Nuno Artur Silva 10 anos de Produções Fictícias

14-04-2003
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Nuno Artur Silva 10 Anos de Produções Fictícias

Segunda-feira, 31 de Março de 2003 %Daniel Deusdado Tudo começou há 10 anos, porque Nuno Artur Silva não conseguia encaixar a cabeça numa vida convencional de professor universitário e resolveu arriscar-se por um sonho de escrever para sempre, em todos os formatos, em permanente transformação da realidade. "Para mim, escrever é escrever para outrem - escrever para imagens, escrever para actores, escrever para espectáculo." Picasso dizia que "pintar no séc. XX era pintar todos os géneros". A 1 de Abril fazem-se 10 anos sobre o nascimento desta fábrica de humores. Mas como viver da escrita em Portugal e aguentar 10 anos? "Em termos de negócio, as Produções Fictícias (PF) vivem exactamente de um compromisso: um pé no mercado e um pé no ar. Para fazermos o que nos apetece." Há duas ou três ideias muito conhecidas sobre o trabalho das PF: que escrevem para Herman José, que elaboram os guiões do "Contra-Informação", que fazem as crónicas do "Estebes" e o "Zé Manel" (da Maria Rueff), entre outras prosas para jornais, e um "cartoon" semanal no "Expresso"... Mas há novidades: correm negociações para coisas que incluem a TVI, há um acordo com Paulo Branco para a produção de argumentos para telefilmes, "stand-up comedies" com um grupo de actores baptizado por "Manobras de Diversão", "script doctoring" (ou seja, apoio à produção e finalização de argumentos), agenciamento de ideias... Nos 10 anos de existência das PF, terão passado por ali quase todos os guionistas com menos de 35 anos actualmente no mercado. "As Produções têm sido uma escola: escritas de humor, sem ser de humor, de teatro, de televisão... Nesse sentido, há aqui um património que tem sido uma espécie de aldeia gaulesa que sobrevive aos formatos estrangeiros." E porquê tantos programas "estrangeiros", depois vertidos para versão portuguesa?, perguntará o leitor. "Em qualquer estação - seja a SIC, seja a TVI, seja a RTP -, não há estrutura de leitura de guiões. O que há são duas ou três pessoas que lêem, ligadas à área das audiências, ou seja, sem formação específica, e que decidem quase tudo. É um palpite. Depois, há aqueles que têm bons palpites e outros que têm maus, mas é tudo feito mais ao menos na base da intuição de quem dirige o canal", diz Nuno Artur Silva. E assim se percebe a balbúrdia permanente em que andam as grelhas televisivas ou a forma como se joga pelo seguro, comprando formatos estrangeiros já experimentados. Fazendo-se uma retrospectiva sobre alguns dos mais marcantes formatos nacionais dos últimos anos, acabamos por ir bater àquela porta - "Herman Enciclopédia", "Contra-Informação", "Conversa da treta", "O programa da Maria", "Paraíso Filmes", "O taxista Zé Manel", as "stand-up comedies" das "Manobras de Diversão" ou, ainda, "O homem que mordeu o cão", de Nuno Markl, e os guiões de alguns filmes como o de Rui Cardoso Martins para "Zona J" - ambos membros da equipa PF. Nuno Artur Silva vê a criação de conteúdos nacionais para além do estrito humor ou do simples entretenimento televisivo. "Esta é a área decisiva para a preservação da identidade nacional: a interligação da cultura com o audiovisual. O país está economicamente dominado pela Espanha, os centros de decisão estão a passar para Madrid, isto numa altura em que a língua inglesa domina e a espanhola começa a avançar. O espaço da língua e da cultura portuguesas só pode sobreviver numa ligação fortíssima entre o audiovisual e o cultural." As Produções Fictícias funcionaram também como propulsoras da criação da Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos. Para quê? O objectivo é explicar aos sucessivos governos como os conteúdos nacionais também são "cultura". Nuno Artur Silva liderou muitas das conversas com ministros responsáveis pela televisão pública, ou pelo Ministério da Cultura, e chega quase sempre ao mesmo resultado: "Tenho a sensação de que são pessoas que tomam contacto com estes sectores pela primeira vez e não são especialistas, não têm uma visão global dos problemas. A única excepção foi Manuel Maria Carrilho". Antigamente, um programa de massas era visto por três milhões e meio de pessoas, casos da novela "Gabriela, Cravo e Canela" ou dos últimos episódios do célebre concurso "Cornélia". "Eram três milhões e meio de pessoas, quase metade do país. Tudo a falar nisso. Hoje em dia, esta dimensão vai-se perdendo e deixa ficar a questão da identidade nacional. De que é que as pessoas vão falar no dia seguinte? É muito interessante, por exemplo, questionar que programas é que vão ter uma função de criar identidade nacional. São os telejornais? Quais deles?" Nos últimos anos, os canais generalistas perderam um milhão de telespectadores. Mas, apesar disso, e mesmo com a explosão de formatos e opções audiovisuais no Mundo inteiro, "nos nossos canais generalistas estamos condenados a uma monótona banalidade. E nem sequer há uma tentativa de fazer diferente nos canais cabo, ou de fazer diferente a outro nível. Isso é terrível, custa-me imenso". Para Nuno, é contra isso que se torna necessário lutar. "Há que inventar novos formatos. É nisso que tenho grande esperança, e nas possibilidades das novas tecnologias, como a das câmaras digitais, a net, e nos movimentos constituídos por pessoas mais novas". Podia usar-se aqui um cliché: quem não perceber isto, está fora. "Pinto Balsemão dizia, há muitos anos: 'O essencial são os conteúdos, não são os distribuidores'. Foi a AOL (americaonline) que comprou a Time Warner, mas o que conta é a Time Warner, não é a AOL. Os distribuidores são importantes, mas onde se joga tudo é nos conteúdos". Se levarmos este pensamento um pouco mais adiante, verificaremos que, "por mais que os telemóveis, as redes de telemóveis, as plataformas digitais de televisão ou TV Cabo sejam decisivas, tudo se vai jogar nos conteúdos que se vão lá pôr. É aí que se tem de investir". Esta alterações começam a ter fortes consequências ao nível do negócio. O aumento em 50 por cento das receitas publicitárias dos canais presentes no cabo em 2002 - apesar da recessão em todo o mercado - já levanta o véu sobre o futuro. "Os comerciantes e os agentes comerciais, em vez de trabalharem com os programadores, têm é que ir trabalhar com os guionistas. Até a própria publicidade vai mudar toda - o "product placement" (inserções comerciais nos guiões das histórias) é o futuro. Os intervalos comerciais, tais como os conhecemos, vão praticamente acabar". É nesse sentido que as Produções Fictícias se posicionam. Como é que vai ser a televisão do futuro, quais os seus conteúdos, as plataformas do futuro? Como é que o teatro se vai revitalizar em relação às coisas que são mediatizadas, ou seja, às coisas que nos chegam através de imagens electrónicas. Qual o papel dos espectáculos ao vivo? Como é que, numa futura segmentação de canais, se captam audiências a nível nacional? São estas as questões-chave que as Produções Fictícias estão já a pensar, em articulação com o mercado. "Não é muito interessante estar a trabalhar para o presente, o presente é bastante limitativo, interessa-nos é olhar para o futuro e, nesse sentido, perceber como é que isto vai mudar. Eu posso estar enganado, mas tudo isto vai ter a ver com a capacidade de ter ideias, de as formatar e de encontrar modelos de negócio para elas. E esse é um trabalho que os guionistas - antes de qualquer outra pessoa - têm que fazer. Vamos trabalhar directamente com os agentes comerciais, com os programadores, e é aqui que se une o sentido disto tudo." Conjugado o dinheiro com as ideias, está garantida a concretização desse velho saber que diz: a criatividade é de quem a trabalha. OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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Segunda-feira, 31 de Março de 2003 %Daniel Deusdado Tudo começou há 10 anos, porque Nuno Artur Silva não conseguia encaixar a cabeça numa vida convencional de professor universitário e resolveu arriscar-se por um sonho de escrever para sempre, em todos os formatos, em permanente transformação da realidade. "Para mim, escrever é escrever para outrem - escrever para imagens, escrever para actores, escrever para espectáculo." Picasso dizia que "pintar no séc. XX era pintar todos os géneros". A 1 de Abril fazem-se 10 anos sobre o nascimento desta fábrica de humores. Mas como viver da escrita em Portugal e aguentar 10 anos? "Em termos de negócio, as Produções Fictícias (PF) vivem exactamente de um compromisso: um pé no mercado e um pé no ar. Para fazermos o que nos apetece." Há duas ou três ideias muito conhecidas sobre o trabalho das PF: que escrevem para Herman José, que elaboram os guiões do "Contra-Informação", que fazem as crónicas do "Estebes" e o "Zé Manel" (da Maria Rueff), entre outras prosas para jornais, e um "cartoon" semanal no "Expresso"... Mas há novidades: correm negociações para coisas que incluem a TVI, há um acordo com Paulo Branco para a produção de argumentos para telefilmes, "stand-up comedies" com um grupo de actores baptizado por "Manobras de Diversão", "script doctoring" (ou seja, apoio à produção e finalização de argumentos), agenciamento de ideias... Nos 10 anos de existência das PF, terão passado por ali quase todos os guionistas com menos de 35 anos actualmente no mercado. "As Produções têm sido uma escola: escritas de humor, sem ser de humor, de teatro, de televisão... Nesse sentido, há aqui um património que tem sido uma espécie de aldeia gaulesa que sobrevive aos formatos estrangeiros." E porquê tantos programas "estrangeiros", depois vertidos para versão portuguesa?, perguntará o leitor. "Em qualquer estação - seja a SIC, seja a TVI, seja a RTP -, não há estrutura de leitura de guiões. O que há são duas ou três pessoas que lêem, ligadas à área das audiências, ou seja, sem formação específica, e que decidem quase tudo. É um palpite. Depois, há aqueles que têm bons palpites e outros que têm maus, mas é tudo feito mais ao menos na base da intuição de quem dirige o canal", diz Nuno Artur Silva. E assim se percebe a balbúrdia permanente em que andam as grelhas televisivas ou a forma como se joga pelo seguro, comprando formatos estrangeiros já experimentados. Fazendo-se uma retrospectiva sobre alguns dos mais marcantes formatos nacionais dos últimos anos, acabamos por ir bater àquela porta - "Herman Enciclopédia", "Contra-Informação", "Conversa da treta", "O programa da Maria", "Paraíso Filmes", "O taxista Zé Manel", as "stand-up comedies" das "Manobras de Diversão" ou, ainda, "O homem que mordeu o cão", de Nuno Markl, e os guiões de alguns filmes como o de Rui Cardoso Martins para "Zona J" - ambos membros da equipa PF. Nuno Artur Silva vê a criação de conteúdos nacionais para além do estrito humor ou do simples entretenimento televisivo. "Esta é a área decisiva para a preservação da identidade nacional: a interligação da cultura com o audiovisual. O país está economicamente dominado pela Espanha, os centros de decisão estão a passar para Madrid, isto numa altura em que a língua inglesa domina e a espanhola começa a avançar. O espaço da língua e da cultura portuguesas só pode sobreviver numa ligação fortíssima entre o audiovisual e o cultural." As Produções Fictícias funcionaram também como propulsoras da criação da Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos. Para quê? O objectivo é explicar aos sucessivos governos como os conteúdos nacionais também são "cultura". Nuno Artur Silva liderou muitas das conversas com ministros responsáveis pela televisão pública, ou pelo Ministério da Cultura, e chega quase sempre ao mesmo resultado: "Tenho a sensação de que são pessoas que tomam contacto com estes sectores pela primeira vez e não são especialistas, não têm uma visão global dos problemas. A única excepção foi Manuel Maria Carrilho". Antigamente, um programa de massas era visto por três milhões e meio de pessoas, casos da novela "Gabriela, Cravo e Canela" ou dos últimos episódios do célebre concurso "Cornélia". "Eram três milhões e meio de pessoas, quase metade do país. Tudo a falar nisso. Hoje em dia, esta dimensão vai-se perdendo e deixa ficar a questão da identidade nacional. De que é que as pessoas vão falar no dia seguinte? É muito interessante, por exemplo, questionar que programas é que vão ter uma função de criar identidade nacional. São os telejornais? Quais deles?" Nos últimos anos, os canais generalistas perderam um milhão de telespectadores. Mas, apesar disso, e mesmo com a explosão de formatos e opções audiovisuais no Mundo inteiro, "nos nossos canais generalistas estamos condenados a uma monótona banalidade. E nem sequer há uma tentativa de fazer diferente nos canais cabo, ou de fazer diferente a outro nível. Isso é terrível, custa-me imenso". Para Nuno, é contra isso que se torna necessário lutar. "Há que inventar novos formatos. É nisso que tenho grande esperança, e nas possibilidades das novas tecnologias, como a das câmaras digitais, a net, e nos movimentos constituídos por pessoas mais novas". Podia usar-se aqui um cliché: quem não perceber isto, está fora. "Pinto Balsemão dizia, há muitos anos: 'O essencial são os conteúdos, não são os distribuidores'. Foi a AOL (americaonline) que comprou a Time Warner, mas o que conta é a Time Warner, não é a AOL. Os distribuidores são importantes, mas onde se joga tudo é nos conteúdos". Se levarmos este pensamento um pouco mais adiante, verificaremos que, "por mais que os telemóveis, as redes de telemóveis, as plataformas digitais de televisão ou TV Cabo sejam decisivas, tudo se vai jogar nos conteúdos que se vão lá pôr. É aí que se tem de investir". Esta alterações começam a ter fortes consequências ao nível do negócio. O aumento em 50 por cento das receitas publicitárias dos canais presentes no cabo em 2002 - apesar da recessão em todo o mercado - já levanta o véu sobre o futuro. "Os comerciantes e os agentes comerciais, em vez de trabalharem com os programadores, têm é que ir trabalhar com os guionistas. Até a própria publicidade vai mudar toda - o "product placement" (inserções comerciais nos guiões das histórias) é o futuro. Os intervalos comerciais, tais como os conhecemos, vão praticamente acabar". É nesse sentido que as Produções Fictícias se posicionam. Como é que vai ser a televisão do futuro, quais os seus conteúdos, as plataformas do futuro? Como é que o teatro se vai revitalizar em relação às coisas que são mediatizadas, ou seja, às coisas que nos chegam através de imagens electrónicas. Qual o papel dos espectáculos ao vivo? Como é que, numa futura segmentação de canais, se captam audiências a nível nacional? São estas as questões-chave que as Produções Fictícias estão já a pensar, em articulação com o mercado. "Não é muito interessante estar a trabalhar para o presente, o presente é bastante limitativo, interessa-nos é olhar para o futuro e, nesse sentido, perceber como é que isto vai mudar. Eu posso estar enganado, mas tudo isto vai ter a ver com a capacidade de ter ideias, de as formatar e de encontrar modelos de negócio para elas. E esse é um trabalho que os guionistas - antes de qualquer outra pessoa - têm que fazer. Vamos trabalhar directamente com os agentes comerciais, com os programadores, e é aqui que se une o sentido disto tudo." Conjugado o dinheiro com as ideias, está garantida a concretização desse velho saber que diz: a criatividade é de quem a trabalha. OUTROS TÍTULOS EM PÚBLICA

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