O dia de Carvalho da Silva: Viagem pelo Portugal dos piquetes

17-12-2002
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O Dia de Carvalho da Silva: Viagem pelo Portugal dos Piquetes

Por NUNO SÁ LOURENÇO

Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2002

Secretário-geral da CGTP dormiu duas horas e meia, visitou quatro piquetes e discursou no Rossio

"Então não se tira 'ticket' [da portagem], não é, Manel?", perguntou o condutor da carrinha ao secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva. "Não. Anda! Eles estão em greve", disparou Carvalho da Silva. O episódio ocorrido nas portagens da A2, onde a adesão chegou aos 100 por cento, foi apenas mais um momento de um líder sindical à solta pela cintura operária de Lisboa. Ontem, a capital do país parecia o quintal de Carvalho da Silva. Não pagou portagens, conduziu literalmente a sua própria CGTP à porta da AutoEuropa e teve a imprensa estrangeira avidamente atrás dos seus passos.

A predominância de Carvalho da Silva manteve-se uma constante ao longo da viagem ao Portugal dos piquetes. Foi o secretário-geral a resolver os problemas de uma organização algo amadora, que conseguiu até perder-se a caminho da fábrica de automóveis AutoEuropa. "Eu para conhecer a península de Setúbal tenho muito tempo, eu quero é andar na greve!", disse ao telefone o líder da CGTP para o guia de serviço, já depois de este ter falhado a saída da auto-estrada. O mesmo que não conseguiu dar com a entrada onde estava o piquete. Ao terceiro portão falhado, Carvalho da Silva achou por bem substituir o condutor. "Uma desgraça", desabafou o líder da CGTP quando finalmente se juntou aos delegados.

Os números da adesão nas instalações da Volkswagen "compensaram" o tempo perdido. Mais de 85 por cento de adesão resultara na completa paralisação da fábrica. Carvalho da Silva estava ali, portanto, para se solidarizar com "uma das unidades mais produtivas do país", responsável por nove por cento das exportações portuguesas. "Espectacular", comentou o secretário-geral mais tarde entre jornalistas. Por esta altura, já não dispensava a companhia dos jornalistas. Partilhava a carrinha, servia de central de dados, telefonando a todos os distritos para depois distribuir os números, lembrava peripécias da preparação da greve. O à-vontade era total: "O guarda-redes do Braga era para ter participado no nosso tempo de antena, mas entrou em estágio e já não conseguimos." Até as notícias da contra-informação o faziam gracejar. Como quando ouviu a nota editorial da Rádio Renascença que criticava abertamente a greve geral. "Isso é o Diácono Remédios", disparou.

A margem sul foi o corolário de uma peregrinação que começou com uma madrugada de números prometedores na Pontinha. No parque da Carris, às seis da manhã, o secretário-geral contabilizou "só dois autocarros e um eléctrico na rua". Números parecidos com os que recebeu na estação de Metro local, onde José Luís Santos lhe disse que nenhuma das 40 composições do metro que deviam já estar a circular tinham ainda saído.

Carvalho da Silva regressou à sede da CGTP durante a tarde. Depois da manifestação no Rossio, apresentou aí os resultados da greve. Antes do dia terminar, teve de passar pela RTP para ser entrevistado. Só então acabou um dia iniciado às dez da noite anterior, com duas horas e meia de sono, umas quantas centenas de quilómetros a acrescentar aos 70 mil que o sindicalista faz pelo país todos os anos e a certeza de mais trabalho para hoje. Uma entrevista, uma reunião na sede, em Lisboa, e uma conferência na Universidade do Minho.

As frases

"A Manuela Ferreira Leite quando for para a reforma levará qualquer coisa como mais de 700 contos por mês. Ela que dê o exemplo aos trabalhadores portugueses e prescinda desse dinheiro na sua reforma."

Olivais, no centro de recolha do lixo

"As críticas à greve geral mais não são que uma tentativa de fazer despertar o bicho papão do comunismo que, curiosamente, eles dizem que já está morto."

Pontinha, no parque da Carris

"A produção parou totalmente. Isto há cinco anos era impensável."

Palmela, AutoEuropa

"Falar agora de outra greve seria simplista. Os trabalhadores não são carne para canhão."

Lisboa, sede da CGTP

O Dia de Carvalho da Silva: Viagem pelo Portugal dos Piquetes

Por NUNO SÁ LOURENÇO

Quarta-feira, 11 de Dezembro de 2002

Secretário-geral da CGTP dormiu duas horas e meia, visitou quatro piquetes e discursou no Rossio

"Então não se tira 'ticket' [da portagem], não é, Manel?", perguntou o condutor da carrinha ao secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva. "Não. Anda! Eles estão em greve", disparou Carvalho da Silva. O episódio ocorrido nas portagens da A2, onde a adesão chegou aos 100 por cento, foi apenas mais um momento de um líder sindical à solta pela cintura operária de Lisboa. Ontem, a capital do país parecia o quintal de Carvalho da Silva. Não pagou portagens, conduziu literalmente a sua própria CGTP à porta da AutoEuropa e teve a imprensa estrangeira avidamente atrás dos seus passos.

A predominância de Carvalho da Silva manteve-se uma constante ao longo da viagem ao Portugal dos piquetes. Foi o secretário-geral a resolver os problemas de uma organização algo amadora, que conseguiu até perder-se a caminho da fábrica de automóveis AutoEuropa. "Eu para conhecer a península de Setúbal tenho muito tempo, eu quero é andar na greve!", disse ao telefone o líder da CGTP para o guia de serviço, já depois de este ter falhado a saída da auto-estrada. O mesmo que não conseguiu dar com a entrada onde estava o piquete. Ao terceiro portão falhado, Carvalho da Silva achou por bem substituir o condutor. "Uma desgraça", desabafou o líder da CGTP quando finalmente se juntou aos delegados.

Os números da adesão nas instalações da Volkswagen "compensaram" o tempo perdido. Mais de 85 por cento de adesão resultara na completa paralisação da fábrica. Carvalho da Silva estava ali, portanto, para se solidarizar com "uma das unidades mais produtivas do país", responsável por nove por cento das exportações portuguesas. "Espectacular", comentou o secretário-geral mais tarde entre jornalistas. Por esta altura, já não dispensava a companhia dos jornalistas. Partilhava a carrinha, servia de central de dados, telefonando a todos os distritos para depois distribuir os números, lembrava peripécias da preparação da greve. O à-vontade era total: "O guarda-redes do Braga era para ter participado no nosso tempo de antena, mas entrou em estágio e já não conseguimos." Até as notícias da contra-informação o faziam gracejar. Como quando ouviu a nota editorial da Rádio Renascença que criticava abertamente a greve geral. "Isso é o Diácono Remédios", disparou.

A margem sul foi o corolário de uma peregrinação que começou com uma madrugada de números prometedores na Pontinha. No parque da Carris, às seis da manhã, o secretário-geral contabilizou "só dois autocarros e um eléctrico na rua". Números parecidos com os que recebeu na estação de Metro local, onde José Luís Santos lhe disse que nenhuma das 40 composições do metro que deviam já estar a circular tinham ainda saído.

Carvalho da Silva regressou à sede da CGTP durante a tarde. Depois da manifestação no Rossio, apresentou aí os resultados da greve. Antes do dia terminar, teve de passar pela RTP para ser entrevistado. Só então acabou um dia iniciado às dez da noite anterior, com duas horas e meia de sono, umas quantas centenas de quilómetros a acrescentar aos 70 mil que o sindicalista faz pelo país todos os anos e a certeza de mais trabalho para hoje. Uma entrevista, uma reunião na sede, em Lisboa, e uma conferência na Universidade do Minho.

As frases

"A Manuela Ferreira Leite quando for para a reforma levará qualquer coisa como mais de 700 contos por mês. Ela que dê o exemplo aos trabalhadores portugueses e prescinda desse dinheiro na sua reforma."

Olivais, no centro de recolha do lixo

"As críticas à greve geral mais não são que uma tentativa de fazer despertar o bicho papão do comunismo que, curiosamente, eles dizem que já está morto."

Pontinha, no parque da Carris

"A produção parou totalmente. Isto há cinco anos era impensável."

Palmela, AutoEuropa

"Falar agora de outra greve seria simplista. Os trabalhadores não são carne para canhão."

Lisboa, sede da CGTP

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