Entrevista com José Luís Rodrigues Zapatero: O que prometi foi tirar a Espanha da foto dos Açores e colocá-la na foto da luta contra a fome

27-10-2004
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Entrevista com José Luís Rodrigues Zapatero: O Que Prometi Foi Tirar a Espanha da Foto dos Açores e Colocá-la na Foto da Luta Contra a Fome

Por TERESA DE SOUSA E NUNO RIBEIRO (TEXTO) E CLAUDIO ALVAREZ (FOTOS)

Sexta-feira, 01 de Outubro de 2004 É presidente do Governo de Espanha há seis meses, depois de ter ganho as eleições legislativas que decorreram três dias depois dos brutais atentados terroristas de Madrid, a 11 de Março último. A primeira coisa que fez foi retirar do Iraque os mais de mil soldados que o seu antecessor, José-Maria Aznar, tinha enviado em apoio da coligação anglo-americana. Em contrapartida, enviou outros tantos homens para o Afeganistão. Socialista, com apenas 44 anos, sem experiência anterior de governação, José Luís Rodrigues Zapatero tem hoje, em Santiago de Compostela, a sua primeira cimeira ibérica. Quer melhorar e ampliar as relações com Portugal. Depois de ter recolocado a Espanha no "coração" da Europa, alinhando as suas posições com o velho eixo franco-alemão. O PÚBLICO entrevistou-o na quarta-feira, em Madrid. PÚBLICO - É a sua primeira cimeira com o Governo português e a primeira oportunidade para trocar impressões sobre a situação internacional. Vai aconselhar Santana Lopes a retirar as tropas portuguesas do Iraque, de acordo com o que tem dito ultimamente? José Luís Rodrigues Zapatero - Há que respeitar o que cada país decide. Eu tinha um compromisso eleitoral com os cidadãos espanhóis e cumpri-o. Toda a gente sabe qual é a minha posição. Respeito os outros países e quero que respeitem a Espanha. P. - O que espera desta cimeira? Há coisas concretas para decidir? R. - Há fundamentalmente dois conjuntos de temas que se inserem num novo contexto político: há dois novos governos em Espanha e em Portugal e, portanto, abre-se uma nova etapa que quero que seja de melhores relações. Temos interesses comuns, uma profunda relação e, se melhorarmos as nossas relações, beneficiaremos ambos. O primeiro conjunto de temas diz respeito à União Europeia - a ratificação da Constituição europeia, as novas perspectivas financeiras, muito importante para os dois países e em que nos convêm trabalhar numa aliança comum porque os nossos interesses são comuns. É verdade que temos a vantagem de ter um presidente da Comissão português [José Manuel Durão Barroso], que a Espanha apoiou com toda a firmeza, e isso é, só por si, positivo para países com as características e os interesses de Espanha e de Portugal. P. - Por que inclui a Constituição? Acha útil que os dois países sejam dos primeiros a ratificá-la? R. - Vou informar o primeiro-ministro Santana da nossa intenção de fazer um referendo no primeiro trimestre de 2005 e do meu convencimento de que quanto mais depressa ratificarmos a Constituição melhor. É uma boa Constituição, é um passo em frente para a UE e a UE foi boa para Espanha e creio que foi boa para muitos outros países, incluindo Portugal. P. - Não haverá problemas com essa ratificação em Espanha? R. - Não creio. Claro que temos de incentivar a participação porque é verdade que o projecto europeu por vezes se afasta dos cidadãos europeus. Faremos um esforço nesse sentido, mas a Espanha é um país muito europeísta e creio sinceramente que estamos em condições de dar à Constituição um amplo apoio. P. - Falou de outro conjunto de temas para a cimeira. Bilaterais? R. - O segundo eixo de que falei tem a ver com as relações bilaterais. Queremos ampliar os domínios de cooperação, abrir uma nova cooperação em matéria de portos, queremos, por exemplo, intensificar a cooperação em matéria cultural. E a cimeira vai ter muito conteúdo concreto. Participam oito ministros espanhóis e haverá acordos ao nível de muitos desses ministérios. Mas as questões europeias são mais conjunturais, porque temos muitos desafios imediatos, nomeadamente as perspectivas financeiras [para 2007-13]. P. - Nesta questão, Espanha e Portugal vão negociar em condições mais difíceis do que nunca. A Espanha, sobretudo, está já numa posição de país rico. Crê que ainda há interesses comuns suficientes entre os dois países para poderem ter uma estratégia comum, como aconteceu no tempo de Felipe Gonzalez e Cavaco Silva ou, mais tarde, com António Guterres e José-Maria Aznar? R. - Todos os países que recebiam fundos importantes, como a Espanha e Portugal, serão afectados, havendo logo aí um interesse comum. A Espanha tem de fazer um esforço maior, dado o crescimento do rendimento per capita dos espanhóis nos últimos anos. Mas não vamos aceitar a ideia de uma redução drástica dos fundos. Queremos soluções com um horizonte de flexibilidade que diminuam progressivamente as ajudas financeiras. P. - Crê que isso é possível? R. - Creio que sim. Vai ser uma negociação dura. Mas creio que é possível compreender que não se pode provocar um choque nos investimentos que temos programado, por exemplo, em infraestruturas, para os quais temos os fundos europeus. P. - Teve recentemente uma cimeira com o Presidente Chirac e o chanceler Schroeder. Pensa que já os convenceu de que impor um tecto de 1 por cento do PIB comunitário ao novo orçamento plurianual não chega para uma Europa solidária? R. - Creio que se convencerão. Temos muitos temas na mesa, o Pacto de Estabilidade perspectivas financeiras, a PAC, tudo isso tem se ser visto em conjunto. Mas, sem qualquer dúvida, o orçamento da União Europeia tem de estar acima do tecto de 1 por cento. P. - Ainda sobre a recente cimeira tripartida em Madrid. Escreveu-se que quis com ela substituir a imagem da célebre cimeira dos Açores. Crê que, nesta Europa a 25, o eixo franco-alemão continua a ter condições para liderar a UE? R. - A Espanha tem uma posição muito europeísta e queremos ter uma perspectiva de politica internacional no quadro da UE. Sobre o encontro com a França e a Alemanha,. o que quis dizer é que ele representou uma afirmação da vitalidade e da juventude da "velha Europa". Mas como Presidente do Governo, o meu objectivo é ter boas relações com todos e fazer da Europa um eixo contínuo. O que creio firmemente é que a Europa tem de ter uma voz única e forte no mundo. Isto é o mais importante. Tudo o que seja fortalecer a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), uma politica de defesa comum europeia, uma política comum de cooperação, é enormemente importante para a Europa e para o mundo. O meu compromisso com os cidadãos foi que a Espanha estivesse na fotografia da Aliança Contra a Fome e a Pobreza. Estivemos, com a França, com o Chile, com [o Presidente brasileiro] Lula e com o [secretário-geral da ONU] Kofi Annan. E cumpri. Foi esta a foto que eu prometi na campanha eleitoral em alternativa à dos Açores. Tirar a Espanha da foto dos Açores e colocá-la na foto da cimeira da luta contra a fome. O primeiro-ministro Santana também lá esteve. P. - Pensa que é mais eficaz a ideia de repegar na "taxa Tobin", que foi praticamente o que saiu de concreto dessa cimeira, do que, por exemplo, acabar com a PAC e com o proteccionismo agrícola europeu e americano? R. - O encontro das Nações Unidas da Aliança contra a Fome foi muito importante. Porque o seu manifesto foi apoiado por 113 países e porque se colocaram em cima da mesa novos instrumentos financeiros para a ajuda ao desenvolvimento e a luta contra a pobreza. P. - Quais? R. - Foi a primeira vez que o director do FMI [o espanhol Rodrigo Rato] admitiu, numa reunião nas Nações Unidas, a possibilidade de um imposto sobre as transacções financeiras ou comerciais. A primeira vez, insisto. Isto tem uma enorme importância e o Presidente Chirac vai propor que o G-8 debata a ideia. na sua próxima reunião. Outro instrumento importante é a possibilidade de ser dado um tratamento muito favorável às remessas dos imigrantes dos países desenvolvidos e, a mais longo prazo, a necessidade de favorecer o comércio em benefício dos países menos desenvolvidos. A Espanha comprometeu-se a gastar 0,5 por cento do PIB para o apoio ao desenvolvimento nesta legislatura. E houve um forte chamamento a todos os países desenvolvidos para que cumpram o objectivo de 0,7. P. - O Presidente Lula já disse várias vezes que a manutenção da PAC e dos subsídios agrícolas dos EUA fazia pior do que tudo o resto. Porque é que a UE não encara essa situação de uma vez por todas? R. - Estamos a encará-la todos os dias. Há reformas nesse sentido, há produções que estão a reduzir os subsídios, como o algodão. É uma questão de tempo e de intensidade no sentido de abrir os mercados da UE e de reduzir ajudas em favor das produções desses países... P. - Voltando à cimeira ibérica, a política europeia para o Magrebe e para a América Latina não é um domínio de cooperação privilegiada dos dois países no quadro da UE? R. - Claro. Um dos pontos importantes do nosso encontro é a cimeira ibero-americana de Outubro na Costa Rica e também a cimeira de 2005, que se realiza em Espanha e que quer fortalecer o processo com a institucionalização de um secretariado-geral. E tenho o maior interesse em falar sobre esta questão com o Presidente Sampaio. No Mediterrâneo estamos a desenvolver uma politica de intensa relação com o Magrebe para dar estabilidade à região, para luta contra a imigração ilegal e para ajudar à sua modernização, tanto no campo bilateral como no nível europeu. P. - Falou da importância de uma politica externa comum. Pensa que isso é possível, quando a Europa está mais dividida do que nunca por causa da guerra no Iraque e da sua relação com os EUA? Falou na América Latina. Não há uma acção comum. Há uma competição entre países europeus para ganhar vantagens - Espanha, Portugal, a França, para ver quem é mais amigo de Lula.... R. - São duas questões diferentes No que diz respeito à América Latina, a posição da UE é claramente liderada por Espanha e Portugal. A iniciativa é nossa. Os conteúdos também. Nas negociações com o Mercosul, somos nós que vamos forçando as coisas. É claríssimo que as vozes latino-americanas na Europa são as de Espanha e Portugal. É certo que a guerra no Iraque dividiu a UE. Mas não é menos certo que estamos num momento em que creio que há uma maioria que partilha aberta ou tacitamente a ideia de que a guerra do Iraque não deu resultados positivos. Isso é evidente. E que a lição que temos de tirar é: primeiro, respeitar sempre a legalidade internacional e as Nações Unidas; segundo, que a Europa tem de ter o valor e inteligência histórica de ter uma voz muito mais unida. E isso claro que é posssvel. P. - Como vê a relação da UE com os EUA: uma relação de aliança ou um contra-poder como vê, por exemplo, a França? R. - Uma relação de aliança e de boa amizade, e os bons amigos dizem a verdade e têm a capacidade de discordar. As posições europeias, com os seus valores e a sua história, que tem características distintas da sociedade americana, representam uma visão complementar e enriquecedora. Seria muito preocupante que houvesse uma visão unívoca. O mundo é diverso, complexo. Os norte-americanos não podem ver a realidade do que representa o Mediterrâneo como nós a vemos, só para dar um exemplo. P. - Qual é a sua ambição para a Espanha no mundo? R. - A Espanha tem um notável potencial de política externa porque tem uma identidade muito europeísta no seio da EU e porque é um país com um potencial de relacionamento com a América Latina e com o mundo árabe e mediterrânico de que pouca gente pode dispor. Somos um país com uma enorme capacidade de ter amigos, um país aberto, cruzado por muitas culturas, e isso terá uma força importante no mundo. P. - O seu antecessor Aznar queria fazer da Espanha uma potência de peso mundial, como a França ou a Alemanha. Queria, por exemplo, fazer entrar a Espanha no G-8. Para si isso não é importante? R. - O que quero é que o meu país seja conhecido no mundo como um país que luta pela paz, um país solidário que contribui para o desenvolvimento dos países mais pobres. P. - Propôs na ONU uma Aliança entre as civilizações ocidental e islâmica. Não era melhor que a Europa se preocupasse mais com a democracia e os direitos humanos nessa parte do mundo, em vez de propor alianças que se arriscam a perpetuar os déspotas? R. - A ideia é tentar evitar que se erga outro muro. E, no actual contexto histórico, é bastante evidente que o mundo árabe e islâmico e o mundo ocidental têm diferenças que se agravam em consequência do conflito no Médio Oriente e da guerra do Iraque. Creio que é imprescindível reagir a tempo, fazendo com que os povos se conheçam, que as culturas se respeitam, que o diálogo de religiões e de tradições se desenvolva, porque é isso que facilita o desenvolvimento e a modernização necessária à sua transição para regimes políticos de natureza democrático. Que tem de ter o seu ritmo. É preciso entender que os condicionamentos culturais e históricos não permitem implantar de maneira automática os modos de funcionamento das nossas democracias. P. - Como é que a Espanha e a UE podem ter uma politica em relação ao mundo árabe que não aceite o status quo, que não pactue com os regimes ditatoriais e autoritários que ainda predominam, agora com o pretexto de combater o terrorismo islâmico? R. - A Europa tem de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para promover a modernização, a democratização e o que representa o fortalecimento de Estados de direito. O que quero dizer é que isso se faz melhor com o diálogo, com a comunicação politica, com a abertura comercial, e não de outra maneira. O que temos de fazer é apoiar os países do Magrebe que estão nessa via, mesmo que lenta. P. - Depreendo que é a favor da integração da Turquia. R. - Claro. P. - A Turquia deve ter uma resposta positiva já na cimeira de Dezembro dos líderes europeus? R. - A Turquia precisará de um tempo para entrar na UE, tem que cumprir todos os requisitos. A Comissão está prestes a emitir um parecer. P. - Que vai ser positivo. R. - Em princípio, o clima é favorável. A UE é um projecto aberto, um dos melhores caminhos para consolidar a estabilidade democrática, o comércio livre, o desenvolvimento, os direitos humanos... OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Entrevista com José Luís Rodrigues Zapatero: O que prometi foi tirar a Espanha da foto dos Açores e colocá-la na foto da luta contra a fome

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Santiago abre novo ciclo

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Sexta-feira, 01 de Outubro de 2004 É presidente do Governo de Espanha há seis meses, depois de ter ganho as eleições legislativas que decorreram três dias depois dos brutais atentados terroristas de Madrid, a 11 de Março último. A primeira coisa que fez foi retirar do Iraque os mais de mil soldados que o seu antecessor, José-Maria Aznar, tinha enviado em apoio da coligação anglo-americana. Em contrapartida, enviou outros tantos homens para o Afeganistão. Socialista, com apenas 44 anos, sem experiência anterior de governação, José Luís Rodrigues Zapatero tem hoje, em Santiago de Compostela, a sua primeira cimeira ibérica. Quer melhorar e ampliar as relações com Portugal. Depois de ter recolocado a Espanha no "coração" da Europa, alinhando as suas posições com o velho eixo franco-alemão. O PÚBLICO entrevistou-o na quarta-feira, em Madrid. PÚBLICO - É a sua primeira cimeira com o Governo português e a primeira oportunidade para trocar impressões sobre a situação internacional. Vai aconselhar Santana Lopes a retirar as tropas portuguesas do Iraque, de acordo com o que tem dito ultimamente? José Luís Rodrigues Zapatero - Há que respeitar o que cada país decide. Eu tinha um compromisso eleitoral com os cidadãos espanhóis e cumpri-o. Toda a gente sabe qual é a minha posição. Respeito os outros países e quero que respeitem a Espanha. P. - O que espera desta cimeira? Há coisas concretas para decidir? R. - Há fundamentalmente dois conjuntos de temas que se inserem num novo contexto político: há dois novos governos em Espanha e em Portugal e, portanto, abre-se uma nova etapa que quero que seja de melhores relações. Temos interesses comuns, uma profunda relação e, se melhorarmos as nossas relações, beneficiaremos ambos. O primeiro conjunto de temas diz respeito à União Europeia - a ratificação da Constituição europeia, as novas perspectivas financeiras, muito importante para os dois países e em que nos convêm trabalhar numa aliança comum porque os nossos interesses são comuns. É verdade que temos a vantagem de ter um presidente da Comissão português [José Manuel Durão Barroso], que a Espanha apoiou com toda a firmeza, e isso é, só por si, positivo para países com as características e os interesses de Espanha e de Portugal. P. - Por que inclui a Constituição? Acha útil que os dois países sejam dos primeiros a ratificá-la? R. - Vou informar o primeiro-ministro Santana da nossa intenção de fazer um referendo no primeiro trimestre de 2005 e do meu convencimento de que quanto mais depressa ratificarmos a Constituição melhor. É uma boa Constituição, é um passo em frente para a UE e a UE foi boa para Espanha e creio que foi boa para muitos outros países, incluindo Portugal. P. - Não haverá problemas com essa ratificação em Espanha? R. - Não creio. Claro que temos de incentivar a participação porque é verdade que o projecto europeu por vezes se afasta dos cidadãos europeus. Faremos um esforço nesse sentido, mas a Espanha é um país muito europeísta e creio sinceramente que estamos em condições de dar à Constituição um amplo apoio. P. - Falou de outro conjunto de temas para a cimeira. Bilaterais? R. - O segundo eixo de que falei tem a ver com as relações bilaterais. Queremos ampliar os domínios de cooperação, abrir uma nova cooperação em matéria de portos, queremos, por exemplo, intensificar a cooperação em matéria cultural. E a cimeira vai ter muito conteúdo concreto. Participam oito ministros espanhóis e haverá acordos ao nível de muitos desses ministérios. Mas as questões europeias são mais conjunturais, porque temos muitos desafios imediatos, nomeadamente as perspectivas financeiras [para 2007-13]. P. - Nesta questão, Espanha e Portugal vão negociar em condições mais difíceis do que nunca. A Espanha, sobretudo, está já numa posição de país rico. Crê que ainda há interesses comuns suficientes entre os dois países para poderem ter uma estratégia comum, como aconteceu no tempo de Felipe Gonzalez e Cavaco Silva ou, mais tarde, com António Guterres e José-Maria Aznar? R. - Todos os países que recebiam fundos importantes, como a Espanha e Portugal, serão afectados, havendo logo aí um interesse comum. A Espanha tem de fazer um esforço maior, dado o crescimento do rendimento per capita dos espanhóis nos últimos anos. Mas não vamos aceitar a ideia de uma redução drástica dos fundos. Queremos soluções com um horizonte de flexibilidade que diminuam progressivamente as ajudas financeiras. P. - Crê que isso é possível? R. - Creio que sim. Vai ser uma negociação dura. Mas creio que é possível compreender que não se pode provocar um choque nos investimentos que temos programado, por exemplo, em infraestruturas, para os quais temos os fundos europeus. P. - Teve recentemente uma cimeira com o Presidente Chirac e o chanceler Schroeder. Pensa que já os convenceu de que impor um tecto de 1 por cento do PIB comunitário ao novo orçamento plurianual não chega para uma Europa solidária? R. - Creio que se convencerão. Temos muitos temas na mesa, o Pacto de Estabilidade perspectivas financeiras, a PAC, tudo isso tem se ser visto em conjunto. Mas, sem qualquer dúvida, o orçamento da União Europeia tem de estar acima do tecto de 1 por cento. P. - Ainda sobre a recente cimeira tripartida em Madrid. Escreveu-se que quis com ela substituir a imagem da célebre cimeira dos Açores. Crê que, nesta Europa a 25, o eixo franco-alemão continua a ter condições para liderar a UE? R. - A Espanha tem uma posição muito europeísta e queremos ter uma perspectiva de politica internacional no quadro da UE. Sobre o encontro com a França e a Alemanha,. o que quis dizer é que ele representou uma afirmação da vitalidade e da juventude da "velha Europa". Mas como Presidente do Governo, o meu objectivo é ter boas relações com todos e fazer da Europa um eixo contínuo. O que creio firmemente é que a Europa tem de ter uma voz única e forte no mundo. Isto é o mais importante. Tudo o que seja fortalecer a Política Externa e de Segurança Comum (PESC), uma politica de defesa comum europeia, uma política comum de cooperação, é enormemente importante para a Europa e para o mundo. O meu compromisso com os cidadãos foi que a Espanha estivesse na fotografia da Aliança Contra a Fome e a Pobreza. Estivemos, com a França, com o Chile, com [o Presidente brasileiro] Lula e com o [secretário-geral da ONU] Kofi Annan. E cumpri. Foi esta a foto que eu prometi na campanha eleitoral em alternativa à dos Açores. Tirar a Espanha da foto dos Açores e colocá-la na foto da cimeira da luta contra a fome. O primeiro-ministro Santana também lá esteve. P. - Pensa que é mais eficaz a ideia de repegar na "taxa Tobin", que foi praticamente o que saiu de concreto dessa cimeira, do que, por exemplo, acabar com a PAC e com o proteccionismo agrícola europeu e americano? R. - O encontro das Nações Unidas da Aliança contra a Fome foi muito importante. Porque o seu manifesto foi apoiado por 113 países e porque se colocaram em cima da mesa novos instrumentos financeiros para a ajuda ao desenvolvimento e a luta contra a pobreza. P. - Quais? R. - Foi a primeira vez que o director do FMI [o espanhol Rodrigo Rato] admitiu, numa reunião nas Nações Unidas, a possibilidade de um imposto sobre as transacções financeiras ou comerciais. A primeira vez, insisto. Isto tem uma enorme importância e o Presidente Chirac vai propor que o G-8 debata a ideia. na sua próxima reunião. Outro instrumento importante é a possibilidade de ser dado um tratamento muito favorável às remessas dos imigrantes dos países desenvolvidos e, a mais longo prazo, a necessidade de favorecer o comércio em benefício dos países menos desenvolvidos. A Espanha comprometeu-se a gastar 0,5 por cento do PIB para o apoio ao desenvolvimento nesta legislatura. E houve um forte chamamento a todos os países desenvolvidos para que cumpram o objectivo de 0,7. P. - O Presidente Lula já disse várias vezes que a manutenção da PAC e dos subsídios agrícolas dos EUA fazia pior do que tudo o resto. Porque é que a UE não encara essa situação de uma vez por todas? R. - Estamos a encará-la todos os dias. Há reformas nesse sentido, há produções que estão a reduzir os subsídios, como o algodão. É uma questão de tempo e de intensidade no sentido de abrir os mercados da UE e de reduzir ajudas em favor das produções desses países... P. - Voltando à cimeira ibérica, a política europeia para o Magrebe e para a América Latina não é um domínio de cooperação privilegiada dos dois países no quadro da UE? R. - Claro. Um dos pontos importantes do nosso encontro é a cimeira ibero-americana de Outubro na Costa Rica e também a cimeira de 2005, que se realiza em Espanha e que quer fortalecer o processo com a institucionalização de um secretariado-geral. E tenho o maior interesse em falar sobre esta questão com o Presidente Sampaio. No Mediterrâneo estamos a desenvolver uma politica de intensa relação com o Magrebe para dar estabilidade à região, para luta contra a imigração ilegal e para ajudar à sua modernização, tanto no campo bilateral como no nível europeu. P. - Falou da importância de uma politica externa comum. Pensa que isso é possível, quando a Europa está mais dividida do que nunca por causa da guerra no Iraque e da sua relação com os EUA? Falou na América Latina. Não há uma acção comum. Há uma competição entre países europeus para ganhar vantagens - Espanha, Portugal, a França, para ver quem é mais amigo de Lula.... R. - São duas questões diferentes No que diz respeito à América Latina, a posição da UE é claramente liderada por Espanha e Portugal. A iniciativa é nossa. Os conteúdos também. Nas negociações com o Mercosul, somos nós que vamos forçando as coisas. É claríssimo que as vozes latino-americanas na Europa são as de Espanha e Portugal. É certo que a guerra no Iraque dividiu a UE. Mas não é menos certo que estamos num momento em que creio que há uma maioria que partilha aberta ou tacitamente a ideia de que a guerra do Iraque não deu resultados positivos. Isso é evidente. E que a lição que temos de tirar é: primeiro, respeitar sempre a legalidade internacional e as Nações Unidas; segundo, que a Europa tem de ter o valor e inteligência histórica de ter uma voz muito mais unida. E isso claro que é posssvel. P. - Como vê a relação da UE com os EUA: uma relação de aliança ou um contra-poder como vê, por exemplo, a França? R. - Uma relação de aliança e de boa amizade, e os bons amigos dizem a verdade e têm a capacidade de discordar. As posições europeias, com os seus valores e a sua história, que tem características distintas da sociedade americana, representam uma visão complementar e enriquecedora. Seria muito preocupante que houvesse uma visão unívoca. O mundo é diverso, complexo. Os norte-americanos não podem ver a realidade do que representa o Mediterrâneo como nós a vemos, só para dar um exemplo. P. - Qual é a sua ambição para a Espanha no mundo? R. - A Espanha tem um notável potencial de política externa porque tem uma identidade muito europeísta no seio da EU e porque é um país com um potencial de relacionamento com a América Latina e com o mundo árabe e mediterrânico de que pouca gente pode dispor. Somos um país com uma enorme capacidade de ter amigos, um país aberto, cruzado por muitas culturas, e isso terá uma força importante no mundo. P. - O seu antecessor Aznar queria fazer da Espanha uma potência de peso mundial, como a França ou a Alemanha. Queria, por exemplo, fazer entrar a Espanha no G-8. Para si isso não é importante? R. - O que quero é que o meu país seja conhecido no mundo como um país que luta pela paz, um país solidário que contribui para o desenvolvimento dos países mais pobres. P. - Propôs na ONU uma Aliança entre as civilizações ocidental e islâmica. Não era melhor que a Europa se preocupasse mais com a democracia e os direitos humanos nessa parte do mundo, em vez de propor alianças que se arriscam a perpetuar os déspotas? R. - A ideia é tentar evitar que se erga outro muro. E, no actual contexto histórico, é bastante evidente que o mundo árabe e islâmico e o mundo ocidental têm diferenças que se agravam em consequência do conflito no Médio Oriente e da guerra do Iraque. Creio que é imprescindível reagir a tempo, fazendo com que os povos se conheçam, que as culturas se respeitam, que o diálogo de religiões e de tradições se desenvolva, porque é isso que facilita o desenvolvimento e a modernização necessária à sua transição para regimes políticos de natureza democrático. Que tem de ter o seu ritmo. É preciso entender que os condicionamentos culturais e históricos não permitem implantar de maneira automática os modos de funcionamento das nossas democracias. P. - Como é que a Espanha e a UE podem ter uma politica em relação ao mundo árabe que não aceite o status quo, que não pactue com os regimes ditatoriais e autoritários que ainda predominam, agora com o pretexto de combater o terrorismo islâmico? R. - A Europa tem de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para promover a modernização, a democratização e o que representa o fortalecimento de Estados de direito. O que quero dizer é que isso se faz melhor com o diálogo, com a comunicação politica, com a abertura comercial, e não de outra maneira. O que temos de fazer é apoiar os países do Magrebe que estão nessa via, mesmo que lenta. P. - Depreendo que é a favor da integração da Turquia. R. - Claro. P. - A Turquia deve ter uma resposta positiva já na cimeira de Dezembro dos líderes europeus? R. - A Turquia precisará de um tempo para entrar na UE, tem que cumprir todos os requisitos. A Comissão está prestes a emitir um parecer. P. - Que vai ser positivo. R. - Em princípio, o clima é favorável. A UE é um projecto aberto, um dos melhores caminhos para consolidar a estabilidade democrática, o comércio livre, o desenvolvimento, os direitos humanos... OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Entrevista com José Luís Rodrigues Zapatero: O que prometi foi tirar a Espanha da foto dos Açores e colocá-la na foto da luta contra a fome

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Mais 25 por cento para o orçamento da Ciência

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