Oposição Diz Que Acção Poderá Chamar Atenção Internacional para Legislação "Vergonhosa"
Terça-feira, 24 de Agosto de 2004 A chegada a Portugal do navio-clínica holandês que permite o acesso à prática de aborto em alto mar poderá promover uma nova reflexão sobre a legislação nacional. Mas não mais do que isso. Esta é a opinião em que convergem os partidos da oposição, que realçam o facto de esta ser a primeira vez que o navio lança âncora na costa portuguesa. A iniciativa da organização "Woman on Waves" não é alvo de muitas críticas por parte do CDS-PP, mas os democratas-cristãos não deixam de considerar "curiosa" a deslocação do navio a Portugal, já que "existem muitos outros países mais necessitados em termos de saúde pública", disse ao PÚBLICO o líder parlamentar do partido, Nuno Melo. O PÚBLICO tentou, em vão, obter reacções por parte do PSD. Para Nuno Melo, é necessário ter em conta que o país tem "leis que impõem regras de conduta", pelo que, acrescentou, "seja de barco ou de autocarro, os promotores desta iniciativa terão de se conformar com a nossa lei". "Não a cumprindo", sublinha, "estarão a cometer um crime", lembrando que os abortos, a serem realizados, terão de ser feitos a uma distância superior a 12 milhas a partir da linha de costa, fora das águas territoriais. Entre os partidos da oposição, varia o grau de importância atribuído à vinda do navio-clínica. Para o PCP, a actuação da "Woman on Waves" é "mais uma entre várias pressões internacionais" para a alteração de uma legislação que criminaliza as mulheres. Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do partido e responsável para a área das mulheres, defende que os comunistas dão "bastante importância a todas as manifestações de solidariedade internacional". Mas logo a seguir recorda que foi a eurodeputada Ilda Figueiredo quem, em Julho último, lançou uma Declaração de Solidaridade Internacional apelando à absolvição das três mulheres, acusadas da prática de aborto, e julgadas no Tribunal de Setúbal. Fernanda Mateus admite que todas as formas de pressão são bem-vindas, mas frisa que o "êxito pela luta da despenalização não pode dispensar a luta no plano nacional". Também o Bloco de Esquerda acha que o navio poderá revelar, a nível internacional, as restrições da lei portuguesa. "A iniciativa é legítima e legal", afirma o deputado Luís Fazenda, "e visa a internacionalização e um maior conhecimento da opinião pública europeia para a restritiva lei portuguesa". Para o bloquista, a acção tem ainda o "mérito de manter a discussão em aberto". Isabel de Castro, do partido ecologista "Os Verdes", concorda igualmente com a possibilidade de o navio-clínica servir para divulgar, a nível internacional, um "problema que persiste de forma vergonhosa no nosso país". A deputada entende que a presença do barco em Portugal poderá atraír a atenção dos cidadãos, obrigando as pessoas a "lembrar aquilo que não pode ser esquecido, uma lei vergonhosa e humilhante". Numa outra perspectiva, a deputada socialista Sónia Fertuzinhos diz ser "lamentável" a circunstância de Portugal estar incrito na rota "dos países onde as mulheres são julgadas" pela prática de aborto. Presidente do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, Fertuzinhos diz que a iniciativa da "Woman on Waves" vai certamente provocar uma nova "reflexão" sobre o controverso tema que ainda divide a sociedade portuguesa. "É urgente rever esta lei", defende a deputada do PS, admitindo, porém, que "nesta conjuntura não vai ser possível voltar a colocar a hipótese de realizar um referendo". Sónia Fertuzinhos recorda que ainda este ano foi colocada a hipótese de alterar a legislação, mas que os projectos da oposição foram chumbados pela maioria. Refira-se, a este propósito, que em Março último os partidos da oposição insistiram na necessidade de rever a lei, tendo o Bloco de Esquerda e o PS defendido a repetição de uma consulta popular. A discussão em torno da despenalização do aborto regressou à Assembleia da República através de projectos apresentados pelas bancadas da oposição, mas a estas iniciativas a maioria parlamentar respondeu com o compromisso assumido pelo ex-primeiro-ministro Durão Barroso. PSD e CDS-PP chumbaram as propostas, argumentando que a despenalização não poderia ser discutida nesta legislatura devido aos compromissos eleitorais de Barroso, mas aprovaram um projecto de resolução para o cumprimento da legislação em vigor sobre o aborto e para a criação da disciplina de educação sexual nas escolas. 2006 poderá, no entanto, ser o ano da viragem, já que os sociais-democratas convergem na ideia de que o tema será novamente debatido a partir das próximas legislativas. Sobre este assunto, o agora primeiro-ministro Santana Lopes disse ao PÚBLICO (edição de 03/03/04): "É tempo de prepararmos as conclusões a tirar na próxima legislatura sobre esta matéria. Eu estou de acordo genericamente com a legislação que existe, no entando, não gosto de ver nenhuma mulher condenada por interromper a gravidez, mas também não considero que seja muito legítimo a decisão livre [de abortar] de uma mulher que gera uma vida quando tem condições para receber e para criar essa vida". As declarações de Santana Lopes seguiam de perto a solução apontada por Freitas do Amaral - a criminalização do acto do aborto mas a não aplicação de pena à mulher que o pratica -, que defendeu a introdução no artigo 142º do Código Penal do princípio de reconhecimento do "estado de necessidade desculpante". No mesmo mês (Março) em que a Assembleia da República voltou a debater a despenalização, o Parlamento Europeu exigiu aos Estados-membros da União Europeia a garantia do acesso ao aborto "seguro e legal" por parte de todas as mulheres. Maria José Oliveira. O que diz o Código Penal No artigo 140º do Código Penal, relativo ao aborto, esclarece-se que esta prática, mesmo com o consentimento da mulher, pode levar a uma pena de prisão até três anos. O artigo 142º da legislação refere, porém, os casos em que a interrupção da gravidez não é punível. Em traços gerais, a lei permite o aborto, "em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida", nos seguintes casos: se constituir o único meio de "remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão" para a saúde da mulher; se for indicado para evitar "perigo de morte ou de grave e duradoura lesão" para a saúde da mulher e se for realizado "nas primeiras 12 semanas de gravidez"; se existirem motivos para crer que "o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita", tendo de ser realizado nas primeiras 24 semanas de gravidez; se a gravidez for resultado de uma violação, tendo a interrupção de ser realizada nas primeiras 16 semanas. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE "Barco do aborto" chega
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A TURBULÊNCIA DAS ÁGUAS SULCADAS PELA CLÍNICA FLUTUANTE
Oposição diz que acção poderá chamar atenção internacional para legislação "vergonhosa"
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Oposição Diz Que Acção Poderá Chamar Atenção Internacional para Legislação "Vergonhosa"
Terça-feira, 24 de Agosto de 2004 A chegada a Portugal do navio-clínica holandês que permite o acesso à prática de aborto em alto mar poderá promover uma nova reflexão sobre a legislação nacional. Mas não mais do que isso. Esta é a opinião em que convergem os partidos da oposição, que realçam o facto de esta ser a primeira vez que o navio lança âncora na costa portuguesa. A iniciativa da organização "Woman on Waves" não é alvo de muitas críticas por parte do CDS-PP, mas os democratas-cristãos não deixam de considerar "curiosa" a deslocação do navio a Portugal, já que "existem muitos outros países mais necessitados em termos de saúde pública", disse ao PÚBLICO o líder parlamentar do partido, Nuno Melo. O PÚBLICO tentou, em vão, obter reacções por parte do PSD. Para Nuno Melo, é necessário ter em conta que o país tem "leis que impõem regras de conduta", pelo que, acrescentou, "seja de barco ou de autocarro, os promotores desta iniciativa terão de se conformar com a nossa lei". "Não a cumprindo", sublinha, "estarão a cometer um crime", lembrando que os abortos, a serem realizados, terão de ser feitos a uma distância superior a 12 milhas a partir da linha de costa, fora das águas territoriais. Entre os partidos da oposição, varia o grau de importância atribuído à vinda do navio-clínica. Para o PCP, a actuação da "Woman on Waves" é "mais uma entre várias pressões internacionais" para a alteração de uma legislação que criminaliza as mulheres. Fernanda Mateus, membro da Comissão Política do partido e responsável para a área das mulheres, defende que os comunistas dão "bastante importância a todas as manifestações de solidariedade internacional". Mas logo a seguir recorda que foi a eurodeputada Ilda Figueiredo quem, em Julho último, lançou uma Declaração de Solidaridade Internacional apelando à absolvição das três mulheres, acusadas da prática de aborto, e julgadas no Tribunal de Setúbal. Fernanda Mateus admite que todas as formas de pressão são bem-vindas, mas frisa que o "êxito pela luta da despenalização não pode dispensar a luta no plano nacional". Também o Bloco de Esquerda acha que o navio poderá revelar, a nível internacional, as restrições da lei portuguesa. "A iniciativa é legítima e legal", afirma o deputado Luís Fazenda, "e visa a internacionalização e um maior conhecimento da opinião pública europeia para a restritiva lei portuguesa". Para o bloquista, a acção tem ainda o "mérito de manter a discussão em aberto". Isabel de Castro, do partido ecologista "Os Verdes", concorda igualmente com a possibilidade de o navio-clínica servir para divulgar, a nível internacional, um "problema que persiste de forma vergonhosa no nosso país". A deputada entende que a presença do barco em Portugal poderá atraír a atenção dos cidadãos, obrigando as pessoas a "lembrar aquilo que não pode ser esquecido, uma lei vergonhosa e humilhante". Numa outra perspectiva, a deputada socialista Sónia Fertuzinhos diz ser "lamentável" a circunstância de Portugal estar incrito na rota "dos países onde as mulheres são julgadas" pela prática de aborto. Presidente do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, Fertuzinhos diz que a iniciativa da "Woman on Waves" vai certamente provocar uma nova "reflexão" sobre o controverso tema que ainda divide a sociedade portuguesa. "É urgente rever esta lei", defende a deputada do PS, admitindo, porém, que "nesta conjuntura não vai ser possível voltar a colocar a hipótese de realizar um referendo". Sónia Fertuzinhos recorda que ainda este ano foi colocada a hipótese de alterar a legislação, mas que os projectos da oposição foram chumbados pela maioria. Refira-se, a este propósito, que em Março último os partidos da oposição insistiram na necessidade de rever a lei, tendo o Bloco de Esquerda e o PS defendido a repetição de uma consulta popular. A discussão em torno da despenalização do aborto regressou à Assembleia da República através de projectos apresentados pelas bancadas da oposição, mas a estas iniciativas a maioria parlamentar respondeu com o compromisso assumido pelo ex-primeiro-ministro Durão Barroso. PSD e CDS-PP chumbaram as propostas, argumentando que a despenalização não poderia ser discutida nesta legislatura devido aos compromissos eleitorais de Barroso, mas aprovaram um projecto de resolução para o cumprimento da legislação em vigor sobre o aborto e para a criação da disciplina de educação sexual nas escolas. 2006 poderá, no entanto, ser o ano da viragem, já que os sociais-democratas convergem na ideia de que o tema será novamente debatido a partir das próximas legislativas. Sobre este assunto, o agora primeiro-ministro Santana Lopes disse ao PÚBLICO (edição de 03/03/04): "É tempo de prepararmos as conclusões a tirar na próxima legislatura sobre esta matéria. Eu estou de acordo genericamente com a legislação que existe, no entando, não gosto de ver nenhuma mulher condenada por interromper a gravidez, mas também não considero que seja muito legítimo a decisão livre [de abortar] de uma mulher que gera uma vida quando tem condições para receber e para criar essa vida". As declarações de Santana Lopes seguiam de perto a solução apontada por Freitas do Amaral - a criminalização do acto do aborto mas a não aplicação de pena à mulher que o pratica -, que defendeu a introdução no artigo 142º do Código Penal do princípio de reconhecimento do "estado de necessidade desculpante". No mesmo mês (Março) em que a Assembleia da República voltou a debater a despenalização, o Parlamento Europeu exigiu aos Estados-membros da União Europeia a garantia do acesso ao aborto "seguro e legal" por parte de todas as mulheres. Maria José Oliveira. O que diz o Código Penal No artigo 140º do Código Penal, relativo ao aborto, esclarece-se que esta prática, mesmo com o consentimento da mulher, pode levar a uma pena de prisão até três anos. O artigo 142º da legislação refere, porém, os casos em que a interrupção da gravidez não é punível. Em traços gerais, a lei permite o aborto, "em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida", nos seguintes casos: se constituir o único meio de "remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão" para a saúde da mulher; se for indicado para evitar "perigo de morte ou de grave e duradoura lesão" para a saúde da mulher e se for realizado "nas primeiras 12 semanas de gravidez"; se existirem motivos para crer que "o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita", tendo de ser realizado nas primeiras 24 semanas de gravidez; se a gravidez for resultado de uma violação, tendo a interrupção de ser realizada nas primeiras 16 semanas. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE "Barco do aborto" chega
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