TUMORES A EXTIRPAR

01-05-2004
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TUMORES A EXTIRPAR

Por José Adelino Maltez

maltez@netcabo.pt

O Governo de Durão Barroso e Paulo Portas acabou de sofrer a queda da sua ponte de Entre-os-Rios. Não foram as diluvianas águas da invernia, minando as fundações de uma centenária ponte com nome de um Presidente do Conselho do rotativismo, mas antes as tórridas temperaturas de um Verão angustiante tornando a floresta num inferno e devastando casas e aldeias. Julgo que, desta, não há nenhum Jorge Coelho pedindo a demissão para que a culpa não morra solteira.

É evidente que não pedimos a cabeça do senhor Ministro da Administração Interna só porque o mesmo tutela os bombeiros e a terapêutica destes mostrou-se impotente perante as dimensões do desastre. A questão é bem mais grave, tem a ver com a terapêutica e por isso estranhamos o silêncio do Ministro da Agricultura, que bem poderia apontar as causas do desastre. Ou será que o Prestige se afunda apenas nas costas da Galiza?

Preferimos dizer que este governo é como todos os governos rotativos da nossa pós-revolução. É mais do mesmo! Com uma direita mole a repetir o patético da anterior esquerda mole, ambas mais preocupadas com os jobs for the boys do que com o bem comum, quase reduzido a palavreado demagógico, onde os assessores de imagem dos diversos ministros parecem conseguir sempre o necessário golpe retórico que permite amansar os povos.

Bem pode o presidente Soares falar num tumor a extirpar, pois basta que um alto quadro de uma empresa de refrigerantes, a mesma que ainda há pouco recebeu a visita do Primeiro-Ministro, logo proclame que o dito, se for lancetado, também levará Durão com ele, mergulhando o país numa grave crise política, precisamente na véspera do Euro 2004.

Aliás, com as cenas finais da novela da Universidade Moderna, as parangonas sensacionalistas prometem com a questão da Casa Pia, enquanto a secção portuguesa da Igreja de Roma não emite um comunicado de desenvolvimento das recentes posições papais sobre a homossexualidade, talvez porque o Bloco de Esquerda logo promovesse uma manifestação em torno de alguns altos dignitários do actual sistema que politicamente estão no preciso inverso.

O governo continua firme, bem apoiado pelo partido emergente do semanário O Independente, de um lado, e pela escola de má-língua do jornalismo inventado pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, a partir da Gente do Expresso e de O Semanário. Aliás, é curioso notar que nos começos do século XIX, em plena decadência da viradeira, dois dos pólos do situacionismo de então, eram precisamente um tal Visconde da Anadia, ascendente do patrão da TVI, que o foi de O Independente, e um tal Visconde de Balsemão, ascendente do patrão da SIC e que o ainda a continua a ser do Expresso. Como recentemente me fazia notar um investigador desse momento histórico, o meu amigo Mendo Castro Henriques.

Isto é, dois séculos depois, o mesmo atavismo, as mesmas castas, bem como o eterno problema de organização do trabalho nacional. E tudo se torna bem mais grave quando desaparecem as reais ameaças ao situacionismo, como, até há bem pouco, eram representadas pelo Partido Comunista, quando era agente da URSS.

Por isso é que a cantilena do atlantismo, agora dito transatlântico, soa a algum falsete, porque corremos o risco de passarmos a estimados cooperantes do Senhor Rumsfeld, o mesmo que, no gabinete de Gerald Ford, apoiou Franck Carlucci contra as teses de Kissinger, quanto ao não apoio à resistência anticomunista no Portugal do PREC.

Num governo onde antigos elementos do MRPP da altura conhecem perfeitamente o esquema da actuação da CIA em Portugal no tempo do PREC, seria prudente não transformar a nossa questão estratégica em meras conversas de jornalistas em bares da capital, bem frequentados por agentes estrangeiros que recolhem e difundem informação. Especialmente quando deixaram de ter credibilidade os nossos actuais serviços de informação estratégica.

Os actuais partidos-sistema, tanto à direita como à esquerda, perderam o sentido dos sagrados combates por princípios e as palavras que emitem são como as dos sacristães que perderam o sentido dos gestos. O tumor referido por Mário Soares é bem menos grave do que a hipótese deste situacionismo levar a que uma das estrelas do nosso jet set possa tornar-se candidato à presidência da república, com o apoio dos dois partidos da coligação, por mais tumores que o ex-presidente Soares possa vir a invocar.

Os amigos americanos, se assim poderiam ficar bem mais descansados com esta nova espécie de vacina, que também poderia incluir Manuel Dias Loureiro como Primeiro-Ministro, para se fechar o círculo dos principais protagonistas da queda do cavaquismo, lá veriam este jardim da Europa à beira-mar plantado, ser um seguro aliado para onde se poderiam continuar o envio da ajuda marroquina. Mas Portugal entraria definitivamente na galeria dos Estados Exíguos, apesar de se reforçar o estadão de alguns ministros e de, eventualmente, ser criada uma espécie de Fundação do Ocidente com novos dinheiros do jogo de Stanley Ho e para a qual até poderiam ser convidados muitos dos curadores da antiga Fundação do Ocidente, dispostos a servirem Santana e Portas.

Enquanto isto, o principal partido da oposição, quase tão preso quanto o deputado Paulo Pedroso, espera ansioso que se resolva a alternativa que vai de um clamoroso erro judiciário com cabala, ao preciso oposto de uma culpabilidade, quando o sistema governamental deixou de ter voz quanto à política de justiça e os especialistas na intriga, em vez de solidarizarem humanamente com a ministra, fazem o jogo das pré-remodelações. E daqui desejo à Celeste, que tanto tenho criticado, o meu sincero desejo de rápidas melhoras e de regresso em força!

Não falta até que, na guerra entre magistrados e advogados, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura mande piadas polémicas de mau-gosto a propósito do passado político do bastonário da Ordem dos Advogados, que tem, pelo menos, a legitimidade de ter sido uma vítima de um não-Estado de Direito. Será que poderão ser divulgadas as fichas de militância antidemocrática, revolucionária ou contra-revolucionárias, dos magistrados judiciais e do Ministério Público agora protagonistas dos principais processos?

A opinião pública, depois de meio século de preconceito da ordem, de alguma balbúrdia revolucionarista e de muito devorismo pós-revolucionário, talvez já não siga os ditames tanto dos velhos marechais da democracia como das senatoriais figuras tutelares do Estado a que chegámos. Mas os partidos de O Independente e do Semanário, que estão no poder, não podem ter a ilusão que a manipulação passou para as novas governantas do sistema.

O maquiavelismo, além de uma péssima moral, é também uma péssima política. Parecendo vencer no curto-prazo, acaba por também ser uma péssima política, porque perde a aparente razão logo que desapareça a breve interrupção do vazio de política, quando os povos, aparentemente anestesiados, recobram a normalidade e descobrem todos meandros das pressões ocultas dos vários neo-corporativismos que estão a transformar a democracia numa democratura.

Podem não funcionar os necessários serviços de informação estratégica. Podem mostrar-se ufanos os membros do grande “lobby” que vai babando coisas que as instituições militares e eclesiásticas detestam. Mas quando a velha nobreza, da função militar, e o velho clero da função moral, se voltarem a aliar ao povo, todos, em cortes gerais, poderemos regenerar um tecido político onde já não há apenas fumos de corrupção, mas desavergonhadas manifestações do periscópio dos submarinos da pressão oculta.

Portugal necessita de recobrar um novo ânimo de defesa e segurança nacionais que seja capaz de ultrapassar esotéricos conceitos ditos estratégicos e burocráticos planos de emergência. A soberania sempre foi a decisão em momentos de excepção onde possamos todos dizer que o rei vai nu e acabar com a história do velho, do rapaz e do burro. Em vez de se extirparem tumores, talvez seja mais fácil recordar a história do ovo de Colombo.

TUMORES A EXTIRPAR

Por José Adelino Maltez

maltez@netcabo.pt

O Governo de Durão Barroso e Paulo Portas acabou de sofrer a queda da sua ponte de Entre-os-Rios. Não foram as diluvianas águas da invernia, minando as fundações de uma centenária ponte com nome de um Presidente do Conselho do rotativismo, mas antes as tórridas temperaturas de um Verão angustiante tornando a floresta num inferno e devastando casas e aldeias. Julgo que, desta, não há nenhum Jorge Coelho pedindo a demissão para que a culpa não morra solteira.

É evidente que não pedimos a cabeça do senhor Ministro da Administração Interna só porque o mesmo tutela os bombeiros e a terapêutica destes mostrou-se impotente perante as dimensões do desastre. A questão é bem mais grave, tem a ver com a terapêutica e por isso estranhamos o silêncio do Ministro da Agricultura, que bem poderia apontar as causas do desastre. Ou será que o Prestige se afunda apenas nas costas da Galiza?

Preferimos dizer que este governo é como todos os governos rotativos da nossa pós-revolução. É mais do mesmo! Com uma direita mole a repetir o patético da anterior esquerda mole, ambas mais preocupadas com os jobs for the boys do que com o bem comum, quase reduzido a palavreado demagógico, onde os assessores de imagem dos diversos ministros parecem conseguir sempre o necessário golpe retórico que permite amansar os povos.

Bem pode o presidente Soares falar num tumor a extirpar, pois basta que um alto quadro de uma empresa de refrigerantes, a mesma que ainda há pouco recebeu a visita do Primeiro-Ministro, logo proclame que o dito, se for lancetado, também levará Durão com ele, mergulhando o país numa grave crise política, precisamente na véspera do Euro 2004.

Aliás, com as cenas finais da novela da Universidade Moderna, as parangonas sensacionalistas prometem com a questão da Casa Pia, enquanto a secção portuguesa da Igreja de Roma não emite um comunicado de desenvolvimento das recentes posições papais sobre a homossexualidade, talvez porque o Bloco de Esquerda logo promovesse uma manifestação em torno de alguns altos dignitários do actual sistema que politicamente estão no preciso inverso.

O governo continua firme, bem apoiado pelo partido emergente do semanário O Independente, de um lado, e pela escola de má-língua do jornalismo inventado pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, a partir da Gente do Expresso e de O Semanário. Aliás, é curioso notar que nos começos do século XIX, em plena decadência da viradeira, dois dos pólos do situacionismo de então, eram precisamente um tal Visconde da Anadia, ascendente do patrão da TVI, que o foi de O Independente, e um tal Visconde de Balsemão, ascendente do patrão da SIC e que o ainda a continua a ser do Expresso. Como recentemente me fazia notar um investigador desse momento histórico, o meu amigo Mendo Castro Henriques.

Isto é, dois séculos depois, o mesmo atavismo, as mesmas castas, bem como o eterno problema de organização do trabalho nacional. E tudo se torna bem mais grave quando desaparecem as reais ameaças ao situacionismo, como, até há bem pouco, eram representadas pelo Partido Comunista, quando era agente da URSS.

Por isso é que a cantilena do atlantismo, agora dito transatlântico, soa a algum falsete, porque corremos o risco de passarmos a estimados cooperantes do Senhor Rumsfeld, o mesmo que, no gabinete de Gerald Ford, apoiou Franck Carlucci contra as teses de Kissinger, quanto ao não apoio à resistência anticomunista no Portugal do PREC.

Num governo onde antigos elementos do MRPP da altura conhecem perfeitamente o esquema da actuação da CIA em Portugal no tempo do PREC, seria prudente não transformar a nossa questão estratégica em meras conversas de jornalistas em bares da capital, bem frequentados por agentes estrangeiros que recolhem e difundem informação. Especialmente quando deixaram de ter credibilidade os nossos actuais serviços de informação estratégica.

Os actuais partidos-sistema, tanto à direita como à esquerda, perderam o sentido dos sagrados combates por princípios e as palavras que emitem são como as dos sacristães que perderam o sentido dos gestos. O tumor referido por Mário Soares é bem menos grave do que a hipótese deste situacionismo levar a que uma das estrelas do nosso jet set possa tornar-se candidato à presidência da república, com o apoio dos dois partidos da coligação, por mais tumores que o ex-presidente Soares possa vir a invocar.

Os amigos americanos, se assim poderiam ficar bem mais descansados com esta nova espécie de vacina, que também poderia incluir Manuel Dias Loureiro como Primeiro-Ministro, para se fechar o círculo dos principais protagonistas da queda do cavaquismo, lá veriam este jardim da Europa à beira-mar plantado, ser um seguro aliado para onde se poderiam continuar o envio da ajuda marroquina. Mas Portugal entraria definitivamente na galeria dos Estados Exíguos, apesar de se reforçar o estadão de alguns ministros e de, eventualmente, ser criada uma espécie de Fundação do Ocidente com novos dinheiros do jogo de Stanley Ho e para a qual até poderiam ser convidados muitos dos curadores da antiga Fundação do Ocidente, dispostos a servirem Santana e Portas.

Enquanto isto, o principal partido da oposição, quase tão preso quanto o deputado Paulo Pedroso, espera ansioso que se resolva a alternativa que vai de um clamoroso erro judiciário com cabala, ao preciso oposto de uma culpabilidade, quando o sistema governamental deixou de ter voz quanto à política de justiça e os especialistas na intriga, em vez de solidarizarem humanamente com a ministra, fazem o jogo das pré-remodelações. E daqui desejo à Celeste, que tanto tenho criticado, o meu sincero desejo de rápidas melhoras e de regresso em força!

Não falta até que, na guerra entre magistrados e advogados, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura mande piadas polémicas de mau-gosto a propósito do passado político do bastonário da Ordem dos Advogados, que tem, pelo menos, a legitimidade de ter sido uma vítima de um não-Estado de Direito. Será que poderão ser divulgadas as fichas de militância antidemocrática, revolucionária ou contra-revolucionárias, dos magistrados judiciais e do Ministério Público agora protagonistas dos principais processos?

A opinião pública, depois de meio século de preconceito da ordem, de alguma balbúrdia revolucionarista e de muito devorismo pós-revolucionário, talvez já não siga os ditames tanto dos velhos marechais da democracia como das senatoriais figuras tutelares do Estado a que chegámos. Mas os partidos de O Independente e do Semanário, que estão no poder, não podem ter a ilusão que a manipulação passou para as novas governantas do sistema.

O maquiavelismo, além de uma péssima moral, é também uma péssima política. Parecendo vencer no curto-prazo, acaba por também ser uma péssima política, porque perde a aparente razão logo que desapareça a breve interrupção do vazio de política, quando os povos, aparentemente anestesiados, recobram a normalidade e descobrem todos meandros das pressões ocultas dos vários neo-corporativismos que estão a transformar a democracia numa democratura.

Podem não funcionar os necessários serviços de informação estratégica. Podem mostrar-se ufanos os membros do grande “lobby” que vai babando coisas que as instituições militares e eclesiásticas detestam. Mas quando a velha nobreza, da função militar, e o velho clero da função moral, se voltarem a aliar ao povo, todos, em cortes gerais, poderemos regenerar um tecido político onde já não há apenas fumos de corrupção, mas desavergonhadas manifestações do periscópio dos submarinos da pressão oculta.

Portugal necessita de recobrar um novo ânimo de defesa e segurança nacionais que seja capaz de ultrapassar esotéricos conceitos ditos estratégicos e burocráticos planos de emergência. A soberania sempre foi a decisão em momentos de excepção onde possamos todos dizer que o rei vai nu e acabar com a história do velho, do rapaz e do burro. Em vez de se extirparem tumores, talvez seja mais fácil recordar a história do ovo de Colombo.

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