Do negócio à identidade

12-12-2004
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Do Negócio à Identidade

Domingo, 05 de Dezembro de 2004

%C.V.

A moda das feiras medievais faz parte de um movimento mais amplo de reinvenção, seja do passado ou de tradições que funcionam como âncoras identitárias num mundo cada vez mais globalizado. É este um dos pontos de vista de Luís Baptista, 43 anos, sociólogo e professor na Faculdade e Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

- A que se deve esta onda dos regressos ao passado?

- Penso que em toda esta dinâmica de promoção de eventos históricos existem três aspectos muito importantes. O primeiro, que é relativamente óbvio, liga-se ao facto de o turismo cultural ter hoje uma importância económica decisiva, por exemplo a nível local. Em todo o sul da Europa, com o seu património de histórias em torno de castelos, de lendas, existe uma reinvenção do passado, que é um instrumento fundamental para as economias locais, o que nos pode levar à constatação que tudo isto é um negócio.

Existem, contudo, os outros dois aspectos mais subterrâneos, mas também igualmente importantes ou talvez até mais decisivos.

Um tem a ver com o que podemos chamar a reinvenção da tradição. Que se prende com a importância que tem para a própria memória das sociedades, para o próprio sentido colectivo, a reinterpretação de elementos históricos. Em conjunto com as características que identificam o grupo, e incorporando elementos de modernidade, estes reinventam de alguma maneira aquilo que é a suposta tradição. Não se trata de uma cópia do passado, mas sim de uma reinvenção que tem efeitos extraodinariamente importantes na valorização do grupo. Aparentemente hoje vivemos todos em rede, existe esta lógica da globalização, mas ao contrário do que possa parecer temos uma imensa necessidade de elementos que nos identifiquem entre iguais ou semelhantes.

- Precisamos de uma âncora?

- Sim. Estes eventos acabam por simbolizar um pouco a particularidade do lugar, funcionam como um elemento individualizador. Por outro lado, existe na sociedade contemporânea essa descoberta do campo como uma espécie de paraíso verde. O que se pode explicar pelo número crescente de pessoas a viverem nas sociedades e com a distância em relação ao campo antigo, o das dificuldades, do trabalho duro, das epidemias, que desapareceu como referente. Há uma lógica de musealização do campo. Também a Idade Média pode ser vista assim - o bom que havia e se perdeu na relação com a Natureza. Com as encenações históricas podemos ver a época sem, por exemplo, termos que lidar com a imundície que do ponto de vista da higiene era a Idade Média. É uma forma de viagem, semelhante aos pacotes turísticos agora generalizados. Ausentamo-nos do nosso quotidiano, viajamos, mas sem entrar em contacto com as sociedades onde somos colocados.

Do Negócio à Identidade

Domingo, 05 de Dezembro de 2004

%C.V.

A moda das feiras medievais faz parte de um movimento mais amplo de reinvenção, seja do passado ou de tradições que funcionam como âncoras identitárias num mundo cada vez mais globalizado. É este um dos pontos de vista de Luís Baptista, 43 anos, sociólogo e professor na Faculdade e Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

- A que se deve esta onda dos regressos ao passado?

- Penso que em toda esta dinâmica de promoção de eventos históricos existem três aspectos muito importantes. O primeiro, que é relativamente óbvio, liga-se ao facto de o turismo cultural ter hoje uma importância económica decisiva, por exemplo a nível local. Em todo o sul da Europa, com o seu património de histórias em torno de castelos, de lendas, existe uma reinvenção do passado, que é um instrumento fundamental para as economias locais, o que nos pode levar à constatação que tudo isto é um negócio.

Existem, contudo, os outros dois aspectos mais subterrâneos, mas também igualmente importantes ou talvez até mais decisivos.

Um tem a ver com o que podemos chamar a reinvenção da tradição. Que se prende com a importância que tem para a própria memória das sociedades, para o próprio sentido colectivo, a reinterpretação de elementos históricos. Em conjunto com as características que identificam o grupo, e incorporando elementos de modernidade, estes reinventam de alguma maneira aquilo que é a suposta tradição. Não se trata de uma cópia do passado, mas sim de uma reinvenção que tem efeitos extraodinariamente importantes na valorização do grupo. Aparentemente hoje vivemos todos em rede, existe esta lógica da globalização, mas ao contrário do que possa parecer temos uma imensa necessidade de elementos que nos identifiquem entre iguais ou semelhantes.

- Precisamos de uma âncora?

- Sim. Estes eventos acabam por simbolizar um pouco a particularidade do lugar, funcionam como um elemento individualizador. Por outro lado, existe na sociedade contemporânea essa descoberta do campo como uma espécie de paraíso verde. O que se pode explicar pelo número crescente de pessoas a viverem nas sociedades e com a distância em relação ao campo antigo, o das dificuldades, do trabalho duro, das epidemias, que desapareceu como referente. Há uma lógica de musealização do campo. Também a Idade Média pode ser vista assim - o bom que havia e se perdeu na relação com a Natureza. Com as encenações históricas podemos ver a época sem, por exemplo, termos que lidar com a imundície que do ponto de vista da higiene era a Idade Média. É uma forma de viagem, semelhante aos pacotes turísticos agora generalizados. Ausentamo-nos do nosso quotidiano, viajamos, mas sem entrar em contacto com as sociedades onde somos colocados.

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