E O PAÍS PASSOU

27-10-2004
marcar artigo

E O PAÍS PASSOU

Sexta-feira, 15 de Outubro de 2004 AO LADO O primeiro embate Santana-Sócrates acabou por passar ao lado do país. Sócrates ainda abordou a economia, mas Santana apenas quis falar de Scut e arrendamento. Por São José Almeida O primeiro debate parlamentar entre José Sócrates, como líder do PS, e Pedro Santana Lopes, como primeiro-ministro, acabou por defraudar as expectativas. A sessão até começou bem, com o primeiro-ministro mais seguro de si do que na apresentação do programa do Governo e levando a lição estudada no que se refere a arrendamento e Scut. Santana conseguiu mesmo ensaiar a defesa de um novo modelo de desenvolvimento, ao sustentar que a diminuição das Scut e a nova lei de arrendamento tinham a ver com a criação de um modelo de vida sem endividamento dos jovens para comprar casa e carro. Se bem que depois não tenha conseguido desenvolver essa tese e se tenha ficado pela rama. Já José Sócrates soube usar os poucos minutos que este tipo de debate lhe dava - nos debates mensais a oposição só faz perguntas. A anos-luz das parcas capacidades parlamentares de Ferro Rodrigues, Sócrates, de forma clara e directa, levantou questões de regime, como da legitimidade política e as acusações de censura. Além de não se esquecer da situação económica e social e ainda do Orçamento do Estado, acusando mesmo o Governo de em matéria orçamental querer descobrir o "gelo-quente". Mas, passado o primeiro embate Santana-Sócrates, o debate acabou por se transformar numa quase oportunidade perdida. Por um lado, o primeiro-ministro deixou várias questões sem resposta. Por outro lado, o PS deixou-se encurralar nos terrenos que interessavam a Santana e sobre os quais o primeiro-ministro ia preparado para falar, aceitando discutir apenas Scut e arrendamento e dando o palco a dois ex-responsáveis pelas áreas: João Cravinho, que acabou cedendo à personalização da discussão, e Leonor Coutinho, que não existiu em termos de debate parlamentar. Se Santana conseguiu levar o PS para os terrenos que lhe interessavam não conseguiu, porém, ganhar o debate em termos globais. Pelo contrário. Logo de início, o líder do PS entrou a matar com questões políticas de relevância e actualidade. Numa atitude previsível - e que o próprio Sócrates já fez saber que é para continuar - atacou Santana pela falta de legitimidade e de autoridade políticas que acha que o primeiro-ministro tem. Ou seja, atirou para cima da mesa com o facto de Santana ter sido indigitado primeiro-ministro sem se submeter a eleições legislativas depois de escolhido pelo conselho nacional do PSD, sem que o congresso reunisse. Enquanto ele Sócrates foi eleito em sufrágio directo dos militantes. Isto para além de atacar com veemência as eventuais interferências na liberdade de expressão com o caso Marcelo, classificando-o de "nódoa que o vai perseguir" e defendendo que Santana não resiste "às tentações de controlo da comunicação social". Com a lição também estudada e sem deixar de defender as Scut com base num modelo de "solidariedade nacional" e de se mostrar disponível para debater as alterações ao arrendamento urbano, Sócrates ainda abordou a situação da economia. Salientou o facto de no último mês haver mais 16 mil desempregados, ter aumentado o défice comercial, terem estagnado as exportações e referindo-se ao Orçamento criticou a maioria por, após a "obsessão do défice", a maioria vir agora prometer uma política orçamental expansiva. Para rematar, usou uma imagem mediatizável: "O que prometeu aos portugueses foi fazer gelo-quente." Santana não conseguiu responder à altura às acusações de falta de legitimidade política e acabou por reduzir a questão a um problema de organização partidária. Depois de se enganar ao dizer que Ferro também tinha ido a legislativas sem ser eleito pelo partido - o que é falso, por que não houve congresso antes das legislativas, mas houve eleição directa do secretário-geral - Santana repostou: "Fui eleito nos termos que os meus estatutos prevêm, como o senhor." E ainda sobre a falta de legitimidade política por não ter sido eleito, Santana respondeu com a legitimidade constitucional da sua indigitação pelo Presidente da República Por outro lado, o primeiro-ministro não se preocupou sequer em desenvolver ideias sobre a situação económica, deixando essa questão para os debates orçamentais com o Parlamento. Isto embora o Governo tenha já falado sobre política orçamental para 2005, nomeadamente na comunicação de Santana ao país na segunda-feira. E optou por entrar por diversas vezes em réplica com deputados da oposição, usando mesmo um tom discursivo, por vezes, provocador, outras até de menorização dos opositores, outras vezes ainda de mera displicência. Uma atitude que pode dar azo a leituras de menor consideração pelos deputados e pelo Parlamento e que é visível também nas manifestações histriónicas do ministro de Estado e da Defesa, Paulo Portas. O primeiro-ministro optou assim por apenas falar sobre duas medidas de governação, o novo regime de arrendamento urbano, que é debatido para a semana na AR, e a introdução de portagens nas Scut, uma táctica de debate parlamentar defensiva, mas que lhe permitiu descolar da péssima imagem que deixou ao país, quando da apresentação do programa de Governo. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Paula Rego "Devo ser

Louçã associa Governo ao afastamento de inspector da PJ na Madeira

Interrogar

Paula Rego abre série de exposições em Londres

Maria Manuel Lisboa revela o mundo de Paula Rego

E O PAÍS PASSOU

E O PAÍS PASSOU

Sexta-feira, 15 de Outubro de 2004 AO LADO O primeiro embate Santana-Sócrates acabou por passar ao lado do país. Sócrates ainda abordou a economia, mas Santana apenas quis falar de Scut e arrendamento. Por São José Almeida O primeiro debate parlamentar entre José Sócrates, como líder do PS, e Pedro Santana Lopes, como primeiro-ministro, acabou por defraudar as expectativas. A sessão até começou bem, com o primeiro-ministro mais seguro de si do que na apresentação do programa do Governo e levando a lição estudada no que se refere a arrendamento e Scut. Santana conseguiu mesmo ensaiar a defesa de um novo modelo de desenvolvimento, ao sustentar que a diminuição das Scut e a nova lei de arrendamento tinham a ver com a criação de um modelo de vida sem endividamento dos jovens para comprar casa e carro. Se bem que depois não tenha conseguido desenvolver essa tese e se tenha ficado pela rama. Já José Sócrates soube usar os poucos minutos que este tipo de debate lhe dava - nos debates mensais a oposição só faz perguntas. A anos-luz das parcas capacidades parlamentares de Ferro Rodrigues, Sócrates, de forma clara e directa, levantou questões de regime, como da legitimidade política e as acusações de censura. Além de não se esquecer da situação económica e social e ainda do Orçamento do Estado, acusando mesmo o Governo de em matéria orçamental querer descobrir o "gelo-quente". Mas, passado o primeiro embate Santana-Sócrates, o debate acabou por se transformar numa quase oportunidade perdida. Por um lado, o primeiro-ministro deixou várias questões sem resposta. Por outro lado, o PS deixou-se encurralar nos terrenos que interessavam a Santana e sobre os quais o primeiro-ministro ia preparado para falar, aceitando discutir apenas Scut e arrendamento e dando o palco a dois ex-responsáveis pelas áreas: João Cravinho, que acabou cedendo à personalização da discussão, e Leonor Coutinho, que não existiu em termos de debate parlamentar. Se Santana conseguiu levar o PS para os terrenos que lhe interessavam não conseguiu, porém, ganhar o debate em termos globais. Pelo contrário. Logo de início, o líder do PS entrou a matar com questões políticas de relevância e actualidade. Numa atitude previsível - e que o próprio Sócrates já fez saber que é para continuar - atacou Santana pela falta de legitimidade e de autoridade políticas que acha que o primeiro-ministro tem. Ou seja, atirou para cima da mesa com o facto de Santana ter sido indigitado primeiro-ministro sem se submeter a eleições legislativas depois de escolhido pelo conselho nacional do PSD, sem que o congresso reunisse. Enquanto ele Sócrates foi eleito em sufrágio directo dos militantes. Isto para além de atacar com veemência as eventuais interferências na liberdade de expressão com o caso Marcelo, classificando-o de "nódoa que o vai perseguir" e defendendo que Santana não resiste "às tentações de controlo da comunicação social". Com a lição também estudada e sem deixar de defender as Scut com base num modelo de "solidariedade nacional" e de se mostrar disponível para debater as alterações ao arrendamento urbano, Sócrates ainda abordou a situação da economia. Salientou o facto de no último mês haver mais 16 mil desempregados, ter aumentado o défice comercial, terem estagnado as exportações e referindo-se ao Orçamento criticou a maioria por, após a "obsessão do défice", a maioria vir agora prometer uma política orçamental expansiva. Para rematar, usou uma imagem mediatizável: "O que prometeu aos portugueses foi fazer gelo-quente." Santana não conseguiu responder à altura às acusações de falta de legitimidade política e acabou por reduzir a questão a um problema de organização partidária. Depois de se enganar ao dizer que Ferro também tinha ido a legislativas sem ser eleito pelo partido - o que é falso, por que não houve congresso antes das legislativas, mas houve eleição directa do secretário-geral - Santana repostou: "Fui eleito nos termos que os meus estatutos prevêm, como o senhor." E ainda sobre a falta de legitimidade política por não ter sido eleito, Santana respondeu com a legitimidade constitucional da sua indigitação pelo Presidente da República Por outro lado, o primeiro-ministro não se preocupou sequer em desenvolver ideias sobre a situação económica, deixando essa questão para os debates orçamentais com o Parlamento. Isto embora o Governo tenha já falado sobre política orçamental para 2005, nomeadamente na comunicação de Santana ao país na segunda-feira. E optou por entrar por diversas vezes em réplica com deputados da oposição, usando mesmo um tom discursivo, por vezes, provocador, outras até de menorização dos opositores, outras vezes ainda de mera displicência. Uma atitude que pode dar azo a leituras de menor consideração pelos deputados e pelo Parlamento e que é visível também nas manifestações histriónicas do ministro de Estado e da Defesa, Paulo Portas. O primeiro-ministro optou assim por apenas falar sobre duas medidas de governação, o novo regime de arrendamento urbano, que é debatido para a semana na AR, e a introdução de portagens nas Scut, uma táctica de debate parlamentar defensiva, mas que lhe permitiu descolar da péssima imagem que deixou ao país, quando da apresentação do programa de Governo. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Paula Rego "Devo ser

Louçã associa Governo ao afastamento de inspector da PJ na Madeira

Interrogar

Paula Rego abre série de exposições em Londres

Maria Manuel Lisboa revela o mundo de Paula Rego

E O PAÍS PASSOU

marcar artigo