Lino de Carvalho (1946-2004)

24-08-2004
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Lino de Carvalho (1946-2004)

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Sexta-feira, 11 de Junho de 2004 Uma vida em nome de causas Voz vibrante, dedo em riste, frontal, Lino de Carvalho protagonizou na Assembleia da República, em Maio passado, a luta contra o encerramento da Bombardier. Foi uma das suas últimas causas e defendeu-a sabendo-se já irreversivelmente doente, mas mantendo a determinação e convicção que o caracterizavam, assim como se manteve em funções como deputado até não conseguir mais deslocar-se ao Parlamento. Aos 57 anos, Lino António Marques de Carvalho morreu ontem de manhã, no Instituto Português de Oncologia, vítima de cancro na pele. O funeral realiza-se hoje, às 15h30, da Igreja do Campo Grande para o Cemitério do Alto de São João, em Lisboa. Militante do PCP desde 1969, Lino de Carvalho subiu ao comité central em 1988. Com uma actuação discreta e não assumida para o exterior nas polémicas internas sobre a modernização e a renovação do PCP, que atravessaram o final dos anos 80 e os anos 90, Lino de Carvalho sentiu-se, porém, obrigado a tomar posição pública contra as expulsões de militantes em 2002. Mas sem nunca pôr em causa a sua militância no PCP, ainda que admitindo, em privado, vir a abandonar o Parlamento. Já como militante comunista, integrou a Comissão Democrática Eleitoral (CDE) em 1969 - período sobre o qual escreveu, em 2000, o livro "1969 - Um Marco no Caminho para a Liberdade". Após o 25 de Abril, mantém-se na CDE, então já transformada em Movimento Democrático Português (MDP), em cujas listas é candidato em lugar não elegível à Assembleia Constituinte, em 1975. Como antifascista e activista político da CDE, Lino de Carvalho sofreu duas prisões à mão da polícia política do Estado Novo, a PIDE/DGS. A primeira em 27 de Janeiro de 1971, a segunda em 6 de Abril de 1974. Quando da sua segunda prisão, é submetido à tortura do sono e à da estátua. Perante a tortura, não resiste. Acaba por ser transferido para o hospital psiquiátrico, onde se encontrava sob prisão quando se deu o 25 de Abril. O próprio Lino de Carvalho confessava que tinha carregado na transmissão da imagem desse desequilíbrio para forçar a sua transferência e assim fugir à tortura. Um adversário difícil Deputado do PCP, eleito pelo círculo de Évora, desde 1987, Lino de Carvalho era um dos mais prestigiados deputados à Assembleia da República, instituição de que era vice-presidente desde 2002, em substituição de João Amaral. Um prestígio conquistado na bancada do PCP, onde era um deputado determinante e a principal cara, depois da saída do ex-líder parlamentar comunista, Octávio Teixeira, em 2001. Senhor de um estilo oratório duro e incisivo, Lino de Carvalho não foi no Parlamento um adversário fácil. E perfilhou-se ao longo de anos como defensor de causas ligadas aos trabalhadores, à agricultura e a alguns aspectos da economia nacional - de que tinha, aliás, formação universitária, apesar de não ter terminado o curso de Economia, que frequentou na Universidade de Lisboa. Nos últimos anos herdou ainda de Octávio Teixeira a função de defender as posições do PCP nos debates do Orçamento do Estado. Mas sem nunca abandonar as suas causas. Foi ele o responsável parlamentar pelo acordo entre o PCP e o PS na área da segurança social, durante o último Governo de António Guterres, e um dos principais críticos do Pacote Laboral e da reforma do Rendimento Mínimo Social de Durão Barroso. Defendeu quanto pôde os interesses dos viticultores da Casa do Douro, assim como combateu o abandono das florestas e protagonizou a luta pela prevenção dos fogos florestais. Deu também a cara pela defesa do Alentejo agrícola. Primeiro, em nome da Reforma Agrária, ainda fora da Assembleia. E, já como deputado, fase ao rumo que tomou o aproveitamento do perímetro de rega da barragem do Alqueva. Em nome do PCP, propôs a adopção de medidas como a introdução de um limite máximo de 50 hectares para a propriedade naquela zona e a criação de um banco de terras com a propriedade excedente, que fosse arrendada para exploração agrícola. Pugnou também por uma política de apoio ao desenvolvimento agrícola a propósito do preço da água da barragem. Esta foi a sua última batalha pelo seu Alentejo de eleição - apesar de ser deputado por Évora, onde residiu muitos anos e a cuja assembleia municipal presidiu, Lino de Carvalho era natural de Leiria, onde nasceu a 4 de Outubro de 1946 -, isto depois de ter sido um dos protagonistas no terreno pela concretização da Reforma Agrária, após o 25 de Abril. Com um curso sobre organização e gestão de cooperativas tirado na União Soviética, Lino de Carvalho foi secretário-geral das Cooperativas Agrícolas do Distrito de Évora e vice-presidente da Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produção. O seu envolvimento no processo de colectivização da propriedade da terra no Alentejo deu-lhe uma experiência e conhecimento que verteu para o livro "Reforma Agrária - Da Utopia à Realidade". A obra foi lançada no próprio Parlamento, pelo presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, em Abril passado, numa cerimónia que foi encarada no meio parlamentar como uma homenagem a Lino Carvalho, uma vez que a gravidade do seu estado de saúde era já conhecida. Lino esteve presente e continuou a ir àquela que era como uma sua segunda casa, quase até ao fim. Só em finais de Maio foi notória a sua ausência da bancada do PCP e exposto como irreversível o terminar de quase duas décadas de vida parlamentar, a que se dedicou na defesa das suas causas. OUTROS TÍTULOS EM NACIONAL Lino de Carvalho (1946-2004)

Reacções

No "interior mais profundo", Sampaio apela à coesão nacional

Durão e Portas vaiados em Bragança

Portugal "ausente e distraído"

500 quilómetros para ver o Presidente

Condecorados

"É-se antigo combatente para toda a vida"

Políticos prestam homenagem a Sousa Franco

Uma triste campanha

Sobe e Desce

Agenda

Lino de Carvalho (1946-2004)

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Com uma actuação discreta e não assumida para o exterior nas polémicas internas sobre a modernização e a renovação do PCP, que atravessaram o final dos anos 80 e os anos 90, Lino de Carvalho sentiu-se, porém, obrigado a tomar posição pública contra as expulsões de militantes em 2002. Mas sem nunca pôr em causa a sua militância no PCP, ainda que admitindo, em privado, vir a abandonar o Parlamento. Já como militante comunista, integrou a Comissão Democrática Eleitoral (CDE) em 1969 - período sobre o qual escreveu, em 2000, o livro "1969 - Um Marco no Caminho para a Liberdade". Após o 25 de Abril, mantém-se na CDE, então já transformada em Movimento Democrático Português (MDP), em cujas listas é candidato em lugar não elegível à Assembleia Constituinte, em 1975. Como antifascista e activista político da CDE, Lino de Carvalho sofreu duas prisões à mão da polícia política do Estado Novo, a PIDE/DGS. A primeira em 27 de Janeiro de 1971, a segunda em 6 de Abril de 1974. Quando da sua segunda prisão, é submetido à tortura do sono e à da estátua. Perante a tortura, não resiste. Acaba por ser transferido para o hospital psiquiátrico, onde se encontrava sob prisão quando se deu o 25 de Abril. O próprio Lino de Carvalho confessava que tinha carregado na transmissão da imagem desse desequilíbrio para forçar a sua transferência e assim fugir à tortura. Um adversário difícil Deputado do PCP, eleito pelo círculo de Évora, desde 1987, Lino de Carvalho era um dos mais prestigiados deputados à Assembleia da República, instituição de que era vice-presidente desde 2002, em substituição de João Amaral. Um prestígio conquistado na bancada do PCP, onde era um deputado determinante e a principal cara, depois da saída do ex-líder parlamentar comunista, Octávio Teixeira, em 2001. Senhor de um estilo oratório duro e incisivo, Lino de Carvalho não foi no Parlamento um adversário fácil. E perfilhou-se ao longo de anos como defensor de causas ligadas aos trabalhadores, à agricultura e a alguns aspectos da economia nacional - de que tinha, aliás, formação universitária, apesar de não ter terminado o curso de Economia, que frequentou na Universidade de Lisboa. Nos últimos anos herdou ainda de Octávio Teixeira a função de defender as posições do PCP nos debates do Orçamento do Estado. Mas sem nunca abandonar as suas causas. Foi ele o responsável parlamentar pelo acordo entre o PCP e o PS na área da segurança social, durante o último Governo de António Guterres, e um dos principais críticos do Pacote Laboral e da reforma do Rendimento Mínimo Social de Durão Barroso. Defendeu quanto pôde os interesses dos viticultores da Casa do Douro, assim como combateu o abandono das florestas e protagonizou a luta pela prevenção dos fogos florestais. Deu também a cara pela defesa do Alentejo agrícola. Primeiro, em nome da Reforma Agrária, ainda fora da Assembleia. 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Com um curso sobre organização e gestão de cooperativas tirado na União Soviética, Lino de Carvalho foi secretário-geral das Cooperativas Agrícolas do Distrito de Évora e vice-presidente da Federação Nacional das Cooperativas Agrícolas de Produção. O seu envolvimento no processo de colectivização da propriedade da terra no Alentejo deu-lhe uma experiência e conhecimento que verteu para o livro "Reforma Agrária - Da Utopia à Realidade". A obra foi lançada no próprio Parlamento, pelo presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, em Abril passado, numa cerimónia que foi encarada no meio parlamentar como uma homenagem a Lino Carvalho, uma vez que a gravidade do seu estado de saúde era já conhecida. Lino esteve presente e continuou a ir àquela que era como uma sua segunda casa, quase até ao fim. Só em finais de Maio foi notória a sua ausência da bancada do PCP e exposto como irreversível o terminar de quase duas décadas de vida parlamentar, a que se dedicou na defesa das suas causas. 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