Manuel Alegre: "Estamos a chegar ao limite do apodrecimento da vida política"

19-11-2002
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Manuel Alegre: "Estamos a Chegar ao Limite do Apodrecimento da Vida Política"

Por POR RAQUEL ABECASIS E ANA SÁ LOPES

Segunda-feira, 11 de Novembro de 2002 Manuel Alegre, vice-presidente da Assembleia da República, pressiona Jorge Sampaio no sentido de este "interpretar" a situação de "apodrecimento" a que chegou a vida política portuguesa. Alegre diz que mais importante que a estabilidade é a "qualidade da democracia" e que é preferível o recurso a eleições antecipadas à manutenção desta situação, "inquinada" pelos casos de Portas, das demissões na Polícia Judiciária e pelo encerramento da comissão parlamentar de inquérito. Uma entrevista que ontem passou no programa Diga Lá Excelência da Rádio Renascença. P. Se o próximo congresso fosse um dos seus livros de poesia, que título é que lhe daria? R. Isso é uma pergunta complicadíssima. Chamava-lhe livro. Sem título. P. Qual vai ser a utilidade deste Congresso? R. A afirmação do PS e da liderança de Ferro Rodrigues que foi designado e eleito nas condições em que se sabe. E também a clarificação da linha política, a aprovação de uma nova moção, as reformas estatutárias que me parecem essenciais e a aprovação de uma declaração de princípios. Neste capítulo, como diria o dr. Durão Barroso nos seus tempos do MRPP, há contradições principais e contradições secundárias. E neste momento a contradição principal é entre o Partido Socialista e a coligação de direita que está no poder. Neste momento, a responsabilidade do PS é perante aquilo que considero ser uma doença no Estado, na sociedade, na democracia. O PS tem neste momento uma responsabilidade acrescida. Estamos a assistir a uma doença no Estado, a expressão é do dr. Pacheco Pereira, não só por causa do caso Portas, que não retira legitimidade ao Governo para governar mas que está, em meu entender, a inquinar toda a vida política. As declarações controversas do director da Judiciária, da dra. Maria José Morgado, da ministra da Justiça... Estamos a assistir a uma situação de apodrecimento da vida política portuguesa. P. E como é que se resolve esse apodrecimento? R. A estabilidade política é importante, sobretudo numa situação de crise no país. Mas a estabilidade não se pode fazer à custa da perda de qualidade da democracia. Para mim, acima de tudo, está a qualidade da democracia. Se para salvaguardar a democracia, se tiver que se recorrer a uma atitude de clarificação, que é o recurso ao povo e ao voto, penso que isso é preferível a manter esta situação. O governo tem legitimidade para governar, o governo pode perfeitamente manter-se, a coligação poderá manter-se... Mas se não houver outras soluções e esta situação se mantiver, penso que há um limite. E compete ao Presidente da República (e foi isto que eu disse numa reunião do Partido Socialista) determinar quando esse limite foi atingido ou está a ser ultrapassado e a pôr em causa o regular funcionamento das instituições democráticas. Penso que aquilo que se está a passar na comissão de inquérito parlamentar às demissões na Polícia Judiciária, a perda de credibilidade das instituições põe realmente em causa o funcionamento das instituições democráticas. A qualidade da democracia é mais importante do que a estabilidade política como um fim em si mesmo. Isto tem que ser resolvido e, em meu entender, não pode demorar muito mais tempo. P. No seu entender, o limite já foi ultrapassado... R. Estamos a chegar muito perto do limite... O caso Paulo Portas não põe em causa a legitimidade do Governo, mas criou-se uma situação de tal ordem que ele deixou de ter condições para poder ser ministro. E isso arrastou outras situações: se o que Maria José Morgado diz for verdade é gravíssimo, tem que se demitir a ministra da Justiça e tem que se demitir o director. Se não diz a verdade, também tem que haver consequências. Como é que se vai saber o que é a verdade e o que não é a verdade? Chegou-se a uma situação de grande apodrecimento e isso retira credibilidade à instituições. Sabemos que há em toda a Europa uma crise de representação, divórcio, desconfiança em relação aos partidos e às instituições. Não é com situações destas que se credibiliza a política e a democracia. Há uma responsabilidade do PS, que penso que tem estado bem neste assunto. Há uma responsabilidade do primeiro-ministro, que não pode assobiar para o lado. E o Presidente da República é o garante supremo do funcionamento das instituições democráticas. Esse é um poder absoluto que tem. É um juízo que lhe compete a ele. Não estou a dizer se se chegou ao limite ou não, mas ele vai ter de interpretar esse limite. P. Mas o ministro da Defesa não é arguido, mas sim testemunha no caso Moderna. É legítimo o seu abandono do Governo? R. Não estou a dizer que há razões de carácter jurídico, estou a falar de razões de carácter político e até de carácter ético. Por muito menos e noutras situações outras pessoas se demitiram por "motu proprio" ou foram conduzidas a isso. Ele foi muito mais severo em relação a outras pessoas, nomeadamente do PSD, do que está a ser em relação a si próprio. Penso que esta situação inquina a vida política portuguesa, porque arrasta outras. Neste momento, já nem é o "caso Portas"... É o caso da Polícia Judiciária, da comissão de inquérito, o facto da maioria funcionar de uma maneira mecânica... Sou contra o regulamento das comissões de inquérito, não deveriam ter em conta o critério da proporcionalidade, de maneira a evitar situações desta natureza. É uma hipocrisia. Quem tem a maioria impede que as comissões de inquérito cheguem ao fim. P. Acha que o PS deve levar a questão avante até que se chegue a uma solução? R. O PS não deve ser cúmplice por omissão no apodrecimento ou na criação de uma situação pantanosa. O PS tem que ter responsabilidades. Até tem uma bomba atómica, que nunca foi utilizada, como seja uma renúncia colectiva aos mandatos de deputados, em última análise. Por exemplo. Já ouvi falar nisso a camaradas meus. P. Neste contexto? R. Se chegarmos a uma situação-limite e ninguém fizer nada, há sempre essa possibilidade e isso obriga depois a uma clarificação. Não estou a dizer que se faça, nem estou a advogar isto. Creio que tanto o Presidente da República como o primeiro-ministro e os principais dirigentes políticos se preocupam com a democracia e saberão encontrar rapidamente uma via de sairmos deste atoleiro para onde estamos a caminhar. P. Portanto, o PS, antes dessa bomba atómica... R. Essa bomba atómica nunca se falou na vida política, mas existe. Não estou a dizer que vá ser utilizada. Seria um caso absolutamente extremo. Tenho confiança no funcionamento das instituições e, em primeiro lugar, no Presidente da República. P. Mas os timings do Presidente da República nem sempre têm agradado ao PS... R. Isso é natural. O Presidente da república teve o apoio do Partido Socialista mas não quer dizer que seja o Presidente do Partido Socialista, é o Presidente de todos os portugueses. Fez muito bem em marcar mesmo uma certa distância. Não é ao Presidente da República que compete ser chefe da oposição. Agora, quando começa a estar em causa a credibilidade das instituições, o papel do Presidente da República é um papel acrescido. Ele tem um magistério de influência. Aliás, já deu alguns recados e concerteza saberá tomar iniciativas nesse sentido, antes do recurso à utilização dos seus poderes - o poder de dissolução é um poder importantíssimo. Se a situação chegar ao tal limite, ele saberá interpretar. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Manuel Alegre: "Estamos a chegar ao limite do apodrecimento da vida política"

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E também a clarificação da linha política, a aprovação de uma nova moção, as reformas estatutárias que me parecem essenciais e a aprovação de uma declaração de princípios. Neste capítulo, como diria o dr. Durão Barroso nos seus tempos do MRPP, há contradições principais e contradições secundárias. E neste momento a contradição principal é entre o Partido Socialista e a coligação de direita que está no poder. Neste momento, a responsabilidade do PS é perante aquilo que considero ser uma doença no Estado, na sociedade, na democracia. O PS tem neste momento uma responsabilidade acrescida. Estamos a assistir a uma doença no Estado, a expressão é do dr. Pacheco Pereira, não só por causa do caso Portas, que não retira legitimidade ao Governo para governar mas que está, em meu entender, a inquinar toda a vida política. As declarações controversas do director da Judiciária, da dra. Maria José Morgado, da ministra da Justiça... Estamos a assistir a uma situação de apodrecimento da vida política portuguesa. P. E como é que se resolve esse apodrecimento? R. A estabilidade política é importante, sobretudo numa situação de crise no país. Mas a estabilidade não se pode fazer à custa da perda de qualidade da democracia. Para mim, acima de tudo, está a qualidade da democracia. Se para salvaguardar a democracia, se tiver que se recorrer a uma atitude de clarificação, que é o recurso ao povo e ao voto, penso que isso é preferível a manter esta situação. O governo tem legitimidade para governar, o governo pode perfeitamente manter-se, a coligação poderá manter-se... Mas se não houver outras soluções e esta situação se mantiver, penso que há um limite. E compete ao Presidente da República (e foi isto que eu disse numa reunião do Partido Socialista) determinar quando esse limite foi atingido ou está a ser ultrapassado e a pôr em causa o regular funcionamento das instituições democráticas. Penso que aquilo que se está a passar na comissão de inquérito parlamentar às demissões na Polícia Judiciária, a perda de credibilidade das instituições põe realmente em causa o funcionamento das instituições democráticas. A qualidade da democracia é mais importante do que a estabilidade política como um fim em si mesmo. Isto tem que ser resolvido e, em meu entender, não pode demorar muito mais tempo. P. No seu entender, o limite já foi ultrapassado... R. Estamos a chegar muito perto do limite... O caso Paulo Portas não põe em causa a legitimidade do Governo, mas criou-se uma situação de tal ordem que ele deixou de ter condições para poder ser ministro. E isso arrastou outras situações: se o que Maria José Morgado diz for verdade é gravíssimo, tem que se demitir a ministra da Justiça e tem que se demitir o director. Se não diz a verdade, também tem que haver consequências. Como é que se vai saber o que é a verdade e o que não é a verdade? Chegou-se a uma situação de grande apodrecimento e isso retira credibilidade à instituições. Sabemos que há em toda a Europa uma crise de representação, divórcio, desconfiança em relação aos partidos e às instituições. Não é com situações destas que se credibiliza a política e a democracia. Há uma responsabilidade do PS, que penso que tem estado bem neste assunto. Há uma responsabilidade do primeiro-ministro, que não pode assobiar para o lado. E o Presidente da República é o garante supremo do funcionamento das instituições democráticas. Esse é um poder absoluto que tem. É um juízo que lhe compete a ele. Não estou a dizer se se chegou ao limite ou não, mas ele vai ter de interpretar esse limite. P. Mas o ministro da Defesa não é arguido, mas sim testemunha no caso Moderna. É legítimo o seu abandono do Governo? R. Não estou a dizer que há razões de carácter jurídico, estou a falar de razões de carácter político e até de carácter ético. Por muito menos e noutras situações outras pessoas se demitiram por "motu proprio" ou foram conduzidas a isso. Ele foi muito mais severo em relação a outras pessoas, nomeadamente do PSD, do que está a ser em relação a si próprio. Penso que esta situação inquina a vida política portuguesa, porque arrasta outras. Neste momento, já nem é o "caso Portas"... É o caso da Polícia Judiciária, da comissão de inquérito, o facto da maioria funcionar de uma maneira mecânica... Sou contra o regulamento das comissões de inquérito, não deveriam ter em conta o critério da proporcionalidade, de maneira a evitar situações desta natureza. É uma hipocrisia. Quem tem a maioria impede que as comissões de inquérito cheguem ao fim. P. Acha que o PS deve levar a questão avante até que se chegue a uma solução? R. O PS não deve ser cúmplice por omissão no apodrecimento ou na criação de uma situação pantanosa. O PS tem que ter responsabilidades. Até tem uma bomba atómica, que nunca foi utilizada, como seja uma renúncia colectiva aos mandatos de deputados, em última análise. Por exemplo. Já ouvi falar nisso a camaradas meus. P. Neste contexto? R. Se chegarmos a uma situação-limite e ninguém fizer nada, há sempre essa possibilidade e isso obriga depois a uma clarificação. Não estou a dizer que se faça, nem estou a advogar isto. Creio que tanto o Presidente da República como o primeiro-ministro e os principais dirigentes políticos se preocupam com a democracia e saberão encontrar rapidamente uma via de sairmos deste atoleiro para onde estamos a caminhar. P. Portanto, o PS, antes dessa bomba atómica... R. Essa bomba atómica nunca se falou na vida política, mas existe. Não estou a dizer que vá ser utilizada. Seria um caso absolutamente extremo. Tenho confiança no funcionamento das instituições e, em primeiro lugar, no Presidente da República. P. Mas os timings do Presidente da República nem sempre têm agradado ao PS... R. Isso é natural. O Presidente da república teve o apoio do Partido Socialista mas não quer dizer que seja o Presidente do Partido Socialista, é o Presidente de todos os portugueses. Fez muito bem em marcar mesmo uma certa distância. Não é ao Presidente da República que compete ser chefe da oposição. Agora, quando começa a estar em causa a credibilidade das instituições, o papel do Presidente da República é um papel acrescido. Ele tem um magistério de influência. Aliás, já deu alguns recados e concerteza saberá tomar iniciativas nesse sentido, antes do recurso à utilização dos seus poderes - o poder de dissolução é um poder importantíssimo. Se a situação chegar ao tal limite, ele saberá interpretar. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Manuel Alegre: "Estamos a chegar ao limite do apodrecimento da vida política"

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