Escanção Manuel Moreira

13-12-2004
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Escanção Manuel Moreira

Por O DESEJO DA SEGUNDA ESTRELA

Domingo, 05 de Dezembro de 2004

%Ana Catarina Duarte

A conversa corre lenta, ao ritmo a que se bebe os bons vinhos. Manuel Moreira, 32 anos, escanção, conta que foi cedo, por volta dos 19 anos, que começou a interessar-se. Proveniente de uma família minhota, o vinho sempre esteve enraizado nos seus hábitos. Mas nunca planeou trabalhar com o vinho. "Foi por acaso, não havia um dever de trabalhar com o vinho".

"O 'click' aconteceu nas disciplinas de Enologia e de Teorias de Vinhos do Curso de Mesa e Bar que me causou um interesse súbito. Tinha de ser escanção", explica. Quando decidiu tirar o curso já estava a trabalhar na hotelaria. Queria ser "barman", por causa da imagem que deles se dá nos filmes. "Comecei a tirar cafés, num trabalho de Verão, e senti-me na obrigação de tirar um curso". A construção da formação de escanção (ou "sommelier") passou ainda pelo estágio no hotel Meridian de Lisboa até ao momento que "da grande viragem": em 1996, com o António Mesquita, "pude passar daquela fase de trabalho [estágio] e estar todos os dias com o vinho, a sugerir, a aconselhar, a provar, a gerir a garrafeira, nas compras. Só queria que acabasse o dia de trabalho para voltar outra vez, pois dava-me um gozo enorme e também uma ânsia em fazer bem as coisas".

Passou por vários restaurantes, aperfeiçoou-se como escanção com alguns dos melhores da profissão, como João Pires e Mário Louro, juntou-se a Augusto Gemelli para abrir "A Galeria", em Lisboa, pertence à direcção da Associação de Escanções e é vice-director da "Revista de Vinhos". Além disso, é o responsável pela garrafeira (e pelo que vai para a mesa dos clientes) na "Fortaleza do Guincho", um restaurante com uma estrela Michelin. Chegar às duas estrelas é o seu principal projecto - "é mais importante do que qualquer concurso em Portugal". Confessa ter a ambição de chegar à final do campeonato do mundo de escanções em 2007.

O olhar brilhante não esconde que olha para esta profissão com "glamour". Divide a profissão em três partes: gestão, serviço e harmonia. "Na gestão, tenho a possibilidade de fazer a estratégia da carta [de vinhos] em termos do que é apresentado, dos preços, de cave na rotação dos produtos, de adaptação a perfis de cliente, de compras, e também de aconselhamento e orientação no bar, o usar os copos. No serviço, cuidamos do ritual, do protocolo, da temperatura do vinho e dos copos, da disponibilidade de vinho. Na harmonia, há o aconselhamento em que o cliente pede sugestão e tento saber o que pretende. É um trabalho abrangente, mas muito específico", diz.

Um escanção, não é, então, apenas uma pessoa que prova vinhos. Ponha-se de lado a ideia romântica do passar os dias a erguer o copo para a luz para se aperceber da cor, girá-lo vezes sem conta, chegar o copo ao nariz, sentir o aroma. Rituais que também existem.

Manuel Moreira é um homem apaixonado pela "sua" matéria prima e que vê a vida como um bom vinho - um vinho que teve um trajecto calmo, consistente e paciente. Não há contradição: também se assume como um homem competitivo, ambicioso, quer ser exímio na sua profissão. Foi eleito pela Revista de Vinhos o "Melhor Escanção de 2004".

O vinho, garante, ocupa nas necessidades humanas um lugar de destaque. "Acho que posso ajudar no sector do vinho, promover a profissão e escrever alguma coisa, colocar a minha capacidade de prova e de trabalho diário para melhorar o serviço e o vinho".

"Não gosto de beber um bom vinho sozinho", diz ao falar da sua "pequena" colecção de garrafas que espera vir a desfrutar com os amigos. É um consumidor exigente e não necessariamente dispendioso. O vinho que mais o marcou? Prontamente responde que não existe. "Não é essa a minha filosofia em relação àquilo que provo. Isso porque não quero ficar com um ponto de referência".

Contido em adjectivar os vinhos portugueses, o "sommelier" considera que estes mudaram muito. "As mentalidades alteraram-se, a capacidade técnica é muito maior e passa a existir investimento nas adegas. Nós somos um país que está a começar a ser notado", sublinha.

Aos 32 anos, Manuel Moreira, 32 anos, tem agora o sonho de se tornar "Master of Wine", a categoria topo de carreira. "Se tiver oportunidade vou tentar daqui a sete ou oito anos. Há que estudar e concorrer, e vai depender do tempo e do dinheiro para investir nos estudos e nas viagens, É uma realização pessoal, mas como é tão restrito..."

A proposta: escolher vinho para os pratos propostos pelos chefes. Manuel Moreira tem a garrafeira da "Fortaleza do Guincho" na cabeça e não hesita. Escolhe só portugueses.

Para a sopa de castanhas, Vértice Super Reserva de 1999: "O gás do espumante tem a força e a frescura que vai de encontro à cremosidade da sopa. Aromatiza-a bastante".

Para o cherne da Nazaré, Redoma Rose 2001 da Niepoort

"Um vinho com corpo, aveludado, cuja frescura natural harmoniza com a textura do peixe. Dá-lhe uma sensação ligeira e amena".

Para as Lasquinhas de vitela, Garrafeira CO 1995 José Maria da Fonseca

"Aos aromas caramelizados e secos que perfumam o prato, quis juntar-lhe um vinho leve , fino, elegante e com acidez que lhe dá um toque de rusticidade".

Para a sopa dourada, Moscatel de Setúbal 20 anos

"A sua belíssima acidez vai repescar o sabor vivo do doce. Uma condição para não ficar muito enjoativo, que aproveita e reúne os aromas".

Escanção Manuel Moreira

Por O DESEJO DA SEGUNDA ESTRELA

Domingo, 05 de Dezembro de 2004

%Ana Catarina Duarte

A conversa corre lenta, ao ritmo a que se bebe os bons vinhos. Manuel Moreira, 32 anos, escanção, conta que foi cedo, por volta dos 19 anos, que começou a interessar-se. Proveniente de uma família minhota, o vinho sempre esteve enraizado nos seus hábitos. Mas nunca planeou trabalhar com o vinho. "Foi por acaso, não havia um dever de trabalhar com o vinho".

"O 'click' aconteceu nas disciplinas de Enologia e de Teorias de Vinhos do Curso de Mesa e Bar que me causou um interesse súbito. Tinha de ser escanção", explica. Quando decidiu tirar o curso já estava a trabalhar na hotelaria. Queria ser "barman", por causa da imagem que deles se dá nos filmes. "Comecei a tirar cafés, num trabalho de Verão, e senti-me na obrigação de tirar um curso". A construção da formação de escanção (ou "sommelier") passou ainda pelo estágio no hotel Meridian de Lisboa até ao momento que "da grande viragem": em 1996, com o António Mesquita, "pude passar daquela fase de trabalho [estágio] e estar todos os dias com o vinho, a sugerir, a aconselhar, a provar, a gerir a garrafeira, nas compras. Só queria que acabasse o dia de trabalho para voltar outra vez, pois dava-me um gozo enorme e também uma ânsia em fazer bem as coisas".

Passou por vários restaurantes, aperfeiçoou-se como escanção com alguns dos melhores da profissão, como João Pires e Mário Louro, juntou-se a Augusto Gemelli para abrir "A Galeria", em Lisboa, pertence à direcção da Associação de Escanções e é vice-director da "Revista de Vinhos". Além disso, é o responsável pela garrafeira (e pelo que vai para a mesa dos clientes) na "Fortaleza do Guincho", um restaurante com uma estrela Michelin. Chegar às duas estrelas é o seu principal projecto - "é mais importante do que qualquer concurso em Portugal". Confessa ter a ambição de chegar à final do campeonato do mundo de escanções em 2007.

O olhar brilhante não esconde que olha para esta profissão com "glamour". Divide a profissão em três partes: gestão, serviço e harmonia. "Na gestão, tenho a possibilidade de fazer a estratégia da carta [de vinhos] em termos do que é apresentado, dos preços, de cave na rotação dos produtos, de adaptação a perfis de cliente, de compras, e também de aconselhamento e orientação no bar, o usar os copos. No serviço, cuidamos do ritual, do protocolo, da temperatura do vinho e dos copos, da disponibilidade de vinho. Na harmonia, há o aconselhamento em que o cliente pede sugestão e tento saber o que pretende. É um trabalho abrangente, mas muito específico", diz.

Um escanção, não é, então, apenas uma pessoa que prova vinhos. Ponha-se de lado a ideia romântica do passar os dias a erguer o copo para a luz para se aperceber da cor, girá-lo vezes sem conta, chegar o copo ao nariz, sentir o aroma. Rituais que também existem.

Manuel Moreira é um homem apaixonado pela "sua" matéria prima e que vê a vida como um bom vinho - um vinho que teve um trajecto calmo, consistente e paciente. Não há contradição: também se assume como um homem competitivo, ambicioso, quer ser exímio na sua profissão. Foi eleito pela Revista de Vinhos o "Melhor Escanção de 2004".

O vinho, garante, ocupa nas necessidades humanas um lugar de destaque. "Acho que posso ajudar no sector do vinho, promover a profissão e escrever alguma coisa, colocar a minha capacidade de prova e de trabalho diário para melhorar o serviço e o vinho".

"Não gosto de beber um bom vinho sozinho", diz ao falar da sua "pequena" colecção de garrafas que espera vir a desfrutar com os amigos. É um consumidor exigente e não necessariamente dispendioso. O vinho que mais o marcou? Prontamente responde que não existe. "Não é essa a minha filosofia em relação àquilo que provo. Isso porque não quero ficar com um ponto de referência".

Contido em adjectivar os vinhos portugueses, o "sommelier" considera que estes mudaram muito. "As mentalidades alteraram-se, a capacidade técnica é muito maior e passa a existir investimento nas adegas. Nós somos um país que está a começar a ser notado", sublinha.

Aos 32 anos, Manuel Moreira, 32 anos, tem agora o sonho de se tornar "Master of Wine", a categoria topo de carreira. "Se tiver oportunidade vou tentar daqui a sete ou oito anos. Há que estudar e concorrer, e vai depender do tempo e do dinheiro para investir nos estudos e nas viagens, É uma realização pessoal, mas como é tão restrito..."

A proposta: escolher vinho para os pratos propostos pelos chefes. Manuel Moreira tem a garrafeira da "Fortaleza do Guincho" na cabeça e não hesita. Escolhe só portugueses.

Para a sopa de castanhas, Vértice Super Reserva de 1999: "O gás do espumante tem a força e a frescura que vai de encontro à cremosidade da sopa. Aromatiza-a bastante".

Para o cherne da Nazaré, Redoma Rose 2001 da Niepoort

"Um vinho com corpo, aveludado, cuja frescura natural harmoniza com a textura do peixe. Dá-lhe uma sensação ligeira e amena".

Para as Lasquinhas de vitela, Garrafeira CO 1995 José Maria da Fonseca

"Aos aromas caramelizados e secos que perfumam o prato, quis juntar-lhe um vinho leve , fino, elegante e com acidez que lhe dá um toque de rusticidade".

Para a sopa dourada, Moscatel de Setúbal 20 anos

"A sua belíssima acidez vai repescar o sabor vivo do doce. Uma condição para não ficar muito enjoativo, que aproveita e reúne os aromas".

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