Suplemento Mil Folhas

06-01-2003
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2002

Sábado, 04 de Janeiro de 2003

%Eduardo Prado Coelho

O mais provável quando se faz um balanço é cair. Mas há diversas formas de cair: a mais inevitável é a da enumeração indiferenciadora, quando a gente despeja a estante directamente no computador. E o pior é que há uma regra a que não conseguimos escapar, o fatal axioma que rege todas as enumerações: não só há imensos livros que estão a mais, como os que seriam mais importantes são muitas vezes esquecidos. É o efeito da carta roubada de Poe: o que está mais à vista não se vê facilmente. Dito isto, que enuncia todas as armadilhas que nos esperam, avancemos para esse exercício que apenas é útil por funcionar como um arquivo recapitulador do (mais ou menos) essencial.

Mas para que o essencial fique mesmo dito logo de entrada e o resto do texto disponível para a prática mais que provável do erro, digamos que os dois livros mais importantes de 2002 são, do meu ponto de vista, duas obras de poesia: entre os textos inéditos, um dos mais belos livros de poesia amorosa que se escreveram desde há muito em língua portuguesa: "Duende" de António Franco Alexandre. Mas creio que se deve acrescentar a recolha importante da obra de um autor excepcional publicada este ano: Luís Miguel Nava, "Poesia Completa - 79-94".

Donde, poesia, Franco Alexandre, Nava. Mas também há a prosa de ficção, e aí temos para já o reencontro com o Nobel português. "O Homem Duplicado" de Saramago. E depois: a comemoração dos 50 anos de actividade literária de Urbano Tavares Rodrigues (que nesta ocasião publicou "Nunca Diremos quem Sois"). Lídia Jorge deu-nos um dos seus mais ambiciosos e mais conseguidos romances: "O Vento assobiando nas Gruas". Inês Pedrosa foi protagonista de uma espécie de conto de fadas editorial com "Fazes-me Falta". O êxito foi tão grande que alguns nem souberam ver a inegável qualidade sob o fogo-de-artifício. E dois dos "meus" autores publicaram livros que confirmaram plenamente o que sobre eles tinha escrito: Mafalda Ivo Cruz com "O Rapaz de Botticelli" e José Luís Peixoto com "Uma Casa na Escuridão".

Entre as obras que correm o risco de passar injustamente despercebidas temos "Onde Estás?" de Fátima Rolo Duarte. Apareceu ainda o derradeiro livro de Álvaro Guerra, "No Jardim das Paixões Extintas", e "No Interior da Tua Ausência" de Baptista Bastos (ainda não li nenhum deles). Assinalemos "O Enigma de Zulmira" de Vasco Graça Moura (mas o Vasco lançou novas edições das suas obras poéticas, que aprecio muitíssimo mais, e uma excepcional tradução dos sonetos de Shakespeare), ou "Amor" de António Mega Ferreira . Evoque-se "O Mar por cima" de Possidónio Cachapa (excessivo em tudo para meu gosto), "Coisas que não Se Dizem" de Maria Eduarda Colares, "Histórias de Ver e Andar" de Teolinda Gersão, "A Paixão de Ana B." de Maria Manuel Viana, "Máscaras de Amesterdão" de Luís Carmelo, "O Amante do Crato" de Maria Velho da Costa, "Queres Crescer e depois não Cabes na Banheira" de Miguel Castro Caldas ou "Lourenço Marques" de Francisco José Viegas, "A Arma dos Juízes" de Clara Pinto Correia.

Extremamente útil é a antologia do conto português de João de Melo. Maria Gabriela Llansol regressa com um desses livros desconcertantemente inclassificáveis mas sempre aliciantes, "O Senhor de Herbais". Tenho na mesa ao lado da secretária, no lote de leituras futuras, "Intimações da Morte" de Ana Teresa Pereira (que tem escrito ao longo do ano, juntamente com Clara Ferreira Alves, Alexandra Lucas Coelho ou Inês Pedrosa, algumas das mais belas crónicas da imprensa portuguesa), "O Mal" de Paulo José Miranda, "Arte de Marear" e "Cão como Nós" de Manuel Alegre e "Onde Está o J?" de Julieta Monginho. Sublinhemos ainda o excelente trabalho de Luísa Costa Gomes com a revista "Ficções".

Passemos para o campo da poesia. Para além dos títulos já indicados, tivemos um belíssimo "Fábulas" de Fiama Hasse Pais Brandão, a polémica revelação de Gonçalo M. Tavares com "Investigações. Novalis" (a que se juntaram as prosas "lógicas" de "O Senhor Valery" e os discursos teatrais de "Um Homem ou É Tonto ou É Mulher"), a passagem para a poesia de primeiro plano de Bernardo Pinto de Almeida (com "E Outros Poemas" e "Depois que tudo Recebeu o Nome de Luz ou de Noite") e a afirmação indiscutível de Manuel de Freitas com "Game Over" e "Sic" e um autor que tem vindo a desenvolver uma obra poética de grande originalidade: Jaime Rocha com "Zona de Caça". Assinalemos ainda "O Preço das Casas" de Joaquim Cardoso Dias (estreia positiva, que apenas precisa de se emancipar dos seus muito explícitos "mestres"). "Novas Razões" de José Ricardo Nunes, "Ulisses já não Mora aqui" de José Miguel Silva e os livros de autores consagrados como "Rua de Portugal" de Gastão Cruz, "Imagias" de Ana Luísa Amaral, "A Mulher-a-Dias" de Adília Lopes, as "Obras Poéticas" em que se reúne toda a produção de João Rui de Sousa, "Os Volúveis Diademas" de Ramos Rosa, "Libertação da Peste" de António Osório ou "Museu das Janelas Verdes" de João Miguel Fernandes Jorge.

Tenho entre obras de próxima leitura "Lágrima" de Helder Moura Pereira, "Lições de Trevas" de Fernando Guimarães e as traduções de Paul Auster (que é acima de tudo um notável poeta) e de Walt Whitman (de quem acaba de sair, em dois volumes, "Folhas de Erva", numa tradução de Maria de Lourdes Guimarães).

No domínio das revistas dedicadas a autores, a "Colóquio-Letras" teve um excelente número sobre João Cabral de Melo Neto, a "Inimigo Rumor" ocupou-se de Carlos Drummond de Andrade e "Relâmpago" de Carlos de Oliveira e Sophia de Mello Breyner. Verifica-se que o intercâmbio entre autores portugueses e autores brasileiros se tem vindo a desenvolver com resultados extremamente interessantes.

A área do ensaio é de tal modo diversificada que qualquer escolha só pode ser enviesada e corresponder muito explicitamente aos meus interesses pessoais. Se a reflexão de tipo filosófico ou literária é escassa ou decepcionante, temos no terreno da história cultural, das artes visuais ou da sociologia uma produção bastante exuberante e de qualidade que merece ser sublinhada. No campo da análise puramente literária, não podemos deixar de colocar em primeiro plano esse verdadeiro monumento que é "Os Romances de António Lobo Antunes" de Maria Alzira Seixo. E temos ainda o projecto forçosamente desequilibrado, mas obviamente interessante, de Oswaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra com "Século de Ouro - Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX". Já nos últimos dias deste ano chegou-nos "O Poço de Babel" de João Barrento. E continuo à espera de ler os textos em prosa de Ruy Belo.

As artes visuais estão certamente mais bem servidas em termos de quantidade. Bernardo Pinto de Almeida publicou um conjunto de importantes análises intitulado "As Imagens e as Coisas". Carlos Vidal desenvolve uma reflexão de tipo ostensivamente filosófico com "As Representações da Vanguarda". Paulo Varela Gomes escreveu o que ele próprio considera, na revista "Os Meus Livros", como o mais importante estudo de história de arte publicado em Portugal desde há vários anos (é ele quem o afirma, mas eu, que não li, acredito). Alexandre Melo relê a arte pop na colecção Berardo, tal como João Miguel Fernandes Jorge, em textos fulgurantes, faz a sua própria escolha nessa colecção ("Territórios singulares"). No domínio da música (que tenho grande dificuldade em acompanhar), António Pinho Vargas publicou "Sobre música".

A arquitectura é objecto de uma introdução problematizante e filosófica com Maria João Madeira Rodrigues. Pedro Lapa escreve sobre Julião Sarmento a propósito da exposição deste no Museu do Chiado. Jorge Silva Melo dá-nos a sua abordagem muito bela e subjectiva da relação com o teatro e o mundo em "Deixar a Vida". Júlio Pomar reflecte e volta a reflectir sobre a pintura de hoje e algumas rupturas de ontem em "E então a Pintura?". Nuno Grande propõe um percurso fascinante sobre o tema da cidade com "O Verdadeiro Mapa do Universo".

No campo sociológico, para além do conjunto impressionante de trabalhos de Boaventura de Sousa Santos e dos seus colaboradores sobre a globalização, tivemos os excelentes ensaios de António Barreto intitulados "Tempo de Incerteza", a perspectiva liberta e sensível de Miguel Portas com "E o Resto É Paisagem", os apontamentos programáticos de João Teixeira Lopes sobre "As Novas Questões de Sociologia Urbana", os inquéritos de Anália Torres sobre o casamento em Portugal e os de Firmino da Costa sobre os públicos da ciência. Mais perto da intervenção política Mário Soares prossegue na tentativa corajosa de uma redefinição da esquerda com "Porto Alegre e Nova Iorque: Um Mundo Dividido?" e Seixas da Costa deu-nos uma reflexão original oculta num título banal: "Democracia Europeia". José Fernandes Fafe (que também publicou o romance "Os Paradoxos do Actor") traça o seu percurso pessoal em conversas com António Silva. E Margarida Santos Lopes reúne uma informação enciclopédica e oportuna com "Dicionário do Islão".

No campo da história e crítica cultural, tivemos uma síntese muito útil de Isabel Ferin ("Comunicação e Culturas do Quotidiano"), uma análise de tipo mais histórico com "A Ideia de Justiça em Antero de Quental" de Maria João Cabrita, a informada e estimulante provocação de Alexandre Melo em "Que É a Globalização Cultural?", o colóquio organizado por Bragança de Miranda e Teresa Cruz, "Crítica das Ligações na Era da Técnica", ou a antologia crítica do feminismo contemporâneo, com textos fundamentais de difícil acesso, de Ana Gabriela Macedo.

Numa área próxima da reflexão filosófica (onde se produz escandalosamente pouco entre nós), temos o muito interessante estudo "Dos Sistemas Centrados aos Sistemas Acentrados" de António Machuco Rosa e uma colectânea de estudos de pedagogia que ultrapassa em muito os lugares-comuns habituais neste domínio: "A Escola, a Recta e o Círculo" de Olga Pombo. Nélson Traquina procura encontrar a especificidade do jornalismo e José Rodrigues dos Santos reflecte sobre "A Verdade da Guerra". Anuncia-se ainda "Músicas da Consciência" de Luís Carmelo, com um prefácio de Damásio. E Moisés Lemos Martins escreveu sobre "A Linguagem, a Verdade e o Poder".

Revistas? Gostaria de citar o projecto que mais me interessou: "Construções Portuárias", com coordenação de António Cabrita. Esperemos que prossiga, assim como a recém-criada revista que Miguel Portas coordena: "Manifesto".

Resta tudo aquilo de que não falei - em parte por acaso, em parte por desinteresse.

2002

Sábado, 04 de Janeiro de 2003

%Eduardo Prado Coelho

O mais provável quando se faz um balanço é cair. Mas há diversas formas de cair: a mais inevitável é a da enumeração indiferenciadora, quando a gente despeja a estante directamente no computador. E o pior é que há uma regra a que não conseguimos escapar, o fatal axioma que rege todas as enumerações: não só há imensos livros que estão a mais, como os que seriam mais importantes são muitas vezes esquecidos. É o efeito da carta roubada de Poe: o que está mais à vista não se vê facilmente. Dito isto, que enuncia todas as armadilhas que nos esperam, avancemos para esse exercício que apenas é útil por funcionar como um arquivo recapitulador do (mais ou menos) essencial.

Mas para que o essencial fique mesmo dito logo de entrada e o resto do texto disponível para a prática mais que provável do erro, digamos que os dois livros mais importantes de 2002 são, do meu ponto de vista, duas obras de poesia: entre os textos inéditos, um dos mais belos livros de poesia amorosa que se escreveram desde há muito em língua portuguesa: "Duende" de António Franco Alexandre. Mas creio que se deve acrescentar a recolha importante da obra de um autor excepcional publicada este ano: Luís Miguel Nava, "Poesia Completa - 79-94".

Donde, poesia, Franco Alexandre, Nava. Mas também há a prosa de ficção, e aí temos para já o reencontro com o Nobel português. "O Homem Duplicado" de Saramago. E depois: a comemoração dos 50 anos de actividade literária de Urbano Tavares Rodrigues (que nesta ocasião publicou "Nunca Diremos quem Sois"). Lídia Jorge deu-nos um dos seus mais ambiciosos e mais conseguidos romances: "O Vento assobiando nas Gruas". Inês Pedrosa foi protagonista de uma espécie de conto de fadas editorial com "Fazes-me Falta". O êxito foi tão grande que alguns nem souberam ver a inegável qualidade sob o fogo-de-artifício. E dois dos "meus" autores publicaram livros que confirmaram plenamente o que sobre eles tinha escrito: Mafalda Ivo Cruz com "O Rapaz de Botticelli" e José Luís Peixoto com "Uma Casa na Escuridão".

Entre as obras que correm o risco de passar injustamente despercebidas temos "Onde Estás?" de Fátima Rolo Duarte. Apareceu ainda o derradeiro livro de Álvaro Guerra, "No Jardim das Paixões Extintas", e "No Interior da Tua Ausência" de Baptista Bastos (ainda não li nenhum deles). Assinalemos "O Enigma de Zulmira" de Vasco Graça Moura (mas o Vasco lançou novas edições das suas obras poéticas, que aprecio muitíssimo mais, e uma excepcional tradução dos sonetos de Shakespeare), ou "Amor" de António Mega Ferreira . Evoque-se "O Mar por cima" de Possidónio Cachapa (excessivo em tudo para meu gosto), "Coisas que não Se Dizem" de Maria Eduarda Colares, "Histórias de Ver e Andar" de Teolinda Gersão, "A Paixão de Ana B." de Maria Manuel Viana, "Máscaras de Amesterdão" de Luís Carmelo, "O Amante do Crato" de Maria Velho da Costa, "Queres Crescer e depois não Cabes na Banheira" de Miguel Castro Caldas ou "Lourenço Marques" de Francisco José Viegas, "A Arma dos Juízes" de Clara Pinto Correia.

Extremamente útil é a antologia do conto português de João de Melo. Maria Gabriela Llansol regressa com um desses livros desconcertantemente inclassificáveis mas sempre aliciantes, "O Senhor de Herbais". Tenho na mesa ao lado da secretária, no lote de leituras futuras, "Intimações da Morte" de Ana Teresa Pereira (que tem escrito ao longo do ano, juntamente com Clara Ferreira Alves, Alexandra Lucas Coelho ou Inês Pedrosa, algumas das mais belas crónicas da imprensa portuguesa), "O Mal" de Paulo José Miranda, "Arte de Marear" e "Cão como Nós" de Manuel Alegre e "Onde Está o J?" de Julieta Monginho. Sublinhemos ainda o excelente trabalho de Luísa Costa Gomes com a revista "Ficções".

Passemos para o campo da poesia. Para além dos títulos já indicados, tivemos um belíssimo "Fábulas" de Fiama Hasse Pais Brandão, a polémica revelação de Gonçalo M. Tavares com "Investigações. Novalis" (a que se juntaram as prosas "lógicas" de "O Senhor Valery" e os discursos teatrais de "Um Homem ou É Tonto ou É Mulher"), a passagem para a poesia de primeiro plano de Bernardo Pinto de Almeida (com "E Outros Poemas" e "Depois que tudo Recebeu o Nome de Luz ou de Noite") e a afirmação indiscutível de Manuel de Freitas com "Game Over" e "Sic" e um autor que tem vindo a desenvolver uma obra poética de grande originalidade: Jaime Rocha com "Zona de Caça". Assinalemos ainda "O Preço das Casas" de Joaquim Cardoso Dias (estreia positiva, que apenas precisa de se emancipar dos seus muito explícitos "mestres"). "Novas Razões" de José Ricardo Nunes, "Ulisses já não Mora aqui" de José Miguel Silva e os livros de autores consagrados como "Rua de Portugal" de Gastão Cruz, "Imagias" de Ana Luísa Amaral, "A Mulher-a-Dias" de Adília Lopes, as "Obras Poéticas" em que se reúne toda a produção de João Rui de Sousa, "Os Volúveis Diademas" de Ramos Rosa, "Libertação da Peste" de António Osório ou "Museu das Janelas Verdes" de João Miguel Fernandes Jorge.

Tenho entre obras de próxima leitura "Lágrima" de Helder Moura Pereira, "Lições de Trevas" de Fernando Guimarães e as traduções de Paul Auster (que é acima de tudo um notável poeta) e de Walt Whitman (de quem acaba de sair, em dois volumes, "Folhas de Erva", numa tradução de Maria de Lourdes Guimarães).

No domínio das revistas dedicadas a autores, a "Colóquio-Letras" teve um excelente número sobre João Cabral de Melo Neto, a "Inimigo Rumor" ocupou-se de Carlos Drummond de Andrade e "Relâmpago" de Carlos de Oliveira e Sophia de Mello Breyner. Verifica-se que o intercâmbio entre autores portugueses e autores brasileiros se tem vindo a desenvolver com resultados extremamente interessantes.

A área do ensaio é de tal modo diversificada que qualquer escolha só pode ser enviesada e corresponder muito explicitamente aos meus interesses pessoais. Se a reflexão de tipo filosófico ou literária é escassa ou decepcionante, temos no terreno da história cultural, das artes visuais ou da sociologia uma produção bastante exuberante e de qualidade que merece ser sublinhada. No campo da análise puramente literária, não podemos deixar de colocar em primeiro plano esse verdadeiro monumento que é "Os Romances de António Lobo Antunes" de Maria Alzira Seixo. E temos ainda o projecto forçosamente desequilibrado, mas obviamente interessante, de Oswaldo Manuel Silvestre e Pedro Serra com "Século de Ouro - Antologia Crítica da Poesia Portuguesa do Século XX". Já nos últimos dias deste ano chegou-nos "O Poço de Babel" de João Barrento. E continuo à espera de ler os textos em prosa de Ruy Belo.

As artes visuais estão certamente mais bem servidas em termos de quantidade. Bernardo Pinto de Almeida publicou um conjunto de importantes análises intitulado "As Imagens e as Coisas". Carlos Vidal desenvolve uma reflexão de tipo ostensivamente filosófico com "As Representações da Vanguarda". Paulo Varela Gomes escreveu o que ele próprio considera, na revista "Os Meus Livros", como o mais importante estudo de história de arte publicado em Portugal desde há vários anos (é ele quem o afirma, mas eu, que não li, acredito). Alexandre Melo relê a arte pop na colecção Berardo, tal como João Miguel Fernandes Jorge, em textos fulgurantes, faz a sua própria escolha nessa colecção ("Territórios singulares"). No domínio da música (que tenho grande dificuldade em acompanhar), António Pinho Vargas publicou "Sobre música".

A arquitectura é objecto de uma introdução problematizante e filosófica com Maria João Madeira Rodrigues. Pedro Lapa escreve sobre Julião Sarmento a propósito da exposição deste no Museu do Chiado. Jorge Silva Melo dá-nos a sua abordagem muito bela e subjectiva da relação com o teatro e o mundo em "Deixar a Vida". Júlio Pomar reflecte e volta a reflectir sobre a pintura de hoje e algumas rupturas de ontem em "E então a Pintura?". Nuno Grande propõe um percurso fascinante sobre o tema da cidade com "O Verdadeiro Mapa do Universo".

No campo sociológico, para além do conjunto impressionante de trabalhos de Boaventura de Sousa Santos e dos seus colaboradores sobre a globalização, tivemos os excelentes ensaios de António Barreto intitulados "Tempo de Incerteza", a perspectiva liberta e sensível de Miguel Portas com "E o Resto É Paisagem", os apontamentos programáticos de João Teixeira Lopes sobre "As Novas Questões de Sociologia Urbana", os inquéritos de Anália Torres sobre o casamento em Portugal e os de Firmino da Costa sobre os públicos da ciência. Mais perto da intervenção política Mário Soares prossegue na tentativa corajosa de uma redefinição da esquerda com "Porto Alegre e Nova Iorque: Um Mundo Dividido?" e Seixas da Costa deu-nos uma reflexão original oculta num título banal: "Democracia Europeia". José Fernandes Fafe (que também publicou o romance "Os Paradoxos do Actor") traça o seu percurso pessoal em conversas com António Silva. E Margarida Santos Lopes reúne uma informação enciclopédica e oportuna com "Dicionário do Islão".

No campo da história e crítica cultural, tivemos uma síntese muito útil de Isabel Ferin ("Comunicação e Culturas do Quotidiano"), uma análise de tipo mais histórico com "A Ideia de Justiça em Antero de Quental" de Maria João Cabrita, a informada e estimulante provocação de Alexandre Melo em "Que É a Globalização Cultural?", o colóquio organizado por Bragança de Miranda e Teresa Cruz, "Crítica das Ligações na Era da Técnica", ou a antologia crítica do feminismo contemporâneo, com textos fundamentais de difícil acesso, de Ana Gabriela Macedo.

Numa área próxima da reflexão filosófica (onde se produz escandalosamente pouco entre nós), temos o muito interessante estudo "Dos Sistemas Centrados aos Sistemas Acentrados" de António Machuco Rosa e uma colectânea de estudos de pedagogia que ultrapassa em muito os lugares-comuns habituais neste domínio: "A Escola, a Recta e o Círculo" de Olga Pombo. Nélson Traquina procura encontrar a especificidade do jornalismo e José Rodrigues dos Santos reflecte sobre "A Verdade da Guerra". Anuncia-se ainda "Músicas da Consciência" de Luís Carmelo, com um prefácio de Damásio. E Moisés Lemos Martins escreveu sobre "A Linguagem, a Verdade e o Poder".

Revistas? Gostaria de citar o projecto que mais me interessou: "Construções Portuárias", com coordenação de António Cabrita. Esperemos que prossiga, assim como a recém-criada revista que Miguel Portas coordena: "Manifesto".

Resta tudo aquilo de que não falei - em parte por acaso, em parte por desinteresse.

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