguramente a perspectiva de um mundo mais justo e equilibrado construído através do combate firme e rigoroso contra a degradação ambiental e da luta por um desenvolvimento económico e social que garanta, minimamente, a dignidade humana!

Disse.

(…)

Sr. Presidente,

Srs. Deputados

Quero começar por saudar o Sr. Presidente pela iniciativa deste debate, debate que confirmou, de certa forma, a existência de duas posições sobre a Cimeira de Joanesburgo e as perspectivas que dela decorrem. De um lado estão aqueles que, de forma, porventura conveniente, tecem loas aos resultados de Joanesburgo, não se entendendo bem porquê nem para quê — e o Deputado Manuel Oliveira é um exemplo absolutamente incontornável —, e de outro estão aqueles que, como o PCP, e não só, consideram que faltou vontade política para que a Cimeira de Joanesburgo constituísse um ponto de viragem autêntico, rumo ao desenvolvimento sustentado.

Aos arautos do optimismo, porventura algo irresponsável, chamamos, mais uma vez, a atenção para as ilusões que voltam a semear e para as frustrações que, amanhã, vão voltar a colher, traduzidas, necessariamente, no agravamento da degradação ambiental e, certamente, no fosso entre ricos e pobres.

A estes, especialmente ao Governo, o PCP reitera hoje aqui, no encerramento deste debate, que, apesar dos resultados insuficientes e pouco claros da Cimeira, exercerá, de forma apertada e rigorosa, as suas competências de controle e de fiscalização sobre a forma como o Governo irá ou não cumprir os parcos compromissos positivos assumidos em Joanesburgo.

Em relação à Cimeira de Joanesburgo, Sr.as e Srs. Deputados, e a este debate, há também que assinalar algum retrocesso entre esta Cimeira e a do Rio de Janeiro há 10 anos. Enquanto no Brasil tinha havido um consenso sobre um conceito de desenvolvimento sustentável que punha em causa o modelo de crescimento económico de natureza neoliberal e que procurava pôr limites à aceitação do mercado como critério único para a acção social — espero que todos se recordem —, em Joanesburgo a mensagem assume contornos claramente contraditórios, colocando o essencial das parcerias e dos objectivos na dependência fundamental dos interesses das multinacionais e do mercado global, procurando, ao mesmo tempo, desresponsabilizar, marginalizando ou autodesresponsabilizando, as obrigações públicas inalienáveis nesta matéria.

Este é um caminho perigoso; este é um retrocesso em relação à Conferência do Rio, que importa combater, para evitar que, como alguém disse, «os objectivos do desenvolvimento sustentável possam ser sequestrados pelos interesses das grandes multinacionais».

Não é aceitável, não podemos aceitar, apesar de uma simpatia inconfessada com adeptos de ontem e com adeptos de hoje, mais ou menos reciclados, que, a partir de Joanesburgo, as teses que passem a vigorar para o desenvolvimento sustentável sejam as teses do Banco Mundial.

Sr.as e Srs. Deputados, parafraseando o Forum Social da Cimeira de Joanesburgo, que, curiosamente, aqui não ouvi citado, será difícil caminhar em direcções mais sustentadas e equilibradas do desenvolvimento humano sustentável «se não forem adoptadas reformas económicas e financeiras que repudiem o modelo neoliberal de desenvolvimento e de globalização».

marcar artigo