Soares ao pé das letras

27-07-2003
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Soares ao Pé das Letras

Sábado, 05 de Julho de 2003

%Carlos Câmara Leme

Na sua habitual crónica dominical ( http://www.mensagens.pt ), de 22/6/2000, Mário Mesquita (M.M.) já disse tudo (ou quase) sobre "Incursões Literárias", o mais recente livro de Mário Soares.

Certeiramente, M.M. chama a atenção para a "analogia monárquica [incursão], proveniente de um autor que se reivindica do republicanismo e inserida num livro em que quase todos os títulos remetem para uma certa retórica". Depois, agudamente, a propósito de José Rodrigues Miguéis nota como aquilo que Soares escreve sobre o autor de "Uma Páscoa Feliz" podia, mas ao inverso, ser aplicado a quem o escreve: "[J.R.M.] poderia ter sido um grande político, que não foi; mas foi mais do que isso: um grande escritor" (pág., 142).

No percurso político de Mário Soares pressentiu-se sempre quanto ele estava ao pé das letras. Não se vislumbrava, porém, um homem que com desassombro reconheça, como o fez na entrevista que deu ao PÚBLICO (ver edição de 16/6), a sua frustração por nunca ter conseguido escrever um romance (apesar de várias tentativas), que nunca tenha entrado nesse "território estranho, mas amado a literatura". Agora, o que quer cumprir são os quatro volumes de "O Tempo Em Que Eu Vivi". Mais tarde, se tiver tempo poderá escrever um livro de histórias. Ficamos à espera.

Mas será que "Incursões Literárias" - e nesta apreciação afasto-me de M.M. - é um documento cultural e/ou literário incontornável? - como o é, com as devidas diferenças, "Portugal Amordaçado" para a História contemporânea portuguesa. Modestamente, para utilizar as palavras de Soares, não. Há retratos de corpo inteiro: Miguéis, Manuel Mendes (a viagem ao Douro é saborosa q.b.; o mesmo se diga quando fala de Natália Correia) e Piteira Santos. Há depoimentos de circunstância que não adiantam nada ao que já se sabe: a desenvoltura de Soares, o à vontade com que conta uma história e acrescenta um ponto ao conto. Há textos de recorte mais elaborado (o mais significativo de todos é sobre Almeida Garrett, onde Soares revela a sua veia histórico-política).

Depois, há ausências: a que pode suscitar maior perplexidade é a inexistência de um texto sobre Carlos de Oliveira - embora o livro seja um apanhado de discursos de circunstância. E talvez porque uma boa parte deles sejam respigados da sua passagem pela Presidência da República, Soares, por ele, já teria atribuído três prémios Nobel a outros tantos escritores portugueses...

O leitor perguntará: "Incursões Literárias" deve ser remetido para a estante? Ignorado? Nem uma coisa nem outra. Ao longo das 291 páginas, encontrará, aqui e acolá, motivos suficientes para ler com prazer o livro. E constatar aquela que é a sua surpresa maior: a mão de crítico literário que Soares também podia ter explorado, quando escreve sobre "Alma", de Manuel Alegre, mas, muito agudamente, no texto sobre Álvaro Guerra, à volta de "No Jardim das Paixões Extintas".

Soares ao Pé das Letras

Sábado, 05 de Julho de 2003

%Carlos Câmara Leme

Na sua habitual crónica dominical ( http://www.mensagens.pt ), de 22/6/2000, Mário Mesquita (M.M.) já disse tudo (ou quase) sobre "Incursões Literárias", o mais recente livro de Mário Soares.

Certeiramente, M.M. chama a atenção para a "analogia monárquica [incursão], proveniente de um autor que se reivindica do republicanismo e inserida num livro em que quase todos os títulos remetem para uma certa retórica". Depois, agudamente, a propósito de José Rodrigues Miguéis nota como aquilo que Soares escreve sobre o autor de "Uma Páscoa Feliz" podia, mas ao inverso, ser aplicado a quem o escreve: "[J.R.M.] poderia ter sido um grande político, que não foi; mas foi mais do que isso: um grande escritor" (pág., 142).

No percurso político de Mário Soares pressentiu-se sempre quanto ele estava ao pé das letras. Não se vislumbrava, porém, um homem que com desassombro reconheça, como o fez na entrevista que deu ao PÚBLICO (ver edição de 16/6), a sua frustração por nunca ter conseguido escrever um romance (apesar de várias tentativas), que nunca tenha entrado nesse "território estranho, mas amado a literatura". Agora, o que quer cumprir são os quatro volumes de "O Tempo Em Que Eu Vivi". Mais tarde, se tiver tempo poderá escrever um livro de histórias. Ficamos à espera.

Mas será que "Incursões Literárias" - e nesta apreciação afasto-me de M.M. - é um documento cultural e/ou literário incontornável? - como o é, com as devidas diferenças, "Portugal Amordaçado" para a História contemporânea portuguesa. Modestamente, para utilizar as palavras de Soares, não. Há retratos de corpo inteiro: Miguéis, Manuel Mendes (a viagem ao Douro é saborosa q.b.; o mesmo se diga quando fala de Natália Correia) e Piteira Santos. Há depoimentos de circunstância que não adiantam nada ao que já se sabe: a desenvoltura de Soares, o à vontade com que conta uma história e acrescenta um ponto ao conto. Há textos de recorte mais elaborado (o mais significativo de todos é sobre Almeida Garrett, onde Soares revela a sua veia histórico-política).

Depois, há ausências: a que pode suscitar maior perplexidade é a inexistência de um texto sobre Carlos de Oliveira - embora o livro seja um apanhado de discursos de circunstância. E talvez porque uma boa parte deles sejam respigados da sua passagem pela Presidência da República, Soares, por ele, já teria atribuído três prémios Nobel a outros tantos escritores portugueses...

O leitor perguntará: "Incursões Literárias" deve ser remetido para a estante? Ignorado? Nem uma coisa nem outra. Ao longo das 291 páginas, encontrará, aqui e acolá, motivos suficientes para ler com prazer o livro. E constatar aquela que é a sua surpresa maior: a mão de crítico literário que Soares também podia ter explorado, quando escreve sobre "Alma", de Manuel Alegre, mas, muito agudamente, no texto sobre Álvaro Guerra, à volta de "No Jardim das Paixões Extintas".

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