Suplemento Mil Folhas

06-05-2004
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Discos

Sábado, 31 de Janeiro de 2004

%Teresa Cascudo

Orquestra Sinfónica da Póvoa de Varzim, Osvaldo Ferreira (maestro), Luís Rodrigues (barítono), António Saiote (clarinete), Jed Barahal (violoncelo) e Elsa Marques Silva (piano)

Obras encomendadas pelo Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim da autoria de Eurico Carrapatoso, Eugénio Amorim, Fernando C. Lapa, Carlos Azevedo e António Pinho Vargas

Numérica NUM 1108

Este disco reúne cinco encomendas endereçadas a outros tantos compositores portugueses pelo Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim. Trata-se de obras escritas entre 1998 e 2002 que têm em comum o facto de serem evocações musicais do tema do mar. São interpretadas por uma orquestra formada por instrumentistas portugueses, finalistas ou recém-licenciados em universidades e escolas superiores de música do país, dirigidos pelo maestro Osvaldo Ferreira. O facto de a iniciativa ter sido realizada graças ao apoio exclusivo da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim é o derradeiro elemento que a torna tão interessante e inovadora no contexto português.

São raros aqueles projectos que reúnem, de forma tão completa e coerente quanto este, todas as etapas da produção musical, desde a encomenda das obras até à sua difusão em concertos ao vivo e mediante o suporte CD, passando por uma dimensão social e pedagógica evidente no aproveitamento artístico de identidades culturais e do capital humano saído dos estabelecimentos de ensino superior. Este CD acaba por ser o objecto que concretiza a reunião de todos esses esforços, e só por isso merece ser destacado nos termos mais elogiosos. Para além disso, apresenta qualidades musicais notáveis, que se revelam desde o início da sua audição.

Do ponto de vista da composição, o CD mostra uma certa predominância das abordagens mais tradicionais do tema proposto pelo festival. Isso é patente nas obras de Carrapatoso, Amorim e Lapa. No entanto, inclui também duas obras onde se evidenciam influências mais modernistas. É o caso das peças de Carlos Azevedo e de António Pinho Vargas, sendo esta última a mais abstracta de todas elas.

No que diz respeito à interpretação, a presença de Osvaldo Ferreira é o fundamento que assegura a qualidade global da gravação. Deve-se a ele a criação e o desenvolvimento da Orquestra Sinfónica da Póvoa de Varzim e o trabalho aqui evidenciado permite imaginar o que ele será capaz de fazer à frente de um agrupamento profissional. Uma sonoridade cheia, excelente gestão dos planos sonoros e uma verdadeira "interpretação" das peças em causa são qualidades que se evidenciam ao longo de todo o CD.

António Saiote, Jed Barahal e Elsa Marques Silva são intérpretes perfeitos dos "Quatro ou cinco movimentos fugidios da água", de Pinho Vargas. Apenas deve ser assinalada alguma falta de nitidez na captação sonora desta peça, o que destoa com o resto do CD. Por seu turno, o barítono Luís Rodrigues, apesar do vibrato que caracteriza a sua emissão vocal, exibe uma apreciável flexibilidade. Explora com pertinência dramática o timbre da sua voz e respeita com sensibilidade e musicalidade a prosódia do texto português, uma coisa que não é tão habitual como deveria (embora o mérito disso seja também de Fernando C. Lapa, o qual tratou com mimo os textos de Alexandre Pinheiro Torres). A sua prestação faz pensar que seria um excelente intérprete da parte solista da "História Trágico-Marítima", composta por Fernando Lopes-Graça sobre versos de Miguel Torga, obra que aflora como referência nalgumas das peças contidas neste CD. Teresa Cascudo

Cuarteto Casals

Quartetos de Juan Crisóstomo Arriaga

Harmonia Mundi Ibérica HMI 987038

É bem possível que o nome de Juan Crisóstomo Arriaga não diga nada a muita gente. Mais, o Cuarteto Casals não é um agrupamento demasiadamente conhecido fora de Espanha e nunca tinha gravado nada. Logo, à partida, apenas a reputação da etiqueta Harmonia Mundi - aqui representada pela sua filial Ibérica - é que poderá provocar uma curiosidade inicial pelo presente CD. Isso e a jovialidade que ostentam os quatro músicos retratados na capa.

Contudo, a obra musical de Arriaga, nascido em Bilbau em 1806, tem um interesse considerável. No seu catálogo brilham estes três quartetos, escritos quando, contando com apenas 17 anos de idade, era estudante no Conservatório de Paris. Ouvindo as peças não admira que, pouco tempo depois, fosse nomeado professor assistente nessa mesma instituição. As três obras revelam um talento musical comparável ao do jovem Mendelssohn. Uma pureza estilística apreciável, a preferência por texturas densas e a impressionante invenção melódica do seu autor marcam as peças. Tendo Haydn como referência e para além de mostrar as assombrosas qualidades musicais de Arriaga, os três quartetos também dão conta dos elegantes caminhos enveredados por esse género em Paris, tal como se evidencia em obras de compositores hoje mais ou menos marginalizados: Pleyel, Reicha ou Cherubini, entre outros. Arriaga morreu em Paris três anos depois da composição destas obras e a sua memória foi principalmente alimentada na sua cidade natal.

Por seu turno, o agrupamento também se caracteriza pela sua juventude. Foi criado em 1997 em Madrid, quando os seus elementos eram estudantes na Escuela Reina Sofía. Prosseguiram posteriormente os seus estudos em Colónia, tendo sido orientados pelo Alban Berg Quartet. No entanto, o resultado artístico das suas apresentações públicas tem-se distinguido pela sua maturidade emocional, pela sua precisão e por uma bela e transparente sonoridade, que resiste a ser comparada com os melhores quartetos da actualidade. Na sua abordagem, o Cuarteto Casals destaca o lirismo contido nos quartetos de Arriaga, mas também a solidez da estrutura das obras, explorando inteligentemente as suas virtualidades para a criação de variados ambientes sonoros. Talvez possam ser acusados de excesso de cuidado no detalhe, mas, neste caso, isto é mais uma virtude do que um defeito. T.C.

Discos

Sábado, 31 de Janeiro de 2004

%Teresa Cascudo

Orquestra Sinfónica da Póvoa de Varzim, Osvaldo Ferreira (maestro), Luís Rodrigues (barítono), António Saiote (clarinete), Jed Barahal (violoncelo) e Elsa Marques Silva (piano)

Obras encomendadas pelo Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim da autoria de Eurico Carrapatoso, Eugénio Amorim, Fernando C. Lapa, Carlos Azevedo e António Pinho Vargas

Numérica NUM 1108

Este disco reúne cinco encomendas endereçadas a outros tantos compositores portugueses pelo Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim. Trata-se de obras escritas entre 1998 e 2002 que têm em comum o facto de serem evocações musicais do tema do mar. São interpretadas por uma orquestra formada por instrumentistas portugueses, finalistas ou recém-licenciados em universidades e escolas superiores de música do país, dirigidos pelo maestro Osvaldo Ferreira. O facto de a iniciativa ter sido realizada graças ao apoio exclusivo da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim é o derradeiro elemento que a torna tão interessante e inovadora no contexto português.

São raros aqueles projectos que reúnem, de forma tão completa e coerente quanto este, todas as etapas da produção musical, desde a encomenda das obras até à sua difusão em concertos ao vivo e mediante o suporte CD, passando por uma dimensão social e pedagógica evidente no aproveitamento artístico de identidades culturais e do capital humano saído dos estabelecimentos de ensino superior. Este CD acaba por ser o objecto que concretiza a reunião de todos esses esforços, e só por isso merece ser destacado nos termos mais elogiosos. Para além disso, apresenta qualidades musicais notáveis, que se revelam desde o início da sua audição.

Do ponto de vista da composição, o CD mostra uma certa predominância das abordagens mais tradicionais do tema proposto pelo festival. Isso é patente nas obras de Carrapatoso, Amorim e Lapa. No entanto, inclui também duas obras onde se evidenciam influências mais modernistas. É o caso das peças de Carlos Azevedo e de António Pinho Vargas, sendo esta última a mais abstracta de todas elas.

No que diz respeito à interpretação, a presença de Osvaldo Ferreira é o fundamento que assegura a qualidade global da gravação. Deve-se a ele a criação e o desenvolvimento da Orquestra Sinfónica da Póvoa de Varzim e o trabalho aqui evidenciado permite imaginar o que ele será capaz de fazer à frente de um agrupamento profissional. Uma sonoridade cheia, excelente gestão dos planos sonoros e uma verdadeira "interpretação" das peças em causa são qualidades que se evidenciam ao longo de todo o CD.

António Saiote, Jed Barahal e Elsa Marques Silva são intérpretes perfeitos dos "Quatro ou cinco movimentos fugidios da água", de Pinho Vargas. Apenas deve ser assinalada alguma falta de nitidez na captação sonora desta peça, o que destoa com o resto do CD. Por seu turno, o barítono Luís Rodrigues, apesar do vibrato que caracteriza a sua emissão vocal, exibe uma apreciável flexibilidade. Explora com pertinência dramática o timbre da sua voz e respeita com sensibilidade e musicalidade a prosódia do texto português, uma coisa que não é tão habitual como deveria (embora o mérito disso seja também de Fernando C. Lapa, o qual tratou com mimo os textos de Alexandre Pinheiro Torres). A sua prestação faz pensar que seria um excelente intérprete da parte solista da "História Trágico-Marítima", composta por Fernando Lopes-Graça sobre versos de Miguel Torga, obra que aflora como referência nalgumas das peças contidas neste CD. Teresa Cascudo

Cuarteto Casals

Quartetos de Juan Crisóstomo Arriaga

Harmonia Mundi Ibérica HMI 987038

É bem possível que o nome de Juan Crisóstomo Arriaga não diga nada a muita gente. Mais, o Cuarteto Casals não é um agrupamento demasiadamente conhecido fora de Espanha e nunca tinha gravado nada. Logo, à partida, apenas a reputação da etiqueta Harmonia Mundi - aqui representada pela sua filial Ibérica - é que poderá provocar uma curiosidade inicial pelo presente CD. Isso e a jovialidade que ostentam os quatro músicos retratados na capa.

Contudo, a obra musical de Arriaga, nascido em Bilbau em 1806, tem um interesse considerável. No seu catálogo brilham estes três quartetos, escritos quando, contando com apenas 17 anos de idade, era estudante no Conservatório de Paris. Ouvindo as peças não admira que, pouco tempo depois, fosse nomeado professor assistente nessa mesma instituição. As três obras revelam um talento musical comparável ao do jovem Mendelssohn. Uma pureza estilística apreciável, a preferência por texturas densas e a impressionante invenção melódica do seu autor marcam as peças. Tendo Haydn como referência e para além de mostrar as assombrosas qualidades musicais de Arriaga, os três quartetos também dão conta dos elegantes caminhos enveredados por esse género em Paris, tal como se evidencia em obras de compositores hoje mais ou menos marginalizados: Pleyel, Reicha ou Cherubini, entre outros. Arriaga morreu em Paris três anos depois da composição destas obras e a sua memória foi principalmente alimentada na sua cidade natal.

Por seu turno, o agrupamento também se caracteriza pela sua juventude. Foi criado em 1997 em Madrid, quando os seus elementos eram estudantes na Escuela Reina Sofía. Prosseguiram posteriormente os seus estudos em Colónia, tendo sido orientados pelo Alban Berg Quartet. No entanto, o resultado artístico das suas apresentações públicas tem-se distinguido pela sua maturidade emocional, pela sua precisão e por uma bela e transparente sonoridade, que resiste a ser comparada com os melhores quartetos da actualidade. Na sua abordagem, o Cuarteto Casals destaca o lirismo contido nos quartetos de Arriaga, mas também a solidez da estrutura das obras, explorando inteligentemente as suas virtualidades para a criação de variados ambientes sonoros. Talvez possam ser acusados de excesso de cuidado no detalhe, mas, neste caso, isto é mais uma virtude do que um defeito. T.C.

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