Um aperto de mão a 5 mil quilómetros

04-12-2002
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Cientistas em Boston e Londres fizeram demonstração de realidade virtual

Um Aperto de Mão a 5 Mil Quilómetros

Segunda-feira, 04 de Novembro de 2002

%Isabel Gorjão Santos

Os momentos importantes costumam ser selados com um aperto de mão - e foi isso que aconteceu na passada terça-feira. Mas, desta vez, os intervenientes não posaram juntos para a fotografia, pois encontravam-se a cinco mil quilómetros de distância e separados pelo Oceano Atlântico. Um projecto do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, e do University College London (UCL), em Inglaterra, tornou possível um aperto de mão virtual, através da Internet. Após várias experiências realizadas em Maio e da apresentação de um artigo científico sobre o projecto na conferência Presence 2002 - que teve lugar em Portugal, no Porto, a 9 de Outubro - passou-se ao "cumprimento" bem sucedido entre Boston e Londres. Depois do som e da imagem, era a vez de as sensações tácteis chegarem também através da Rede.

Os cientistas do MIT e do UCL aproveitaram a conferência Internet2, em Los Angeles, na semana passada, para fazer esta demonstração. Estabeleceram a ligação entre a Universidade do Sul da Califórnia, o MIT e o UCL, tendo o primeiro toque virtual transatlântico ocorrido entre os dois últimos.

Aos computadores foi ligado um dispositivo designado por "haptic" - ou, dito de forma simples, um dispositivo que simula o toque, em experiências de realidade virtual. Neste caso, o equipamento usado foi o Phantom, que permite sentir a solidez e a textura de um objecto virtual. Trata-se de uma espécie de alavanca, que integra um conjunto de motores e é capaz de medir a intensidade da força. Criado no MIT no início da década de 90, o Phantom é hoje comercializado pela empresa norte-americana SensAble Technologies.

Quando o utilizador empurra o Phantom, é medida a intensidade da força aplicada, que depois é emitida para o outro utilizador, onde quer ele esteja, dando-lhe a sensação de toque - explicou a Computadores o investigador Manuel Oliveira, que integra a equipa do UCL responsável por este projecto (ver "Um 'passou-bem' também português"). Imagine-se um "joystick", como os usados para jogar, que integre a tecnologia "force feedback" mas, além dos solavancos no sentido contrário ao da força exercida, seja capaz de medir e reproduzir essa força. O Phantom é isto que faz.

Mas este dispositivo nada poderia fazer se não houvesse o Ghost, um "software development kit" (SDK) - um conjunto de ferramentas para desenvolvimento de "software" - com o qual foi criada a parte de visualização e envio de forças. O Ghost, o "software" que normalmente acompanha o Phantom, teve, no entanto, de ser modificado para esta demonstração, a fim de permitir a sua utilização através da Internet.

Na prática, não foi bem um aperto de mão que os investigadores sentiram, apesar de a sensação ser semelhante. Ambos puderam visualizar no monitor do computador um ambiente tridimensional, com um cubo no centro e dois pequenos ponteiros - semelhantes ao cursor que encontramos no computador -, que lhes mostravam a sua posição na sala virtual. Utilizando o Phantom, os cientistas dos dois lados do Atlântico levantaram o cubo, fazendo uma força sincronizada e da mesma intensidade. Ambos puderam sentir a "ajuda" do outro no levantamento do objecto virtual, tal como acontece na realidade quando se pretende transportar alguma coisa.

Das primeiras vezes que a experiência se realizou, não foi possível levantar o cubo, que caía sistematicamente, como explicou Manuel Oliveira. Após alguns ajustamentos, foi então possível concretizar esta demonstração de realidade virtual.

A sensação de toque acontece porque, através do Phantom, são enviados pequenos impulsos a frequências muito altas, a mais de 1000 Hz, o que é necessário para simular da forma mais convincente um verdadeiro toque. Quanto aos computadores utilizados, não poderiam ser mais normais: o do UCL tinha um processador a 1 GHz, 512 MB de RAM, placa gráfica GeForce2 e o sistema operativo Windows 2000, enquanto o do MIT era uma máquina a 0,9 GHz, com 256 MB de RAM, placa gráfica GeForce2 e sistema operativo Windows NT; os monitores eram de 19 polegadas. A informação transitou através de fibra óptica e a ligação usada era de banda larga.

"A experiência correu muito bem", disse à agência Reuters Joel Jordan, o investigador do UCL que "apertou a mão" do colega do MIT. "Actualmente, já é possível sentir o objecto a ser empurrado de encontro à nossa mão e conseguimos sentir a força dos outros", explicou Jordan.

Um dos segredos desta experiência está na velocidade com que os impulsos são enviados, de forma a que as frequências recebidas pelo Phantom estejam integradas e capazes de produzir a sensação de um toque contínuo. "Isto é semelhante ao que acontece quando o cérebro reinterpreta as imagens estáticas em imagens em movimento", referiu Jordan.

Além da força, é também possível transmitir a sensação de diferentes texturas. "Podemos sentir como uma coisa é áspera ou quão maleáveis são os lados do cubo", concluiu o investigador do UCL, que chamou a esta experiência "o primeiro aperto de mão transatlântico através da Internet".

"Tanto quanto sabemos, esta foi a primeira vez que sinais de toque foram transmitidos a uma tão longa distância, nomeadamente atravessando o Atlântico", disse Mandayam Srinivasan, director do Touch Lab do MIT, um dos coordenadores da equipa que fez esta demonstração. Em 1998, este grupo conseguiu transmitir sinais de toque entre duas salas do MIT, o que permitiu aos investigadores realizarem uma tarefa em conjunto, num ambiente virtual.

"O toque é dos aspectos mais difíceis de simular num ambiente virtual", adiantou Mel Slater, professor da área de ambientes virtuais do Computer Science Department do UCL, o outro coordenador deste projecto. Aliás, Slater é o grande responsável pela colaboração entre o grupo de cientistas do MIT e o do UCL. Esta começou em 1998, precisamente porque Slater resolveu passar um ano sabático no MIT.

Uma experiência como esta está sujeita a diversas limitações técnicas e uma delas é a diferença entre o momento em que um dos utilizadores faz a força e aquele em que o outro a sente, o que se deve ao tráfego na Internet. "A tarefa deverá ser executada muito lentamente ou, então, perde-se a sincronização", explicou Srinivasan, que adiantou estar confiante na possibilidade de se reduzir esse lapso temporal.

Mesmo numa situação de toque real, há uma diferença entre o momento em que se toca e aquele em que os sinais chegam ao cérebro - recordou o investigador do MIT. No entanto, enquanto uma viagem dos sinais da mão até ao cérebro demora cerca de 30 milissegundos, a viagem virtual do toque em Boston até ao utilizador em Londres poderá demorar 150 a 200 milissegundos, dependendo do tráfego na Net. "Se o atraso na Internet for reduzido para valores inferiores ao que se verifica entre a mão e o cérebro, o toque virtual parecerá muito natural", concluiu Srinivasan.

É difícil imaginar, para já, as situações em que estas tecnologias virão a ser utilizadas. Poderão servir, por exemplo, para um estudante de cirurgia praticar telemedicina. Ou para um conjunto de artistas que não se encontrem na mesma cidade elaborarem uma escultura. Um apaixonado pelos videojogos poderá sentir os personagens com que interage. Alguns trabalhos manuais poderão ser ensinados através da Internet.

Claro que a transmissão do toque através da Net terá também aspectos negativos: "Pode-se bater noutra pessoa de forma suficientemente forte para provocar ligeiras contusões e há versões mais sofisticadas deste equipamento que poderão causar danos", adiantou Joel Jordan. Certo é que nem a aula de cirurgia nem a bofetada virtual estão para breve: "Não é provável que este sistema esteja disponível para a utilização do público nos próximos anos, pelo menos em cinco anos."

Também Mandayam Srinivasan afirmou que é difícil dizer como é que a transmissão do toque através da Internet poderá ser utilizada no futuro: "Não sabemos quais serão todas as potenciais aplicações, tal como Bell não conseguiu prever todas as utilizações do telefone."

Cientistas em Boston e Londres fizeram demonstração de realidade virtual

Um Aperto de Mão a 5 Mil Quilómetros

Segunda-feira, 04 de Novembro de 2002

%Isabel Gorjão Santos

Os momentos importantes costumam ser selados com um aperto de mão - e foi isso que aconteceu na passada terça-feira. Mas, desta vez, os intervenientes não posaram juntos para a fotografia, pois encontravam-se a cinco mil quilómetros de distância e separados pelo Oceano Atlântico. Um projecto do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos EUA, e do University College London (UCL), em Inglaterra, tornou possível um aperto de mão virtual, através da Internet. Após várias experiências realizadas em Maio e da apresentação de um artigo científico sobre o projecto na conferência Presence 2002 - que teve lugar em Portugal, no Porto, a 9 de Outubro - passou-se ao "cumprimento" bem sucedido entre Boston e Londres. Depois do som e da imagem, era a vez de as sensações tácteis chegarem também através da Rede.

Os cientistas do MIT e do UCL aproveitaram a conferência Internet2, em Los Angeles, na semana passada, para fazer esta demonstração. Estabeleceram a ligação entre a Universidade do Sul da Califórnia, o MIT e o UCL, tendo o primeiro toque virtual transatlântico ocorrido entre os dois últimos.

Aos computadores foi ligado um dispositivo designado por "haptic" - ou, dito de forma simples, um dispositivo que simula o toque, em experiências de realidade virtual. Neste caso, o equipamento usado foi o Phantom, que permite sentir a solidez e a textura de um objecto virtual. Trata-se de uma espécie de alavanca, que integra um conjunto de motores e é capaz de medir a intensidade da força. Criado no MIT no início da década de 90, o Phantom é hoje comercializado pela empresa norte-americana SensAble Technologies.

Quando o utilizador empurra o Phantom, é medida a intensidade da força aplicada, que depois é emitida para o outro utilizador, onde quer ele esteja, dando-lhe a sensação de toque - explicou a Computadores o investigador Manuel Oliveira, que integra a equipa do UCL responsável por este projecto (ver "Um 'passou-bem' também português"). Imagine-se um "joystick", como os usados para jogar, que integre a tecnologia "force feedback" mas, além dos solavancos no sentido contrário ao da força exercida, seja capaz de medir e reproduzir essa força. O Phantom é isto que faz.

Mas este dispositivo nada poderia fazer se não houvesse o Ghost, um "software development kit" (SDK) - um conjunto de ferramentas para desenvolvimento de "software" - com o qual foi criada a parte de visualização e envio de forças. O Ghost, o "software" que normalmente acompanha o Phantom, teve, no entanto, de ser modificado para esta demonstração, a fim de permitir a sua utilização através da Internet.

Na prática, não foi bem um aperto de mão que os investigadores sentiram, apesar de a sensação ser semelhante. Ambos puderam visualizar no monitor do computador um ambiente tridimensional, com um cubo no centro e dois pequenos ponteiros - semelhantes ao cursor que encontramos no computador -, que lhes mostravam a sua posição na sala virtual. Utilizando o Phantom, os cientistas dos dois lados do Atlântico levantaram o cubo, fazendo uma força sincronizada e da mesma intensidade. Ambos puderam sentir a "ajuda" do outro no levantamento do objecto virtual, tal como acontece na realidade quando se pretende transportar alguma coisa.

Das primeiras vezes que a experiência se realizou, não foi possível levantar o cubo, que caía sistematicamente, como explicou Manuel Oliveira. Após alguns ajustamentos, foi então possível concretizar esta demonstração de realidade virtual.

A sensação de toque acontece porque, através do Phantom, são enviados pequenos impulsos a frequências muito altas, a mais de 1000 Hz, o que é necessário para simular da forma mais convincente um verdadeiro toque. Quanto aos computadores utilizados, não poderiam ser mais normais: o do UCL tinha um processador a 1 GHz, 512 MB de RAM, placa gráfica GeForce2 e o sistema operativo Windows 2000, enquanto o do MIT era uma máquina a 0,9 GHz, com 256 MB de RAM, placa gráfica GeForce2 e sistema operativo Windows NT; os monitores eram de 19 polegadas. A informação transitou através de fibra óptica e a ligação usada era de banda larga.

"A experiência correu muito bem", disse à agência Reuters Joel Jordan, o investigador do UCL que "apertou a mão" do colega do MIT. "Actualmente, já é possível sentir o objecto a ser empurrado de encontro à nossa mão e conseguimos sentir a força dos outros", explicou Jordan.

Um dos segredos desta experiência está na velocidade com que os impulsos são enviados, de forma a que as frequências recebidas pelo Phantom estejam integradas e capazes de produzir a sensação de um toque contínuo. "Isto é semelhante ao que acontece quando o cérebro reinterpreta as imagens estáticas em imagens em movimento", referiu Jordan.

Além da força, é também possível transmitir a sensação de diferentes texturas. "Podemos sentir como uma coisa é áspera ou quão maleáveis são os lados do cubo", concluiu o investigador do UCL, que chamou a esta experiência "o primeiro aperto de mão transatlântico através da Internet".

"Tanto quanto sabemos, esta foi a primeira vez que sinais de toque foram transmitidos a uma tão longa distância, nomeadamente atravessando o Atlântico", disse Mandayam Srinivasan, director do Touch Lab do MIT, um dos coordenadores da equipa que fez esta demonstração. Em 1998, este grupo conseguiu transmitir sinais de toque entre duas salas do MIT, o que permitiu aos investigadores realizarem uma tarefa em conjunto, num ambiente virtual.

"O toque é dos aspectos mais difíceis de simular num ambiente virtual", adiantou Mel Slater, professor da área de ambientes virtuais do Computer Science Department do UCL, o outro coordenador deste projecto. Aliás, Slater é o grande responsável pela colaboração entre o grupo de cientistas do MIT e o do UCL. Esta começou em 1998, precisamente porque Slater resolveu passar um ano sabático no MIT.

Uma experiência como esta está sujeita a diversas limitações técnicas e uma delas é a diferença entre o momento em que um dos utilizadores faz a força e aquele em que o outro a sente, o que se deve ao tráfego na Internet. "A tarefa deverá ser executada muito lentamente ou, então, perde-se a sincronização", explicou Srinivasan, que adiantou estar confiante na possibilidade de se reduzir esse lapso temporal.

Mesmo numa situação de toque real, há uma diferença entre o momento em que se toca e aquele em que os sinais chegam ao cérebro - recordou o investigador do MIT. No entanto, enquanto uma viagem dos sinais da mão até ao cérebro demora cerca de 30 milissegundos, a viagem virtual do toque em Boston até ao utilizador em Londres poderá demorar 150 a 200 milissegundos, dependendo do tráfego na Net. "Se o atraso na Internet for reduzido para valores inferiores ao que se verifica entre a mão e o cérebro, o toque virtual parecerá muito natural", concluiu Srinivasan.

É difícil imaginar, para já, as situações em que estas tecnologias virão a ser utilizadas. Poderão servir, por exemplo, para um estudante de cirurgia praticar telemedicina. Ou para um conjunto de artistas que não se encontrem na mesma cidade elaborarem uma escultura. Um apaixonado pelos videojogos poderá sentir os personagens com que interage. Alguns trabalhos manuais poderão ser ensinados através da Internet.

Claro que a transmissão do toque através da Net terá também aspectos negativos: "Pode-se bater noutra pessoa de forma suficientemente forte para provocar ligeiras contusões e há versões mais sofisticadas deste equipamento que poderão causar danos", adiantou Joel Jordan. Certo é que nem a aula de cirurgia nem a bofetada virtual estão para breve: "Não é provável que este sistema esteja disponível para a utilização do público nos próximos anos, pelo menos em cinco anos."

Também Mandayam Srinivasan afirmou que é difícil dizer como é que a transmissão do toque através da Internet poderá ser utilizada no futuro: "Não sabemos quais serão todas as potenciais aplicações, tal como Bell não conseguiu prever todas as utilizações do telefone."

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